Genialidade
e humanidade
Pedro J. Bondaczuk
A avaliação
da obra de determinadas personalidades – e não importa a atividade que
exerceram, se artística, política, econômica etc. – é, salvo raras exceções (se
é que elas existem) subjetiva. Depende do gosto, da personalidade, da cultura,
da quantidade de informações que quem avalia dispõe a propósito e de outros
tantos fatores que diferenciam tais avaliadores um do outro.
Alguns
analistas, por exemplo, concentram suas análises, se não exclusivamente, pelo
menos preferencialmente na própria produção. Esmiuçam-na, decompõem-na,
comparam-na com similares antes de darem o veredito, abstraindo-se quanto à
maneira e as circunstâncias em que foram produzidas. Outros tantos, porém,
contextualizam as obra. Para tanto, recorrem à vida dos analisados, para
explicar, ou tentar fazê-lo, o que os levou a agir de determinada forma e não
de outra, talvez mais simples e eficaz. Os dois tipos de avaliação, todavia,
são sibjetivos, como aliás são todas as opiniões (abalizadas ou não).
Da minha
parte, ao analisar determinada produção artística (meu foco preferencial de
análise), procuro reunir o máximo de informações que puder. E não somente da
obra em si – seus aspectos técnicos, formais e conceituais – mas também do
autor. Quero conhecer quem foi, onde viveu, como viveu sua infância, quais as
experiências que teve, quando e como errou, que lições extraiu (se extraiu
alguma) dos erros que cometeu, no que acertou, e vai por aí adiante.
Há
personalidades cuja vida supera, em muito, em termos de interesse, à obra que
legaram à posteridade. Em determinados casos, todavia, bastante raros, ambas se
igualam em interesse. Esse é o caso específico do alemão Richard Wagner. De sua
produção, é até redundante falar, já que nem seus mais gabaritados adversários,
seus mais ferizes críticos, seus mais acérrimos e inconciliáveis inimigos
conseguiram jamais apontar falhas. Não, pelo menos, com as devidas comprovações
concretas. Aliás, sequer tentaram fazê-lo, concentrando invariavelmente seus ataques
em suas ideias, conduta e comportamento.
As
composições de Wagner, concordem ou não seus muitos detratores (e esses os há
em profusão, mas por outros motivos que não os de qualidade) são notáveis,
inspiradas, inovadoras e sólidas. Estão aí para quem quiser ouvir e julgar.
Destacam-se, entre tantas virtudes, notadamente por três grandes
características: complexidade das texturas, riqueza de harmonias e
orquestração. Outra característica destacável de suas composições é o elaborado
e inteligente uso do “leitmotiv”. Ou seja, de temas musicais individualizados e
de sugestões de lugares, ideias e outros tantos elementos.
Os acordes
de Wagner (pelo menos um, específico) são dos mais conhecidos do mundo, embora
a maioria nunca tenha se dado conta de ser ele o autor. Como? Simples. Por
menor que seja o conhecimento do leitor sobre a chamada “música erudita”, são
raros, raríssimos, os que nunca ouviram a tal “marcha nupcial”. Pois é, ela é
parte (foi composta com este fim) de uma das mais elaboradas óperas de Wagner.
Só não a conhece quem nunca assistiu, mesmo que em filmes ou novelas, a algum
casamento. Ela está incorporada à minha memória (e na de bilhões de pessoas,
mundo afora) por marcar um dos momentos inesquecíveis da minha vida.
Os
conhecedores e amantes da música clássica sabem, e reconhecem mesmo que a
contragosto, o pioneirismo desse compositor na linguagem musical. Wagner foi, por exemplo, pioneiro no que diz
respeito à utilização do cromatismo, levado a extremos e a rápidas mudanças dos
centros tonais. Essas inovações tiveram influência decisiva no desenvolvimento
posterior da música erudita, sobretudo na Europa.
Sua
influência, todavia, extrapolou, e muito, o campo musical, o que, por si só, já
não seria de se desprezar. Ela pode ser sentida, porquanto é identificável, em
áreas tão diversas como a filosofia, a literatura, as artes visuais e o teatro.
Apesar de suas crônicas dificuldades financeiras, de levar vida cigana por ter
sido exilado dos territórios germânicos por causa da sua ação política por onze
longos anos, teve oportunidade de comprovar sua visão empresarial. Afinal, teve
sua própria casa de ópera: o “Bayreuth Festspielhaus”.
O que mais
me fascina em Wagner, a despeito de amar sua música, não são propriamente suas
virtudes artísticas. É a sua humanidade, no que esta tem de mais frágil. São
exatamente seus defeitos. São suas fraquezas, vacilações, incertezas e
contradições. Elas mostram que para ser gênio não é preciso se desumanizar e
nem ser um poço de virtudes. Que os imperfeitos podem, perfeitamente, conviver
com as imperfeições e que, se tiverem talento, vontade e, sobretudo, paixão,
podem produzir (e produzem) obras geniais e perpétuas.
Faço minhas estas palavras do
texto que li a seu propósito na enciclopédia eletrônica Wikipédia, que resumem
a caráter o que pretendo comentar com maior ênfase e mais vagar oportunamente:
“Sua extensa obra sobre música, drama e política tem atraído extensos
comentários, em recentes décadas, especialmente onde existe o conteúdo
anti-semita. Wagner conquistou tudo
isso, apesar de viver até suas últimas décadas em exílio político, amores
turbulentos, pobreza e fuga de seus credores.E o impacto de suas ideias pode
ser sentido em muitas artes ao longo de todo o século XX”. Eu aduziria que
também do século XXI e dos vindouros, através de gerações.
Sua vida turbulenta, e nem
sempre exemplar, traz-me à lembrança uma observação que li, há algum tempo,
feita há cerca de trezentos anos pelo filósofo Voltaire, que cabe a caráter
nestas despretensiosas reflexões: “Todos nós somos a mistura de fraquezas e
de erros. Perdoemos, reciprocamente, nossas tolices. Eis a primeira lei da
natureza”.
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