País dá exemplo de prática
democrática
Pedro J. Bondaczuk
A
maior democracia do mundo --- que tem de eleitores um número equivalente ao
dobro da população brasileira --- a Índia, vai às urnas, dentro de 90 dias,
para resolver, pela única via admissível nesse país uma crise política: a do
voto.
As
eleições antecipadas em três anos, destinam-se a pôr fim a um período de
instabilidade de governos frágeis, de minoria, estabelecidos como conseqüência
da derrota do Partido do Congresso, a maior das agremiações indianas, no pleito
de novembro de 1989, que levou Rajiv Gandhi para a oposição.
Nos
últimos 16 meses a Índia teve dois gabinetes, absolutamente instáveis e com
baixíssimo respaldo parlamentar: o de Ramasinghe Pratap Singh e o de Chandra
Shekhar, que renunciou há uma semana. O primeiro conduziu, de maneira sumamente
desastrada, um dos tantos conflitos religiosos que assolam o país, que foi a
tentativa de radicais hinduístas de destruírem uma mesquita muçulmana, sob o
pretexto de que no lugar em que ela está construída existiu, há três séculos,
um templo de sua religião.
Eles
argumentavam que naquele lugar exato, o deus Rama havia nascido e que,
portanto, a construção de qualquer santuário de outra denominação religiosa ali
era um sacrilégio. A imprensa noticiou, na oportunidade, no final do ano
passado, o banho de sangue causado pela controvérsia, em cuja atuação Pratap
Singh se conduziu com uma imperícia contundente. Shekhar, por outro lado, se
pouco errou foi porque pouco fez.
A
antecipação das eleições vai beneficiar, sem dúvida alguma, a Rajiv Gandhi,
agora mais experiente nas questões de Estado e tendo por trás de si o carisma
do nome de sua mãe, Indira Gandhi, e de seu ilustre avô, um dos pais da
independência indiana, Jawaharlal Nehru.
Parece
que somente essa família entende bem o seu complexo povo, de 850 milhões de
habitantes, a segunda maior população do Planeta e certamente a comunidade
humana mais variada que existe vivendo num único território, composta por mais
de mil etnias, com línguas, costumes e tradições diferentes.
Trata-se
de um verdadeiro milagre o fato de um país de tamanha complexidade, com a soma
de problemas políticos, econômicos, étnicos, sociais e religiosos que tem,
conservar-se íntegro já por 44 anos, sem que nesse período todo jamais tivesse
ocorrido um único golpe de Estado, um só arranhão em suas instituições.
A
Índia é a maior prova de que a democracia sempre é possível. E não foi por
falta de violência, que aliás é uma das características indianas. Seu grande
líder, que tornou concreto o sonho de independência, Mohandas Karamanchand
Gandhi, o "Mahatma" --- termo que significa "grande alma"
--- morreu assassinado nas mãos do jornalista Nathuran Godse, em janeiro de
1948, na culminância trágica de um complô de traficantes de armas.
Indira
Gandhi caiu abatida, em 31 de outubro de 1984, por obra de seus guarda-costas
"sikhs", que vingaram, dessa maneira, o massacre perpetrado contra
sua seita no Templo Dourado de Amritsar, o maior santuário da religião. Mas
nenhum desses atos de insânia foi suficiente para ameaçar a democracia. Está aí
um exemplo para ser imitado.
(Artigo
publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 14 de março de
1991).
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