Insensata violência
Pedro J. Bondaczuk
O bombardeio
norte-americano à Líbia, ocorrido ontem, despertou as mais variadas reações
pelo mundo afora, por se tratar de ato unilateral e constituir, portanto,
perigoso precedente nas relações internacionais. A violência, assim, volta a
ser utilizada como recurso para solucionar pendências, em completa
desmoralização de entidades como a Organização das Nações Unidas, que perdem,
por conseqüência, a razão de existir. Foi, sobretudo, o maior atestado de
incompetência que se possa passar aos diplomatas e à diplomacia.
Há duas hipóteses a
considerar nessa questão. A primeira refere-se a se os Estados Unidos têm, como
alega o presidente Ronald Reagan, alguma prova concreta do patrocínio (ou pelo
menos do apoio) líbio ao terrorismo. Se a resposta for positiva, a ação militar
norte-americana, mesmo que contraproducente, não deixa, ao meu ver, de ser, em
tese, legítima.
Afinal, os bens e pessoas
mais atingidos, até aqui, por ataques terroristas, são dos Estados Unidos. Neste
caso, todavia, Washington tem a obrigação moral e legal de exibir essas provas,
que garante ter, ao mundo. Se a Casa Branca não puder comprovar suas acusações,
então deve uma explicação franca, honesta e convincente a amigos e aliados (e
até aos adversários), muitos dos quais se sentiram traídos por esse ato
unilateral de guerra, cometido sem que fossem consultados ou notificados.
A segunda hipótese diz
respeito à eficácia do bombardeio e às conseqüências que eles tendem a trazer a
um mundo já tão dividido e injusto. Todos sabem, ou pelo menos intuem, que a
ganância de uma privilegiada minoria desperta perigosas frustrações na maioria,
que vegeta na miséria e nem perspectiva alguma de uma vida digna e produtiva.
Afinal, o uso da força seria
o expediente mais eficaz para conduzir rebeldes à razão? Não é necessário ser
gênio para se conhecer a resposta: não, não e mil vezes não! A história está
fartíssima de exemplos sobre a ineficácia da violência para solucionar o que
quer que seja. E nem é preciso recuar tanto no tempo. Basta verificar o que
ocorreu na Coréia, no Vietnã, no Afeganistão e em tantas outras partes do mundo
onde as superpotências tentaram impor à força seus pontos de vista ou revidar
agressões sofridas.
As ações militares, dos
Estados Unidos e da União Soviética, nesses lugares, resultaram,
invariavelmente, em fracasso, sem nenhuma exceção. A Coréia, por exemplo,
continua tão dividida quanto antes da guerra dos anos 50, em que milhares de
jovens norte-americanos perderam a vida por absolutamente nada. Quanto ao
Vietnã, nem é preciso lembrar. Foi um atoleiro sem fim para os Estados Unidos,
batidos, inapelavelmente, por forças incomparavelmente menores do que as da
superpotência. O trauma dessa derrota ainda está muito vivo no coração e nas
mentes dos norte-americanos, além da dor da perda de mais de 65 mil vidas.
Já o Afeganistão é um
pesadelo interminável para os soviéticos. É o seu próprio Vietnã. A resistência
afegã quebra, dessa forma, a empáfia de invencibilidade do Exército Vermelho,
que se cobriu de glórias durante a Segunda Guerra Mundial e que agora se cobre
de vergonha, humilhado num país miserável, um dos mais pobres (se não o mais
pobre) do Planeta.
É verdade que o líder
líbio, Muammar Khaddafy, há muito vinha procurando esse tipo de reação que os
Estados Unidos tiveram. Não prima, evidentemente, pela responsabilidade. Talvez
esteja se fiando numa inexistente e possivelmente impossível unidade do mundo
árabe para aderir às suas loucas aventuras. Quem sabe sonha com uma improvável
“jihad” contemporânea, em âmbito global.
Os tempos, hoje, porém, são
outros, muito diferentes daqueles em que os mouros ocuparam, em nome de Alá,
partes da Europa, notadamente os territórios de Portugal e da Espanha. Não são
propícios a atos temerários e nem a arroubos de suposto heroísmo. A guerra, na
atualidade, tornou-se despersonalizada e fria, como, ademais, a maioria das
coisas.
Basta, somente, que se
aperte um simples botão para que centenas de milhares, milhões, bilhões de
pessoas, que antes eram mortas em semanas e anos de batalhas, sejam eliminadas
quase que num piscar de olhos, sem a menor chance de defesa ou reação. Nesta
era da alta tecnologia o pequeno não tem mais vez. Consegue, quando muito,
incomodar os poderosos, mas jamais colocar sua supremacia em xeque, em questão
ou em risco.
Contudo, o perigo reside
exatamente aí. O fraco adquire, a cada dia que passa, plena consciência da sua
fraqueza e adota, como tática de combate, não mais a força, que não possui, mas
a astúcia, a esperteza e o anonimato do terror, para a sua revanche contra os
poderosos. Ataques, como os feitos, anteontem e ontem, pela Marinha dos Estados
Unidos a Trípoli, em vez de atemorizar os terroristas, só aumentam a sua sede
de vingança.
Digamos, por hipótese, que
a Líbia seja, de fato, “varrida do mapa”, como muitos imbecis defenderam e
ainda defendem. Não tenham dúvidas que essa ação, em vez de atemorizar os
adversários dos Estados Unidos (e estes são incontáveis), só iria aumentar de
maneira absurda a sua irracionalidade.
Não ficarei nada surpreso
se a data de anteontem, 14 de abril, dentro de pouco tempo servir para batizar
algum novo grupo terrorista. E estes surgem todos os dias, mundo afora, como
ervas daninhas que brotam da terra. Recorde-se que foi uma ação terrorista que
serviu de estopim para detonar a Primeira Guerra Mundial, com suas desgraças e
horrores. Oxalá a Terceira, e possivelmente a última, não aconteça pelo mesmo
motivo. Possibilidades para isso, convenhamos, é que não faltam e jamais
faltarão.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 16 de abril de
1986).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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