Perfil da economia
brasileira em fins do século XIX
Pedro
J. Bondaczuk
A despeito das várias
crises políticas que afetaram o Brasil durante praticamente todo o período
imperial – em especial nos seus derradeiros anos – havia inegável prosperidade
econômica no País, pelo menos de alguns grupos específicos, sustentada pela
agricultura, particularmente, pela produção do café, no último ano do governo
de D. Pedro II, então entregue à regência do Conde D’Eu e da Princesa Isabel. As
crescentes exportações do produto geravam sistemáticos superávits na balança
comercial brasileira, a despeito das imensas importações. Na época,
praticamente todos os produtos consumidos por aqui vinham do Exterior. Essas
importações, porém, eram superadas, e muito, pelas vendas do café no mercado
externo.
Claro que não estou
falando de distribuição de riquezas. A renda nacional estava concentradíssima
em poucas mãos (guardadas as proporções, mais ou menos como ocorre agora), no
caso, dos produtores e, principalmente, dos exportadores de café. Os superávits
da balança comercial possibilitavam que o Brasil gozasse de amplo crédito internacional.
Havia considerável reserva de moeda forte no País, o que permitia a abertura de
uma profusão de bancos, de companhias de seguro e de empresas comerciais de
toda a sorte. A agricultura (no caso, a do café) e o comércio eram, pois, os
dois pilares da economia brasileira.
Esporadicamente
surgiam, aqui e ali, algumas indústrias, em geral criadas por sonhadores que,
no entanto, não dispunham nem de capital (sem o que não conseguiam se expandir
e raramente tinham condições de sequer sobreviver) e muito menos de
conhecimentos técnicos, necessários para tocar, com um mínimo de
competitividade, esse tipo de empreendimento. Tanto seu maquinário quanto seus
processos de produção eram incipientes, primitivos, rústicos, não raro artesanais
(ou quase). A indústria nacional, portanto, não contava, naquele período, como
fator econômico minimamente considerável.
O recurso daqueles
ousados (não seriam temerários?) pioneiros da industrialização, o único, até
para sobreviver, era o de apelar para o governo. E apelaram de fato. Foi então
que nasceu o protecionismo oficial, mediante subsídios aos (raros) bens
produzidos no País. A qualidade (levando em conta o primitivismo das máquinas e
dos métodos de produção) até que era razoável. Claro que era nitidamente
inferior aos similares importados. Mas nem tanto. O que pesava era o custo de
produção, que, em alguns casos, era de até o dobro ou mais do que os trazidos
do Exterior. Para que os preços fossem minimamente competitivos, teriam que ser
subsidiados pelo governo. E foram. Ainda assim...
Os capitais investidos
no comércio e nos bancos era originado, na totalidade, da atividade agrícola, a
maior parte oriunda do café e alguma coisa da produção e exportação do açúcar.
A indústria, subsidiada, só dava prejuízos. Não tinha como se auto-sustentar e
se tornar economicamente viável. O lucro – seguindo a lógica capitalista e
principalmente a do bom senso – era todo reinvestido nas atividades lucrativas.
Essa progressiva aplicação teve maior incremento ainda após a campanha
abolicionista. O fim da escravidão, ao contrário do que se pensa, trouxe mais
vantagens do que desvantagens para a agricultura, que utilizava massivamente
mão de obra escrava.
Explico. À medida que
os agricultores foram obrigados, tão logo foi promulgada a Lei Áurea, em 13 de
maio de 1888, a substituir o trabalho de escravos pelo de trabalhadores
remunerados, seus custos caíram, em vez de crescer. Não precisaram mais
investir na compra de homens trazidos da África, cujos preços não eram nada
baratos, principalmente depois que a Inglaterra mobilizou sua marinha para
perseguir navios negreiros. Ademais, os salários que os fazendeiros pagavam
eram irrisórios, se comparados com os de outros países. Começou, portanto, a
sobrar dinheiro na praça. E, para ampliar ainda mais seus ganhos, os
agricultores investiram esses excedentes em setores que lhes davam seguros e
polpudos retornos: no comércio e em serviços. Quanto à indístria... nem pensar!
A República, que foi
proclamada pouco mais de um ano após a abolição da escravatura, em 15 de
novembro de 1889, nasceu com o Rio de Janeiro, a então capital federal,
atravessando furiosa “febre de negócios” Foi aí que se perdeu pé da realidade.
O “Encilhamento” (sobre o qual tratarei na sequência, após esta breve
contextualização), atribuído a Ruy Barbosa (então ministro da Fazenda), surgiu,
na verdade, pouco antes, com um dos últimos gabinetes da Monarquia, o de Ouro
Preto. Pelo menos no que se refere à sua concepção. É certo que a execução, e o
desastre econômico que causou, se deram na gestão do Águia da Haia no comando
da economia nacional, no primeiro ministério republicano.
Naquele tempo, os
bancos tinham a prerrogativa de emitir moeda, com lastro em reservas de ouro
que tivessem. O valor das cédulas emitidas, portanto, era assegurado. O
Encilhamento, todavia, simplesmente mudou a natureza dessa garantia monetária.
Em vez do ouro, o lastro passou a ser representado pela emissão de títulos da
dívida federal. Foi aí que a coisa pegou. Mas... esta é uma história que fica
para amanhã.
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