A humanização do homem
Pedro J. Bondaczuk
O filósofo Jiddu Krishnamurti, um dos pensadores mais
lúcidos dos tantos que conheço (sobretudo, consciente educador), num de seus
tantos livros, destaca que “existe apenas uma revolução fundamental. Não é uma
revolução de idéias nem é baseada num determinado padrão de ação. Ela começa a
manifestar-se quando a necessidade de usar os outros termina. É algo que surge
espontaneamente quando começamos a entender a natureza profunda dos nossos
relacionamentos. Essa revolução pode ser chamada de Amor”.
As rápidas e dramáticas
transformações deste início de segunda década do século XXI, ideológicas,
políticas e sociais, mantêm intocados os verdadeiros problemas que tornam o
mundo um lugar tão perigoso e instável para viver. Urge que antes e acima de
tudo se promova a “humanização do homem”. Tenho abordado o assunto nos mais
variados contextos, sendo, até mesmo repetitivo (prefiro dizer, reiterativo),
claro, sem nenhum resultado. Faço, pelo menos, a minha parte, já que o único
recurso de que disponho é o da palavra escrita, posto que sem nenhuma certeza
que serei lido e por quem. Abomino a omissão.
Dediquei, inclusive, todo um
capítulo do meu livro “Por uma nova utopia” ao tema. Isso, em 1998. Passados
quinze anos, as coisas pouco ou nada mudaram em termos de relacionamentos, de
justiça social, de respeito aos sagrados direitos do próximo, que deveriam ser
irrestritos e invioláveis. Óbvio que não são. Para que fossem seria necessário
que pelo menos estivesse em andamento a “Revolução do Amor”, preconizada por
Ktishnamurti. Claro que não está. O homem ainda está muito longe de passar pelo
processo de “humanização”.,
A ignorância, a prepotência, a
cobiça e a exploração do fraco e desprotegido pelo forte e privilegiado
permanecem mais presentes do que nunca a atestar que, a despeito do progresso tecnológico,
a racionalidade humana não evoluiu um único milímetro nos últimos dois ou três
milênios e,ao contrário, pode até ter sofrido regressão. Relatórios divulgados
aniúde, por diferentes organizações internacionais, mostram que podemos falar
de tudo, menos de evolução do espírito.
Os informes dão conta de
torturas, assassinatos, “desaparecimentos de pessoas”, privações ilegais da
liberdade, truculências e outros crimes hediondos, muitos dos quais praticados
por governos ou por regimes políticos. Ou seja, tais delitos são cometidos em
nome de princípios intrinsecamente nobres – porém cada vez mais utópicos – como
liberdade, democracia e solidariedade.
Esses delitos ocorrem,
indistintamente, na Europa, nos Estados Unidos e em praticamente todas as partes
do mundo. Onde, pois, a apregoada “nova era”, tão decantada após o fim da
“guerra fria”? O que temos é somente “mais do mesmo” de sempre. Há campos de
concentração, ao estilo nazista, que todos julgavam coisas do passado,
espalhados por aí, notadamente na África e na Ásia. Mas... quem se importa?
Ainda há perseguição de pessoas, ostensiva ou velada,, por causa dessa
estupidez que se convencionou chamar de “raça” – como se no essencial todos os
seres humanos não fossem iguais, Mas... quem se importa? E eu poderia passar
horas enumerando os horrores que acontecem aqui, ali e acolá, que são tantos
que sequer nos sensibilizam.
Acostumamo-nos a eles.Não o farei. Ninguém se importa.
Nesse festival de desrespeito aos
direitos fundamentais do homem, os mais afetados são, pela ordem, as mulheres,
os idosos e as crianças. Ou seja, os desequilibrados da atual geração, que não
têm tirocínio para entender que são mortais e vão passar e cair na vala do
esquecimento, buscam comprometer o futuro da espécie e, por extensão, do mundo.
E ninguém faz nada para evitar.
A Organização Internacional do
Trabalho, por exemplo, lançou, em fins dos anos 90 do século passado, um livro
sobre a exploração de menores como mão de obra escrava ou semi-escrava a que
tive acesso. Li-o nauseado. Cerca de 200 milhões de meninos e meninas, em todas
as partes, estavam tendo, na ocasião sua dignidade desrespeitada, seu
desenvolvimento físico e mental mutilado e suas expectativas frustradas. Embora
sem contar com dados atualizados, ouso assegurar que nada mudou para melhor
nesse aspecto. Provavelmente piorou, e muito.
Mas... quem se importa (a não ser
as vítimas, que provavelmente ascendem aos bilhões)? A verdadeira revolução, a
da “humanização” do homem, portanto, ainda está longe de começar. Tememo-la,
com certeza, por receio de perdermos alguns privilégios, se os tivermos. Ou
teme-a quem os têm.. Impõe-se, pois, a questão formulada por Max Frish: “Quando
se tem mais medo da mudança do que da desgraça, o que é que se faz para evitar
a desgraça?” Sim, o que se faz?!
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