A República dos
Banqueiros
Pedro
J. Bondaczuk
O decreto que criou o
que ficou conhecido como “encilhamento” – gíria emprestada do turfe que
significava algo equivalente a “marmelada” em apostas de corridas de cavalo –
foi muito mais amplo do que simplesmente permitir aos bancos que fizessem
emissões de moeda e de apólices da dívida pública em dobro dos respectivos
lastros de ouro. Ele foi baixado em janeiro de 1890, sendo que o ministro da
Fazenda, Ruy Barbosa, assinou-o na calada da noite, sem consultar ninguém,
sequer seu superior hierárquico, no caso o presidente Marechal Deodoro da
Fonseca. A forma como esse dispositivo legal foi posta em prática gerou grande
escândalo político, um dos tantos de um período com fartura deles, tanto pala
maneira como ocorreu, quanto e principalmente por seu teror e posteriores
consequências.
O primeiro ministério
da República ficou dividido a esse respeito. Parte fez vistas grossas ao
decreto, parte aprovou0o, posto que com relutância e restrições, mas dois
importantes ministros – Demétrio Ribeiro e Campos Salles – opuseram-se vigorosamente a ele. Em bão!
Ainda assim, a medida acabou sancionada. Antes não o fosse. O decreto trazia
uma lista enorme de concessões aos bancos, descaracterizando, inclusive, sua
atividade essencial e dando-lhes um poder virtualmente ilimitado para atuar na
economia brasileira em todos seus setores a ponto do próprio regime que sucedeu
à monarquia ser chamado, pejorativamente, por vastos setores da imprensa, de
“República dos Banqueiros”. E foi, de fato, no que o País se transformou nesse
lamentável período.
O curioso é que Ruy
Barbosa foi escolhido como ministro da Fazenda, na composição do primeiro
ministério republicano, exatamente por manifestar, publicamente, intransigente
e firme oposição a esse sistema que implantou, urdido na gestão do último
gabinete monárquico, o do Visconde de Ouro Preto, mas que entrou em vigor,
apenas, dois meses após a proclamação da República, com a sanção do infeliz
decreto. E este foi muito mais amplo do que o originalmente concebido no fim do
regime anterior. Era tão danoso, que a então Província de São Paulo não aderiu,
por completo, aos seus termos.
Por intervenção
decisiva de Campos Salles, os paulistas criaram uma espécie de “banco
regulador” para impedir os desmandos das demais instituições bancárias existentes
e que viessem a ser criadas. Mas, no restante do País, a medida vigorou
integralmente, sem que os bancos tivessem qualquer tipo de fiscalização ou de
restrição. Os banqueiros estavam com a faca e o queijo nas mãos, para atuar a
seu bel prazer. O que levou Ruy Barbosa a agir como agiu, inclusive contra o
que tantas vezes apregoou que era contrário às suas convicções? Ele nunca
explicou. Não, pelo menos, de forma convincente.
Pelo artigo 2ª do
decreto, por exemplo, os bancos obtiveram a faculdade legal de operar nas
seguintes áreas:
a) empréstimos,
descontos e câmbio; b) Hipotecas a curto e longo prazo; c) Penhor agrícola
sobre frutos pendentes, colhidos e armazenados; d)Adiantamentos sobre
instrumentos de trabalho, máquinas, aparelhos e todos os meios de produção das
propriedades agrícolas, engenhos centrais, fábricas e oficinas: e) Empréstimos
de caráter e natureza industrial para a construção de edifícios públicos e
particulares, e de ferrovias e outros, docas, melhoramentos em portos,
telégrafos, telefones e quaisquer outros empreendimentos industriais: f)
Comprar e vender terras, incultas ou não, parcelá-las e demarcá-las por conta
própria e alheia; g) Encarregar-se de assuntos tendentes à colonização, fazendo
os adiantamentos necessários, mediante ajustes e contratos com os colonos ou terceiros interessados; h)
Incumbir-se por conta própria ou alheia do dessecamento, drenagem e irrigação
do solo; i) Tratar do nivelamento de orientação de terrenos, abertura de
estradas e caminhos rurais, canalização e direção de torrentes, lagoas e rios e
facilitar os meios necessários, mediante ajuste e condições, a qualquer
cultura, criação de gado de todas as espécies e exploração de minas,
principalmente de carvão de pedra, cobre, ferro e outros metais; j) Efetuar
todas as operações de comércio e indústria por conta própria e de terceiros.
E olhem que este era
apenas UM dos artigos (o 2ª) do malfadado decreto. Sequer destaquei a principal
prerrogativa concedida às instituições de crédito, ou seja, a de emitir moeda e
rótulos da dívida pública no dobro da quantidade de lastro ouro que
dispusessem, limite este jamais respeitado. Com todas essas facilidades e
atribuições, não é de se admirar, portanto, que, num único ano, o de 1890,
surgissem 33 novos bancos só na cidade do Rio de Janeiro!!! E todos podendo
emitir dinheiro o quanto quisessem. Nem é necessário ser economista para prever
que essa “farra monetária” não terminaria bem, não é mesmo? E, de fato, não
terminou.
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