Wagner e o Brasil
Pedro
J. Bondaczuk
O compositor Richard
Wagner, cujo bicentenário de nascimento comemora-se neste ano de 2013,
“poderia” ter morado e trabalhado no Brasil. “Poderia”, mas nunca aconteceu.
Convite para isso não lhe faltou. E, da sua parte, houve vivo interesse em
viver uma aventura desse tipo. Fica a pergunta: se ambas as partes viam com
bons olhos isso, por que essa vinda – que traria, certamente, imensas vantagens
para a arte musical e a cultura em geral do País – não se concretizou? Pelo que
pude depreender, das fontes que consultei, o que ocorreu foi uma lamentável e
insólita falha de comunicação, de parte a parte.
O convite, feito pelo
próprio imperador brasileiro, Dom Pedro II, foi formalizado em março de 1857.
Foi entregue ao compositor pelo nosso embaixador em Leipzig, num encontro entre
o diplomata e o músico ocorrido em Zurique, na Suíça. Consta que a reação
inicial de Wagner foi de surpresa, seguida de intenso entusiasmo. Aventureiro
como era, provavelmente fez planos e mais planos para uma viagem tão longa a um
país tão pouco conhecido na Europa.
Naquele tempo, o Brasil
era visto pelos europeus como um lugar exótico e semi-selvagem. Convenhamos,
ainda hoje, em pleno século XXI, na maioria dos países do Velho Continente, a
despeito de todas as facilidades proporcionadas pelos transportes e pelos
veículos instantâneos de comunicação, ainda somos vistos da mesmíssima maneira.
Claro que eles se surpreendem quando desembarcam no Rio de Janeiro, ou em São
Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte etc. e encontram cidades muito mais
modernas e evoluídas do que várias e badaladas metrópoles da Europa. Imaginem o
que era, naquele remoto tempo, sequer se cogitar em vir para o Brasil! Era
coisa para aventureiros! Era uma aventura que poucos teriam coragem de encarar.
Mas Wagner mostrou vivo interesse em topar esse desafio.
“Se estava tão
interessado”, certamente está imaginando o atento leitor, “qual a razão de não
haver aceitado o convite?”. Destaque-se que seu interesse foi patenteado de
forma concreta. Wagner tomou a iniciativa de mandar para o Brasil partituras
ricamente encadernadas das suas óperas “Lohengrin”, “Tanhauser” e “O navio
fantasma”. E para que não restassem dúvidas de quem estava enviando esses
presentes (e que presentes!) autografou as três cópias dessas obras. Imaginem o
valor que elas têm hoje, para museus e colecionadores particulares! Não têm
preço!
Ocorre que as duas
partes ficaram esperando manifestações uma da outra. Dom Pedro II esperava uma
confirmação formal de Wagner de que aceitava o convite. O compositor, por seu
turno, aguardava uma confirmação do governo brasileiro de que a proposta estava
de pé. Um esperou pela manifestação (que nunca veio) do outro por meses, até
que ambos desanimaram e entenderam o silêncio da outra parte como sendo uma
recusa.
O imperador não
insistiu no convite, por entender que a insistência seria uma deselegância. Já
Wagner não solicitou a confirmação que tanto esperava pelo mesmíssimo motivo. E
o mútuo excesso de escrúpulos, diria melhor de “cortesia”, fez com que o então
já consagrado compositor jamais tivesse pisado no Rio de Janeiro, o que,
reitero, se acontecesse, certamente revolucionaria nosso meio artístico e
cultural um tanto modorrento naquele período de metade do século XIX. Uma pena!
Os dois lados tinham
motivos sólidos para desconfiar, um do outro, que esse tipo de projeto não
prosperaria. Wagner achava que, dada sua postura política, na luta não somente
por uma Alemanha unificada, mas para que esta fosse uma República, com eleições
livres, mediante voto universal da população, para a Presidência, e com um
Parlamento bicameral, tornavam-no “persona non grata” para as monarquias mundo
afora. E tornaram de fato, pelo menos na Europa. Durante quase onze anos de
exílio, se ele sequer ousasse pisar em qualquer ducado ou principado germânico,
seria imediatamente preso. E, provavelmente, seria executado.
Já Dom Pedro II nem
mesmo pensou no ativismo político de Wagner. Tinha em conta somente o magnífico
artista e não o inflamado revolucionário. Achava, isso sim, que pelo fato do
Brasil ser um país tão pouco conhecido dos europeus, encarado como lugar
exótico e culturalmente atrasado, um gênio, do porte do convidado não
titubearia em recusar o convite. Todavia, como vimos, as duas partes estavam
enganadas. Havia vivo, vivíssimo interesse dos dois lados para que a vinda de
Wagner ao Brasil acontecesse, cada qual pelos seus próprios motivos.
O compositor, após
esperar meses e mais meses pela confirmação do convite, que nunca veio, acabou
por se convencer que tudo não passou de brincadeira de mau gosto. E esqueceu o
caso, entretido em tantas e tantas atividades, quer artísticas, quer
revolucionárias, quer empresariais. Dom Pedro II, por sua vez, não deixou de
admirar o talento artístico de Wagner. Muito pelo contrário. Lamentou que aquele
sonho, que interpretou como um tanto megalomaníaco, não desse certo. Mas
concluiu que valeu a tentativa. Perceberam como a comunicação correta e clara é
importante em todo e qualquer relacionamento?
Apenas muitos anos
depois as coisas puderam ser devidamente esclarecidas e as duas partes
entenderam que estavam erradas no julgamento que faziam uma da outra. Isso se
deu no Primeiro Festival de Bayreuth, quando Dom Pedro II fez questão de
cumprimentar Wagner pessoalmente. Foi só então que o compositor ficou ciente
que o convite brasileiro era para valer. Mas... já era tarde.
Fico imaginando como
seria se esse gênio tivesse vindo para o Rio de Janeiro. Mas é coisa que só se
pode especular, porque nunca aconteceu. Infelizmente, penso eu. Há um registro
concreto da ida do imperador brasileiro a Bayreuth. No livro de registro de
visitas do hotel dessa cidade pode-se ler, em determinada página: Nome, Dom
Pedro II. Ocupação: Imperador. Cá para nós, quão modesto era o nosso culto e
inteligente monarca!!!
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