Monday, August 26, 2013

Genialidade e humanidade

Pedro J. Bondaczuk

A avaliação da obra de determinadas personalidades – e não importa a atividade que exerceram, se artística, política, econômica etc. – é, salvo raras exceções (se é que elas existem) subjetiva. Depende do gosto, da personalidade, da cultura, da quantidade de informações que quem avalia dispõe a propósito e de outros tantos fatores que diferenciam tais avaliadores um do outro.

Alguns analistas, por exemplo, concentram suas análises, se não exclusivamente, pelo menos preferencialmente na própria produção. Esmiuçam-na, decompõem-na, comparam-na com similares antes de darem o veredito, abstraindo-se quanto à maneira e as circunstâncias em que foram produzidas. Outros tantos, porém, contextualizam as obra. Para tanto, recorrem à vida dos analisados, para explicar, ou tentar fazê-lo, o que os levou a agir de determinada forma e não de outra, talvez mais simples e eficaz. Os dois tipos de avaliação, todavia, são sibjetivos, como aliás são todas as opiniões (abalizadas ou não).

Da minha parte, ao analisar determinada produção artística (meu foco preferencial de análise), procuro reunir o máximo de informações que puder. E não somente da obra em si – seus aspectos técnicos, formais e conceituais – mas também do autor. Quero conhecer quem foi, onde viveu, como viveu sua infância, quais as experiências que teve, quando e como errou, que lições extraiu (se extraiu alguma) dos erros que cometeu, no que acertou, e vai por aí adiante.

Há personalidades cuja vida supera, em muito, em termos de interesse, à obra que legaram à posteridade. Em determinados casos, todavia, bastante raros, ambas se igualam em interesse. Esse é o caso específico do alemão Richard Wagner. De sua produção, é até redundante falar, já que nem seus mais gabaritados adversários, seus mais ferizes críticos, seus mais acérrimos e inconciliáveis inimigos conseguiram jamais apontar falhas. Não, pelo menos, com as devidas comprovações concretas. Aliás, sequer tentaram fazê-lo, concentrando invariavelmente seus ataques em suas ideias, conduta e comportamento.

As composições de Wagner, concordem ou não seus muitos detratores (e esses os há em profusão, mas por outros motivos que não os de qualidade) são notáveis, inspiradas, inovadoras e sólidas. Estão aí para quem quiser ouvir e julgar. Destacam-se, entre tantas virtudes, notadamente por três grandes características: complexidade das texturas, riqueza de harmonias e orquestração. Outra característica destacável de suas composições é o elaborado e inteligente uso do “leitmotiv”. Ou seja, de temas musicais individualizados e de sugestões de lugares, ideias e outros tantos elementos.   

Os acordes de Wagner (pelo menos um, específico) são dos mais conhecidos do mundo, embora a maioria nunca tenha se dado conta de ser ele o autor. Como? Simples. Por menor que seja o conhecimento do leitor sobre a chamada “música erudita”, são raros, raríssimos, os que nunca ouviram a tal “marcha nupcial”. Pois é, ela é parte (foi composta com este fim) de uma das mais elaboradas óperas de Wagner. Só não a conhece quem nunca assistiu, mesmo que em filmes ou novelas, a algum casamento. Ela está incorporada à minha memória (e na de bilhões de pessoas, mundo afora) por marcar um dos momentos inesquecíveis da minha vida.

Os conhecedores e amantes da música clássica sabem, e reconhecem mesmo que a contragosto, o pioneirismo desse compositor na linguagem musical.  Wagner foi, por exemplo, pioneiro no que diz respeito à utilização do cromatismo, levado a extremos e a rápidas mudanças dos centros tonais. Essas inovações tiveram influência decisiva no desenvolvimento posterior da música erudita, sobretudo na Europa.

Sua influência, todavia, extrapolou, e muito, o campo musical, o que, por si só, já não seria de se desprezar. Ela pode ser sentida, porquanto é identificável, em áreas tão diversas como a filosofia, a literatura, as artes visuais e o teatro. Apesar de suas crônicas dificuldades financeiras, de levar vida cigana por ter sido exilado dos territórios germânicos por causa da sua ação política por onze longos anos, teve oportunidade de comprovar sua visão empresarial. Afinal, teve sua própria casa de ópera: o “Bayreuth Festspielhaus”.

O que mais me fascina em Wagner, a despeito de amar sua música, não são propriamente suas virtudes artísticas. É a sua humanidade, no que esta tem de mais frágil. São exatamente seus defeitos. São suas fraquezas, vacilações, incertezas e contradições. Elas mostram que para ser gênio não é preciso se desumanizar e nem ser um poço de virtudes. Que os imperfeitos podem, perfeitamente, conviver com as imperfeições e que, se tiverem talento, vontade e, sobretudo, paixão, podem produzir (e produzem) obras geniais e perpétuas.

Faço minhas estas palavras do texto que li a seu propósito na enciclopédia eletrônica Wikipédia, que resumem a caráter o que pretendo comentar com maior ênfase e mais vagar oportunamente: “Sua extensa obra sobre música, drama e política tem atraído extensos comentários, em recentes décadas, especialmente onde existe o conteúdo anti-semita.  Wagner conquistou tudo isso, apesar de viver até suas últimas décadas em exílio político, amores turbulentos, pobreza e fuga de seus credores.E o impacto de suas ideias pode ser sentido em muitas artes ao longo de todo o século XX”. Eu aduziria que também do século XXI e dos vindouros, através de gerações.

Sua vida turbulenta, e nem sempre exemplar, traz-me à lembrança uma observação que li, há algum tempo, feita há cerca de trezentos anos pelo filósofo Voltaire, que cabe a caráter nestas despretensiosas reflexões: “Todos nós somos a mistura de fraquezas e de erros. Perdoemos, reciprocamente, nossas tolices. Eis a primeira lei da natureza”.


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