Nossos limites
Pedro
J. Bondaczuk
Hoje pela manhã acordei
com uma preocupação que, aliás, me é recorrente. Pensei, tão logo concluí minha
meditação matinal, hábito de que não abro mão há já décadas: “Sobre o que
escreverei, a título de reflexão, neste espaço nobre da internet”? Antes, havia
a dúvida: serei capaz de escrever o que quer que seja? Explico. Há já dez dias,
estou às voltas com uma severa conjuntivite, que me compromete a visão.
Nos oito dias
anteriores, mesmo enxergando muito pouco, consegui manter o hábito de comentar
algum assunto, sempre com enfoque literário, mesmo que remoto, correndo o risco
de cometer erros que normalmente não cometo. Mas... ontem não houve jeito. Não
pude escrever nada. E não por falta de vontade ou de assunto, mas por não
conseguir visualizar as letras no teclado do computador. Teria atingido meu
limite físico, pelo menos em termos visuais?
Subitamente, acendeu-se
uma luz no fundo do cérebro. Eureka! Está aí o tema ideal a tratar neste dia
ensolarado, mas no qual só consigo enxergar vultos, como se estivesse em uma
rua de Londres, envolta pelo tradicional “fog”, característico dessa cidade
europeia. Qual é o nosso limite? Entendo que se deva fazer uma distinção entre
o físico e o intelectual. O primeiro, embora eu não conheça o meu (e não estou
disposto a testar para saber qual é), é teoricamente possível de determinar. Já
o segundo, ou seja, o mental, o intelectual ou o espiritual, que abrange ambos,
presumo que seja ilimitado.
Quando penso que já o
atingi, que não posso ir além de onde já cheguei, surpreendo-me com novas
conquistas, com novas idéias, com novos mundos que nem suspeitava que
existissem, mas que se abrem subitamente à minha curiosidade. Você conhece seus
limites, paciente leitor? Mas conhece mesmo, ou somente supõe conhecer? Você
nunca se surpreendeu fazendo coisas que nem suspeitava ter capacidade para
fazer? Eu já me surpreendi! Aliás, surpreendo-me frequentemente, não digo todos
os dias, pois seria exagero, mas com regular freqüência.
Chego, muitas vezes, a
duvidar que seja possível conhecer (mas conhecer de fato) até que ponto chega a
nossa capacidade. Se não for impossível, raia à impossibilidade. O escritor
português, Vergílio Ferreira (autêntica legenda na Literatura da “boa
terrinha”, do qual sou incondicional admirador) declarou, em certa ocasião: “”É
muito difícil conhecer as nossas limitações”. Como se vê, foi, pelo menos, mais
cauteloso do que eu.
E o por quê da
dificuldade? O emérito literato lusitano, que foi professor (faleceu em 1° de
março de 1996 e empresta o nome a um dos principais prêmios literários de
Portugal) explicou, com o didatismo que o caracterizou: “Porque dentro de uma
casa não se vê a casa”. Ou seja, não enxergamos nossa consciência. E como é ela
que define nossas limitações, está sujeita a erro nessa identificação e, de
fato, salvo uma ou outra exceção, de fato erra.
Bem, o tema é bastante
vasto e merece análise mais meticulosa, o que deixo para ocasião mais propícia,
quando não me vir tão limitado fisicamente (no caso, visualmente), quanto
estou. Deixo, porém, a título de reflexão (na verdade, de provocação) esta
conclusão de Erasmo de Rotterdam, em seu livro “Elogio da loucura”: “Nenhum
animal é mais calamitoso do que o homem, pela simples razão de que todos se
contentam com os limites da sua natureza, ao passo que apenas o homem se
obstina em ultrapassar os limites da sua”. E não estava certo?
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