Europeus
redesenham mapa com pés
Pedro J. Bondaczuk
O
mapa europeu está sendo redesenhado, desta vez de baixo para cima, ao contrário
do que ocorreu da última vez que as várias fronteiras nacionais foram
definidas, ou seja, numa reunião de cúpula, a célebre Conferência de Yalta, de
1945, entre o ditador soviético Joseph Stalin, o presidente norte-americano
Franklin Delano Roosevel e o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill.
Por exemplo, o que os políticos não conseguiram em 45 anos de estéreis debates,
o que os militares não lograram obter com a acumulação das mais mortíferas
armas nucleares de destruição em massa, os alemães orientais conquistaram com
os "pés": a reunificação da Alemanha.
Cansada
de promessas vazias, de truculência e de medo, a população começou a fugir em
massa do país. Em questão de semanas, milhares de cidadãos jogaram tudo para o
ar e foram embora. Teve até mesmo um, com o senso de humor mais aguçado, que
pichou num muro de Berlim Oriental: "O último a sair, apague a luz".
Exageros
à parte, se mesmo depois dessa dramática fuga, o então líder comunista Erich
Honecker não se tocasse, é possível que de fato ficasse sozinho na antiga
Alemanha Oriental. Ou, quando muito, acompanhado dos eternos parasitas que
sobrevivem à sombra do poder.
A
Albânia, embora em menor escala, dadas suas dimensões, repetiu a estratégia.
Somente depois que milhares de albaneses, usando tudo o que pudesse navegar,
escaparam desesperadamente, enfrentando as traiçoeiras águas do Mar Adriático,
rumo aos portos da Itália, é que os discípulos do truculento Enver Hoxha se
tocaram que algo precisava ser mudado, para não dizer tudo.
A
guerra civil iugoslava é o lado traumático dessa iniciativa popular de se
redesenhar o mapa europeu, traçado de acordo com os interesses de políticos
oportunistas e de estrategistas militares nem sempre bons de raciocínio para
intuir conseqüências, e nunca dos povos envolvidos.
Uma
Iugoslávia unida, de fato pode ser importante fator de equilíbrio regional,
desde que essa união seja consensual. Mas a poder de armas... Que espécie de
cooperação se pode esperar de pessoas que se sintam prisioneiras em suas
próprias terras natais?
O
presidente soviético, Mikhail Gorbachev, a despeito de ações repressivas
movidas, em especial em Vilnius, na Lituânia, pelos temidos "Boinas
Negras", a tropa de elite do Ministério do Interior, foi mais hábil na
administração do separatismo do que as autoridades de Belgrado. Provavelmente,
os atos truculentos contra os lituanos foram cometidos à sua revelia, já que
ações desse tipo não fazem seu gênero.
Ainda
assim, essa repressão esteve muito distante de se igualar à que se verifica
ainda na Eslovênia. O economista Grigori Yavlinsky expressou bem essa
perplexidade deixada pelos incidentes ocorridos no Báltico, em janeiro passado,
ao desabafar: "Numa hora, o governo toma atitudes econômicas liberais e em
outra, os tanques esmagam protestos. O governo parece estar dançando um tango
argentino, com dois passos para a frente, um para o lado e outro para trás. A culpa
não é só do governo. A realidade é que é complicada".
Gorbachev
tenta, evidentemente, ganhar tempo, para implantar suas reformas. Acredita que
num país melhor, mais próspero e livre, nenhuma República terá razões de se
separar. O presidente soviético poderia até parodiar o poeta mineiro Paulo
Mendes Campos, que morreu anteontem, quando escreveu: "O tempo é meu
jardim, o tempo abriu/cantando suas flores insepultas".
Mas
o mapa do Báltico, dure quanto durar, também será redesenhado, mesmo que
Gorbachev não queira. Oxalá que seja apenas com os pés e não com sangue.
(Artigo
publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 3 de julho de
1991).
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