Sunday, August 18, 2013

Insensata violência

Pedro J. Bondaczuk

O bombardeio norte-americano à Líbia, ocorrido ontem, despertou as mais variadas reações pelo mundo afora, por se tratar de ato unilateral e constituir, portanto, perigoso precedente nas relações internacionais. A violência, assim, volta a ser utilizada como recurso para solucionar pendências, em completa desmoralização de entidades como a Organização das Nações Unidas, que perdem, por conseqüência, a razão de existir. Foi, sobretudo, o maior atestado de incompetência que se possa passar aos diplomatas e à diplomacia.

Há duas hipóteses a considerar nessa questão. A primeira refere-se a se os Estados Unidos têm, como alega o presidente Ronald Reagan, alguma prova concreta do patrocínio (ou pelo menos do apoio) líbio ao terrorismo. Se a resposta for positiva, a ação militar norte-americana, mesmo que contraproducente, não deixa, ao meu ver, de ser, em tese, legítima.

Afinal, os bens e pessoas mais atingidos, até aqui, por ataques terroristas, são dos Estados Unidos. Neste caso, todavia, Washington tem a obrigação moral e legal de exibir essas provas, que garante ter, ao mundo. Se a Casa Branca não puder comprovar suas acusações, então deve uma explicação franca, honesta e convincente a amigos e aliados (e até aos adversários), muitos dos quais se sentiram traídos por esse ato unilateral de guerra, cometido sem que fossem consultados ou notificados.

A segunda hipótese diz respeito à eficácia do bombardeio e às conseqüências que eles tendem a trazer a um mundo já tão dividido e injusto. Todos sabem, ou pelo menos intuem, que a ganância de uma privilegiada minoria desperta perigosas frustrações na maioria, que vegeta na miséria e nem perspectiva alguma de uma vida digna e produtiva.

Afinal, o uso da força seria o expediente mais eficaz para conduzir rebeldes à razão? Não é necessário ser gênio para se conhecer a resposta: não, não e mil vezes não! A história está fartíssima de exemplos sobre a ineficácia da violência para solucionar o que quer que seja. E nem é preciso recuar tanto no tempo. Basta verificar o que ocorreu na Coréia, no Vietnã, no Afeganistão e em tantas outras partes do mundo onde as superpotências tentaram impor à força seus pontos de vista ou revidar agressões sofridas.

As ações militares, dos Estados Unidos e da União Soviética, nesses lugares, resultaram, invariavelmente, em fracasso, sem nenhuma exceção. A Coréia, por exemplo, continua tão dividida quanto antes da guerra dos anos 50, em que milhares de jovens norte-americanos perderam a vida por absolutamente nada. Quanto ao Vietnã, nem é preciso lembrar. Foi um atoleiro sem fim para os Estados Unidos, batidos, inapelavelmente, por forças incomparavelmente menores do que as da superpotência. O trauma dessa derrota ainda está muito vivo no coração e nas mentes dos norte-americanos, além da dor da perda de mais de 65 mil vidas.

Já o Afeganistão é um pesadelo interminável para os soviéticos. É o seu próprio Vietnã. A resistência afegã quebra, dessa forma, a empáfia de invencibilidade do Exército Vermelho, que se cobriu de glórias durante a Segunda Guerra Mundial e que agora se cobre de vergonha, humilhado num país miserável, um dos mais pobres (se não o mais pobre) do Planeta.

É verdade que o líder líbio, Muammar Khaddafy, há muito vinha procurando esse tipo de reação que os Estados Unidos tiveram. Não prima, evidentemente, pela responsabilidade. Talvez esteja se fiando numa inexistente e possivelmente impossível unidade do mundo árabe para aderir às suas loucas aventuras. Quem sabe sonha com uma improvável “jihad” contemporânea, em âmbito global.

Os tempos, hoje, porém, são outros, muito diferentes daqueles em que os mouros ocuparam, em nome de Alá, partes da Europa, notadamente os territórios de Portugal e da Espanha. Não são propícios a atos temerários e nem a arroubos de suposto heroísmo. A guerra, na atualidade, tornou-se despersonalizada e fria, como, ademais, a maioria das coisas.

Basta, somente, que se aperte um simples botão para que centenas de milhares, milhões, bilhões de pessoas, que antes eram mortas em semanas e anos de batalhas, sejam eliminadas quase que num piscar de olhos, sem a menor chance de defesa ou reação. Nesta era da alta tecnologia o pequeno não tem mais vez. Consegue, quando muito, incomodar os poderosos, mas jamais colocar sua supremacia em xeque, em questão ou em risco.

Contudo, o perigo reside exatamente aí. O fraco adquire, a cada dia que passa, plena consciência da sua fraqueza e adota, como tática de combate, não mais a força, que não possui, mas a astúcia, a esperteza e o anonimato do terror, para a sua revanche contra os poderosos. Ataques, como os feitos, anteontem e ontem, pela Marinha dos Estados Unidos a Trípoli, em vez de atemorizar os terroristas, só aumentam a sua sede de vingança.

Digamos, por hipótese, que a Líbia seja, de fato, “varrida do mapa”, como muitos imbecis defenderam e ainda defendem. Não tenham dúvidas que essa ação, em vez de atemorizar os adversários dos Estados Unidos (e estes são incontáveis), só iria aumentar de maneira absurda a sua irracionalidade.

Não ficarei nada surpreso se a data de anteontem, 14 de abril, dentro de pouco tempo servir para batizar algum novo grupo terrorista. E estes surgem todos os dias, mundo afora, como ervas daninhas que brotam da terra. Recorde-se que foi uma ação terrorista que serviu de estopim para detonar a Primeira Guerra Mundial, com suas desgraças e horrores. Oxalá a Terceira, e possivelmente a última, não aconteça pelo mesmo motivo. Possibilidades para isso, convenhamos, é que não faltam e jamais faltarão.    

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 16 de abril de 1986).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk         

No comments: