Friday, August 09, 2013

Nossos limites

Pedro J. Bondaczuk

Hoje pela manhã acordei com uma preocupação que, aliás, me é recorrente. Pensei, tão logo concluí minha meditação matinal, hábito de que não abro mão há já décadas: “Sobre o que escreverei, a título de reflexão, neste espaço nobre da internet”? Antes, havia a dúvida: serei capaz de escrever o que quer que seja? Explico. Há já dez dias, estou às voltas com uma severa conjuntivite, que me compromete a visão.

Nos oito dias anteriores, mesmo enxergando muito pouco, consegui manter o hábito de comentar algum assunto, sempre com enfoque literário, mesmo que remoto, correndo o risco de cometer erros que normalmente não cometo. Mas... ontem não houve jeito. Não pude escrever nada. E não por falta de vontade ou de assunto, mas por não conseguir visualizar as letras no teclado do computador. Teria atingido meu limite físico, pelo menos em termos visuais?

Subitamente, acendeu-se uma luz no fundo do cérebro. Eureka! Está aí o tema ideal a tratar neste dia ensolarado, mas no qual só consigo enxergar vultos, como se estivesse em uma rua de Londres, envolta pelo tradicional “fog”, característico dessa cidade europeia. Qual é o nosso limite? Entendo que se deva fazer uma distinção entre o físico e o intelectual. O primeiro, embora eu não conheça o meu (e não estou disposto a testar para saber qual é), é teoricamente possível de determinar. Já o segundo, ou seja, o mental, o intelectual ou o espiritual, que abrange ambos, presumo que seja ilimitado.

Quando penso que já o atingi, que não posso ir além de onde já cheguei, surpreendo-me com novas conquistas, com novas idéias, com novos mundos que nem suspeitava que existissem, mas que se abrem subitamente à minha curiosidade. Você conhece seus limites, paciente leitor? Mas conhece mesmo, ou somente supõe conhecer? Você nunca se surpreendeu fazendo coisas que nem suspeitava ter capacidade para fazer? Eu já me surpreendi! Aliás, surpreendo-me frequentemente, não digo todos os dias, pois seria exagero, mas com regular freqüência.

Chego, muitas vezes, a duvidar que seja possível conhecer (mas conhecer de fato) até que ponto chega a nossa capacidade. Se não for impossível, raia à impossibilidade. O escritor português, Vergílio Ferreira (autêntica legenda na Literatura da “boa terrinha”, do qual sou incondicional admirador) declarou, em certa ocasião: “”É muito difícil conhecer as nossas limitações”. Como se vê, foi, pelo menos, mais cauteloso do que eu.

E o por quê da dificuldade? O emérito literato lusitano, que foi professor (faleceu em 1° de março de 1996 e empresta o nome a um dos principais prêmios literários de Portugal) explicou, com o didatismo que o caracterizou: “Porque dentro de uma casa não se vê a casa”. Ou seja, não enxergamos nossa consciência. E como é ela que define nossas limitações, está sujeita a erro nessa identificação e, de fato, salvo uma ou outra exceção, de fato erra.

Bem, o tema é bastante vasto e merece análise mais meticulosa, o que deixo para ocasião mais propícia, quando não me vir tão limitado fisicamente (no caso, visualmente), quanto estou. Deixo, porém, a título de reflexão (na verdade, de provocação) esta conclusão de Erasmo de Rotterdam, em seu livro “Elogio da loucura”: “Nenhum animal é mais calamitoso do que o homem, pela simples razão de que todos se contentam com os limites da sua natureza, ao passo que apenas o homem se obstina em ultrapassar os limites da sua”. E não estava certo?


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