Progresso versus
destruição
Pedro
J. Bondaczuk
A força – aquela
irracional, selvagem, bruta, destrutiva – retardou (e ainda retarda), quando
não inibiu o progresso dos povos. Sua manifestação mais comum, e mais
deletéria, são as guerras que se sucedem, entra século sai século. Quem as
move, sempre encontra pretextos na tentativa de justificá-las. Todavia,
qualquer pessoa, que conte com algo mais do que dois neurônios, sabe que elas
nunca se justificam. Afinal, quando um não quer, dois não brigam.
Antes que algum leitor
mais afoito tente me alertar, admito que já tratei (e ad náusea) do tema.
Prometo, todavia, não me repetir. Esse é um assunto que não tem fim. Bom seria
se a violência tivesse. Não creio que terá. Um dos poemas (dos tantos que
compus) que mais gosto (e confesso que não tenho nenhum apreço por minha
produção poética, e não por modéstia, mas por entender que poderia ser melhor
do que é) aborda este assunto. Não vou reproduzi-lo. Menciono-o, apenas, para
enfatizar que já tratei do tema em prosa e verso, por se tratar de algo que me
intriga e revolta, desde que me conheço por gente.
Nunca me entrou na
cabeça que um ser humano aniquile algum semelhante, não importa quem seja e nem
qual a justificativa que apresente. É um ato injustificável e raro entre
animais ditos irracionais, que raramente matam espécimes de sua espécie. Mas o
homem... mata. Mais estranho, ainda, é quando os mortos são aqueles indivíduos
que “pensam”, que criam, que produzem obras materiais e intelectuais que
beneficiem multidões, e não apenas contemporâneas, mas de gerações e gerações
que os sucedem.
Para não ficar, apenas,
em divagações em abstrato, cito o exemplo de um cientista, cuja criatividade
estava muito acima do seu tempo, que acabou assassinado, fria e estupidamente,
por um soldado, em uma das tantas guerras de que os registros históricos são
fartos (cabem aqui, a caráter, um superlativo: fartíssimos). Refiro-me a
Arquimedes.
Para que o leitor tenha
uma idéia da genialidade deste homem, basta destacar que era matemático,
físico, engenheiro, astrônomo e inventor, entre outros tantos talentos. A
ciência moderna, tal como a conhecemos, deve-lhe muito. Certamente não seria o
que é se seus estudos e invenções tivessem se perdido com sua norte.
Miraculosamente não se perderam (pelo menos, não todos eles).
Arquimedes influenciou,
entre milhares de tantos outros cientistas, por exemplo, Isaac Newton, que
nunca escondeu que bebeu fartamente dessa inesgotável fonte. E olhem que ele
viveu em tempos remotíssimos, entre os anos de 287 e 212 antes de Cristo,
quando a ciência não passava de um conjunto de especulações absurdas e pueris.
Não contava com laboratórios modernos e muitíssimo menos com computadores, como
os pesquisadores atuais têm à disposição. Sua força motriz era única e exclusivamente
seu cérebro genial.
Arquimedes vivia na
cidade portuária de Siracusa, onde nasceu. Tratava-se de uma colônia autônoma
da chamada Magna Grécia e situava-se na Sicília. Era uma comunidade próspera e
devia grande parte da sua prosperidade aos inventos desse seu genial filho. Na
ocasião, o que viria a se constituir em uma das maiores (na verdade, a maior)
superpotências da Antiguidade, mal estava engatinhando, embora fosse
poderosíssima. Refiro-me ao Império Romano, que determinou implacável cerco a
Siracusa no contexto do que ficou registrado na história como um dos episódios
da Segunda Guerra Púnica.
As tropas invasoras,
comandadas pelo general romano Marcos Cláudio Marcelo promoveram implacável e
prolongado cerco a esse porto do Mediterrâneo, que resistiu por dois longos
anos. Finalmente, em 212 antes de Cristo, foi conquistada. A alta cúpula de
Roma já ouvira falar de Arquimedes e a instrução dada às tropas foi a de que o
cientista deveria ser capturado vivo, pois poderia ser muito útil aos romanos.
Mas... a força bruta tem essa designação por ser, via de regra, principalmente
burra.
Quem relatou as
circunstâncias da morte de Arquimedes foi o historiador Plutarco. Narra que o
sábio estava entretido em uma de suas tantas pesquisas quando um soldado entrou
de repente no recinto. De espada na mão, o militar interpelou-o,
perguntando-lhe se era o cientista que procurava. Ouviu, como resposta: “Não me
amole”. Tornou a repetir a pergunta e ouviu a mesma entre distraída e irritada
resposta, acompanhada da advertência: “Não perturbe os meus círculos” (que era
o que estava pesquisando no momento, no afã de resolver determinado problema
matemático). Foram, infelizmente, as últimas palavras que proferiu. O soldado,
irritado, mergulhou a espada no abdômen do cientista, matando-o quase
instantaneamente.
É verdade que o
estúpido militar foi punido pelo general Marcos Marcelo, que ficou
irritadíssimo com o não cumprimento da ordem que havia dado. Todavia, a força
bruta, mais uma vez, venceu a razão. É verdade que neste caso a vitória foi
apenas parcial. Explico. Caso Arquimedes sobrevivesse mais alguns anos, além
dos 75 que tinha ao ser assassinado, possivelmente legaria muitas e muitas
outras descobertas à posteridade. Todavia, sua obra sobrevive há já 2.225 anos.
Seu assassino, no entanto... Ninguém conhece, sequer, seu nome. É como se nunca
tivesse existido (antes não tivesse mesmo), embora tenha privado a humanidade
de um dos seus maiores gênios de todos os tempos. Foi um caso em que todos
perderam.
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