Saturday, August 17, 2013

Perfil da economia brasileira em fins do século XIX

Pedro J. Bondaczuk

A despeito das várias crises políticas que afetaram o Brasil durante praticamente todo o período imperial – em especial nos seus derradeiros anos – havia inegável prosperidade econômica no País, pelo menos de alguns grupos específicos, sustentada pela agricultura, particularmente, pela produção do café, no último ano do governo de D. Pedro II, então entregue à regência do Conde D’Eu e da Princesa Isabel. As crescentes exportações do produto geravam sistemáticos superávits na balança comercial brasileira, a despeito das imensas importações. Na época, praticamente todos os produtos consumidos por aqui vinham do Exterior. Essas importações, porém, eram superadas, e muito, pelas vendas do café no mercado externo.

Claro que não estou falando de distribuição de riquezas. A renda nacional estava concentradíssima em poucas mãos (guardadas as proporções, mais ou menos como ocorre agora), no caso, dos produtores e, principalmente, dos exportadores de café. Os superávits da balança comercial possibilitavam que o Brasil gozasse de amplo crédito internacional. Havia considerável reserva de moeda forte no País, o que permitia a abertura de uma profusão de bancos, de companhias de seguro e de empresas comerciais de toda a sorte. A agricultura (no caso, a do café) e o comércio eram, pois, os dois pilares da economia brasileira.

Esporadicamente surgiam, aqui e ali, algumas indústrias, em geral criadas por sonhadores que, no entanto, não dispunham nem de capital (sem o que não conseguiam se expandir e raramente tinham condições de sequer sobreviver) e muito menos de conhecimentos técnicos, necessários para tocar, com um mínimo de competitividade, esse tipo de empreendimento. Tanto seu maquinário quanto seus processos de produção eram incipientes, primitivos, rústicos, não raro artesanais (ou quase). A indústria nacional, portanto, não contava, naquele período, como fator econômico minimamente considerável.

O recurso daqueles ousados (não seriam temerários?) pioneiros da industrialização, o único, até para sobreviver, era o de apelar para o governo. E apelaram de fato. Foi então que nasceu o protecionismo oficial, mediante subsídios aos (raros) bens produzidos no País. A qualidade (levando em conta o primitivismo das máquinas e dos métodos de produção) até que era razoável. Claro que era nitidamente inferior aos similares importados. Mas nem tanto. O que pesava era o custo de produção, que, em alguns casos, era de até o dobro ou mais do que os trazidos do Exterior. Para que os preços fossem minimamente competitivos, teriam que ser subsidiados pelo governo. E foram. Ainda assim...

Os capitais investidos no comércio e nos bancos era originado, na totalidade, da atividade agrícola, a maior parte oriunda do café e alguma coisa da produção e exportação do açúcar. A indústria, subsidiada, só dava prejuízos. Não tinha como se auto-sustentar e se tornar economicamente viável. O lucro – seguindo a lógica capitalista e principalmente a do bom senso – era todo reinvestido nas atividades lucrativas. Essa progressiva aplicação teve maior incremento ainda após a campanha abolicionista. O fim da escravidão, ao contrário do que se pensa, trouxe mais vantagens do que desvantagens para a agricultura, que utilizava massivamente mão de obra escrava.

Explico. À medida que os agricultores foram obrigados, tão logo foi promulgada a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, a substituir o trabalho de escravos pelo de trabalhadores remunerados, seus custos caíram, em vez de crescer. Não precisaram mais investir na compra de homens trazidos da África, cujos preços não eram nada baratos, principalmente depois que a Inglaterra mobilizou sua marinha para perseguir navios negreiros. Ademais, os salários que os fazendeiros pagavam eram irrisórios, se comparados com os de outros países. Começou, portanto, a sobrar dinheiro na praça. E, para ampliar ainda mais seus ganhos, os agricultores investiram esses excedentes em setores que lhes davam seguros e polpudos retornos: no comércio e em serviços. Quanto à indístria... nem pensar!

A República, que foi proclamada pouco mais de um ano após a abolição da escravatura, em 15 de novembro de 1889, nasceu com o Rio de Janeiro, a então capital federal, atravessando furiosa “febre de negócios” Foi aí que se perdeu pé da realidade. O “Encilhamento” (sobre o qual tratarei na sequência, após esta breve contextualização), atribuído a Ruy Barbosa (então ministro da Fazenda), surgiu, na verdade, pouco antes, com um dos últimos gabinetes da Monarquia, o de Ouro Preto. Pelo menos no que se refere à sua concepção. É certo que a execução, e o desastre econômico que causou, se deram na gestão do Águia da Haia no comando da economia nacional, no primeiro ministério republicano.


Naquele tempo, os bancos tinham a prerrogativa de emitir moeda, com lastro em reservas de ouro que tivessem. O valor das cédulas emitidas, portanto, era assegurado. O Encilhamento, todavia, simplesmente mudou a natureza dessa garantia monetária. Em vez do ouro, o lastro passou a ser representado pela emissão de títulos da dívida federal. Foi aí que a coisa pegou. Mas... esta é uma história que fica para amanhã.

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