Wednesday, August 07, 2013

Luta em que a espécie humana é a perdedora

Pedro J. Bondaczuk

Dia desses, assistindo documentário de História na televisão a cabo, veio-me à mente um tema sobre o qual tenho refletido bastante, há já vários anos, e a propósito do qual redigi vários ensaios, sem que, no entanto, chegasse (de novo) a qualquer conclusão. É o que se refere a qual das duas características essenciais do homem haverá de prevalecer no futuro (pressupondo que a espécie terá um e não se destruíra, como muitas vezes as ações humanas parecem indicar): o instinto ou a razão. Ambos convivem em nosso interior, em convivência nem sempre (ou quase nunca) pacífica. E esse conflito extrapola para o exterior, em nossos relacionamentos sociais e caracteriza as diversas sociedades.

A reflexão que o tal documentário suscitou foi, na verdade, uma conclusão: a de que a História dos povos (e, sobretudo, do homem, enquanto espécie) é um eterno conflito, com raros hiatos de trégua, entre a força bruta e a razão. E esta é uma luta sem vencedores. Há, porém, um e único perdedor: o ser humano.  Foram inúmeras as obras – materiais e/ou espirituais, ou seja, de artes e de idéias – aniquiladas em guerras ilógicas e sem sentido (ademais, nenhuma delas tem), quase sempre tendo como objetivo o mero saque das riquezas do inimigo por parte da soldadesca ou a conquista de alguns alqueires de território que os vencedores sequer sabiam, ou souberam, como aproveitar. Ascendem a milhões as vidas perdidas nestas sortidas guerreiras. Foram inúmeras as bibliotecas arrasadas. Foram muitíssimos os cérebros privilegiados passados ao fio da espada. E tudo em nome de um pretenso, estúpido e hipotético poder.

E essas ações belicosas, nitidamente insensatas e burras, estão longe de se constituir em coisas de um remoto passado. Estão aí, presentes, e mais do que nunca, na atualidade. Basta atentar para o noticiário do dia a dia. Recorde-se que ainda no século passado, ocorreram duas guerras mundiais, com saldo de quase cem milhões de mortos somados. Isso sem contar as dezenas, quiçá centenas de conflitos armados regionais, de eufemísticas “revoluções salvadoras” (que nunca salvaram nada) e de um punhado de guerras civis e de golpes de Estado. E quem lucrou com esse festival de violência e insânia? A humanidade é que não foi.

Ademais, investem-se, em pleno século XXI, infinitamente mais recursos na pesquisa, desenvolvimento e produção de novas armas (como se as existentes não fossem suficientes para varrer todo vestígio de vida da face da Terra), do que para encontrar a cura de uma infinidade de doenças que matam multidões. A força bruta, portanto, continua dando de “dez a zero” na razão. Pior é que não há o menor indício de que isso um dia possa vir a ser mudado.            

Escrevi, tempos atrás, aqui mesmo, neste espaço, que “os pressupostos em que se baseia a civilização não resistem à mínima análise”. Acaso resistem? “Disfarçada sob tênue camada de verniz civilizatório, o que ainda impera é a lei da selva: a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. A riqueza é um dos disfarces que se usam para dissimular a força bruta, e dos mais eficazes. Hoje não é o indivíduo com maior massa muscular, ou mais perito no manejo de armas, o que prevalece sobre os que lhe são mais frágeis ou indefesos. É o rico. É o que pode "comprar" essa montanha de músculos, ou essa máquina de coagir e matar, para impor e assegurar os seus interesses”. Há algum erro, ou exagero, nessa afirmação? Qual? Não é o que se observa no cotidiano?

Escrevi mais, na oportunidade: “E a maioria, consciente ou  inconscientemente, apóia tal sistema”. E não apóia? Ao se manter omissa e, pior, alienada, aprova, posto que tacitamente, o sistema em que o mais forte (no caso, o mais rico) impõe sua vontade e seus caprichos ao mais fraco, mesmo que sejam sobejamente injustos (e, salvo exceções, são). É o tal princípio do “quem cala, consente”.“A sociedade atual, tirando os recursos tecnológicos que facilitam a vida de milhões (mas vedados a dois terços da humanidade, que vegetam sob o espectro da fome, sem acesso à educação, moradia, saúde e segurança), é a reprodução fidelíssima do inferno, pintado por furibundos pregadores do passado”.

O valor intrínseco do ser humano não está em sua força, em sua riqueza, em seu ridículo e limitado poder ou na eventual beleza física que possua, embora sejam estas suas características mais enfatizadas (e não são?!). Tudo isso é ilusório, passageiro, efêmero, como ele próprio o é. O que somos, enquanto indivíduos, diante da imensidão universal? Um nada, de ínfimo tamanho, menos, até, do que uma simples célula é em relação ao conjunto do nosso organismo.

A observação do firmamento, numa noite estrelada, suscita uma série de reflexões sobre este mistério que é o universo, e a pequenez do homem, este poço de arrogância e de inconseqüência, que sequer se dá conta da sua finitude. O ser humano apenas adquire grandeza quando empresta à sua vida um sentido altruísta, comunitário, de solidariedade e de integração. Ou seja, quando a razão, que é seu distintivo em relação aos demais animais, subjuga os instintos e os direciona para o que é construtivo.

Deixo a conclusão por conta do filósofo norte-americano Will Durant que, no seu livro “Filosofia da vida”  lembra: "O instinto talvez nos tenha bastado no primitivo estágio de caçadores; é por isso que nossos impulsos naturais nos levam mais à caça do que ao trabalho da terra, e periodicamente sonhamos com o 'retorno à natureza'. Mas desde que a civilização começou, o instinto se faz inadequado e a vida teve que pedir socorro à razão". Temo, porém, que continue pedindo, mas sem ser atendida, até que a força bruta a extinga e seja, por sua vez, extinta.


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