Luta
em que a espécie humana é a perdedora
Pedro J. Bondaczuk
Dia desses, assistindo
documentário de História na televisão a cabo, veio-me à mente um tema sobre o
qual tenho refletido bastante, há já vários anos, e a propósito do qual redigi
vários ensaios, sem que, no entanto, chegasse (de novo) a qualquer conclusão. É
o que se refere a qual das duas características essenciais do homem haverá de
prevalecer no futuro (pressupondo que a espécie terá um e não se destruíra,
como muitas vezes as ações humanas parecem indicar): o instinto ou a razão.
Ambos convivem em nosso interior, em convivência nem sempre (ou quase nunca)
pacífica. E esse conflito extrapola para o exterior, em nossos relacionamentos
sociais e caracteriza as diversas sociedades.
A reflexão que o tal documentário
suscitou foi, na verdade, uma conclusão: a de que a História dos povos (e,
sobretudo, do homem, enquanto espécie) é um eterno conflito, com raros hiatos
de trégua, entre a força bruta e a razão. E esta é uma luta sem vencedores. Há,
porém, um e único perdedor: o ser humano.
Foram inúmeras as obras – materiais e/ou espirituais, ou seja, de artes
e de idéias – aniquiladas em guerras ilógicas e sem sentido (ademais, nenhuma
delas tem), quase sempre tendo como objetivo o mero saque das riquezas do
inimigo por parte da soldadesca ou a conquista de alguns alqueires de
território que os vencedores sequer sabiam, ou souberam, como aproveitar.
Ascendem a milhões as vidas perdidas nestas sortidas guerreiras. Foram inúmeras
as bibliotecas arrasadas. Foram muitíssimos os cérebros privilegiados passados
ao fio da espada. E tudo em nome de um pretenso, estúpido e hipotético poder.
E essas ações belicosas,
nitidamente insensatas e burras, estão longe de se constituir em coisas de um
remoto passado. Estão aí, presentes, e mais do que nunca, na atualidade. Basta
atentar para o noticiário do dia a dia. Recorde-se que ainda no século passado,
ocorreram duas guerras mundiais, com saldo de quase cem milhões de mortos
somados. Isso sem contar as dezenas, quiçá centenas de conflitos armados
regionais, de eufemísticas “revoluções salvadoras” (que nunca salvaram nada) e
de um punhado de guerras civis e de golpes de Estado. E quem lucrou com esse
festival de violência e insânia? A humanidade é que não foi.
Ademais, investem-se, em pleno
século XXI, infinitamente mais recursos na pesquisa, desenvolvimento e produção
de novas armas (como se as existentes não fossem suficientes para varrer todo
vestígio de vida da face da Terra), do que para encontrar a cura de uma
infinidade de doenças que matam multidões. A força bruta, portanto, continua
dando de “dez a zero” na razão. Pior é que não há o menor indício de que isso
um dia possa vir a ser mudado.
Escrevi, tempos atrás, aqui
mesmo, neste espaço, que “os pressupostos em que se baseia a civilização não
resistem à mínima análise”. Acaso resistem? “Disfarçada sob tênue camada de
verniz civilizatório, o que ainda impera é a lei da selva: a prevalência do
mais forte sobre o mais fraco. A riqueza é um dos disfarces que se usam para
dissimular a força bruta, e dos mais eficazes. Hoje não é o indivíduo com maior
massa muscular, ou mais perito no manejo de armas, o que prevalece sobre os que
lhe são mais frágeis ou indefesos. É o rico. É o que pode "comprar"
essa montanha de músculos, ou essa máquina de coagir e matar, para impor e
assegurar os seus interesses”. Há algum erro, ou exagero, nessa afirmação?
Qual? Não é o que se observa no cotidiano?
Escrevi mais, na oportunidade: “E
a maioria, consciente ou
inconscientemente, apóia tal sistema”. E não apóia? Ao se manter omissa
e, pior, alienada, aprova, posto que tacitamente, o sistema em que o mais forte
(no caso, o mais rico) impõe sua vontade e seus caprichos ao mais fraco, mesmo
que sejam sobejamente injustos (e, salvo exceções, são). É o tal princípio do
“quem cala, consente”.“A sociedade atual, tirando os recursos tecnológicos que
facilitam a vida de milhões (mas vedados a dois terços da humanidade, que
vegetam sob o espectro da fome, sem acesso à educação, moradia, saúde e
segurança), é a reprodução fidelíssima do inferno, pintado por furibundos
pregadores do passado”.
O valor intrínseco do ser
humano não está em sua força, em sua riqueza, em seu ridículo e limitado poder
ou na eventual beleza física que possua, embora sejam estas suas
características mais enfatizadas (e não são?!). Tudo isso é ilusório,
passageiro, efêmero, como ele próprio o é. O que somos, enquanto indivíduos,
diante da imensidão universal? Um nada, de ínfimo tamanho, menos, até, do que
uma simples célula é em relação ao conjunto do nosso organismo.
A observação do firmamento,
numa noite estrelada, suscita uma série de reflexões sobre este mistério que é
o universo, e a pequenez do homem, este poço de arrogância e de inconseqüência,
que sequer se dá conta da sua finitude. O ser humano apenas adquire grandeza
quando empresta à sua vida um sentido altruísta, comunitário, de solidariedade
e de integração. Ou seja, quando a razão, que é seu distintivo em relação aos
demais animais, subjuga os instintos e os direciona para o que é construtivo.
Deixo a conclusão por conta do
filósofo norte-americano Will Durant que, no seu livro “Filosofia da vida” lembra: "O instinto talvez nos tenha
bastado no primitivo estágio de caçadores; é por isso que nossos impulsos naturais
nos levam mais à caça do que ao trabalho da terra, e periodicamente sonhamos
com o 'retorno à natureza'. Mas desde que a civilização começou, o instinto se
faz inadequado e a vida teve que pedir socorro à razão". Temo, porém, que
continue pedindo, mas sem ser atendida, até que a força bruta a extinga e seja,
por sua vez, extinta.
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