Bendita intuição!
Pedro
J. Bondaczuk
A infância do
compositor Richard Wagner transcorreu em um ambiente culturalmente rico, em
meio a livros – seu padrasto Ludwig Geyer dispunha de excelente biblioteca – em
contato com artistas de várias artes, o que, certamente, determinou seu futuro.
Como a grande maioria dos gênios da música erudita, seu talento manifestou-se
precocemente, mas, ao contrário dos outros, não recebeu uma educação musical
específica, disciplinada, ordenada e planejada. Não, pelo menos, na mesma idade
dos outros minigênios. Teve, sim,
grandes mestres, mas faltava continuidade nessas lições. Ainda assim...
Wagner nasceu em uma
cidade (Leipzig) que foi berço de grandes artistas. Podem ser citados, neste
caso, sem grandes esforços de memória, Johann Wolfgang Göethe (tido e havido,
até hoje, e com justiça, como o maior poeta de todos os tempos em língua
alemã), e os compositores Felix Mendelssohn, Robert Schumann, Wolfgang Amadeus
Mozart e, principalmente, Johann Sebastian Bach, entre outros. Seus pais
viviam, na ocasião do seu nascimento, no bairro judeu da cidade. Davam-se bem
com a vizinhança, com a qual não tinham nenhum problema. Recorde-se que, na
época, o arraigado anti-semitismo estava praticamente no auge em boa parte da
Europa e, principalmente, nos estados germânicos.
Wagner deve muito do
que foi ao padrasto, que o educou como filho legítimo e com o qual manteve
profundos laços de afeto até a morte deste. Houve ocasiões, até, que chegou a
duvidar que Geyer não fosse seu pai biológico. Não era. Casou-se com a mãe do
compositor, Johanna Rosine (filha de um padeiro), quando esta ficou viúva de
Carl Friedrich Wagner (funcionário da polícia de Leipzig), com nove filhos para
criar. Geyer era ator e dramaturgo, bastante ligado às artes e aos mais
reputados artistas de diversas artes. Entre seus talentos estava, também, o de
pintor
Wagner sempre
desconfiou que seus pais biológicos nunca foram casados, porquanto jamais foi
encontrada a certidão de casamento deles. Provavelmente, não foram mesmo. Carl
morreu em conseqüência da febre tifóide, cuja epidemia grassou em Leipzig,
ceifando centenas de vidas. Apesar de não ser do meio artístico, tinha sólida
amizade com Geyer, mas o casamento deste com sua viúva, ao que consta, foi por
amor e não como eventual dever de amizade. O fato é que Richard Wagner não
chegou, propriamente, a conhecer o pai verdadeiro. Quando este morreu, ele
tinha, somente, seis meses de idade.
Após o casamento do
padrasto com a mãe, a família mudou-se para uma casa ampla e confortável, de
propriedade do ator, localizada em Dresden, onde o futuro compositor foi criado
e viveu talvez os melhores anos da sua vida. Até os catorze anos, Wagner era conhecido
não com o nome com que se consagrou, mas como Wilhelm Richard Geyer. Isso, por
si só, dá a devida conta do afeto que ligava a ambos. O menino cresceu, como
destaquei, em refinado ambiente artístico, posto que não musical. Daí
estranhar-se ter se tornado o genial compositor em que se tornou. A
probabilidade, na época, levando em conta as influências que recebia, é que se
tornasse um poeta, ou um escritor de outro gênero qualquer, ou mesmo um ator.
Não foi, óbvio, o que aconteceu.
Além do padrasto, as
duas irmãs mais velhas de Wagner, Luise e Rosalie, eram atrizes. Uma outra,
Klara, era cantora de ópera. Mas as coisas são como devem ser. Se você tem
vocação para determinada arte (ou mesmo alguma atividade específica, não
artística), mais cedo ou mais tarde, esta se manifesta, a despeito do ambiente
em que é criado. E, se atentar para esse talento, desenvolvê-lo, aperfeiçoá-lo
e, principalmente, exercitá-lo, suas chances de sucesso fazendo o que mais
gosta serão concretas e até prováveis. Foi o que aconteceu com Wagner.
É verdade que, quando
adolescente, compartilhou da paixão do padrasto pelo teatro. Chegou, mesmo, a
atuar como ator, em pequenos papeis quando ainda menino. Tudo indicava, então,
que seguiria os passos tanto de Geyer, quanto das irmãs. Era fascinado, nesse
período, por tudo o que se relacionasse com o teatro. Buscava absorver tudo o
que se relacionasse com a arte de representar. Mas... aquele não era o seu
caminho, embora na época, provavelmente, nem suspeitasse disso. Um duro golpe, para
Wagner, ocorreu em 30 de novembro de 1821, com a morte, em conseqüência de
tuberculose, daquele homem generoso que até então considerava pai legítimo. De certa forma, convenhamos,
era mesmo. E o garoto, na ocasião da perda, tinha só oito anos!
Geyer, todavia, antes
de morrer, percebeu qual a verdadeira vocação daquele seu talentoso e
apaixonado filho de criação: a música. Isso ocorreu em determinada noite,
quando ouviu o menino tocar maravilhosamente bem no piano da casa uma complexa
peça musical que muito músico tarimbado e experiente evitava de executar pelas
dificuldades que apresentava. Wagner, até então, havia tido, apenas,
esporádicas e escassas lições de música. A perfeição na execução, portanto, não
se devia a treinamento e nem às parcas aulas que tivera. Era talento puro!
Um ano após a morte de
Geyer, Wagner foi matriculado em uma escola religiosa de Dresden. Ali,
influenciado pelos livros que havia lido, de Göethe e de Shakespeare, escreveu
a primeira de suas peças, uma tragédia intitulada “Leubald und Adelaide”.
Assinou-a com o nome de Richard Dreyer. Para a família, após essa façanha, não
havia mais dúvidas: o garoto seria dramaturgo e ponto final. Estavam
(felizmente) todos enganados, para gáudio dos apreciadores da chamada “música
eterna” (entre os quais me coloco). Pouca gente percebeu aquilo que Geyer, em
seus últimos dias de vida, intuiu, com tamanha clareza: que ali estava alguém
que futuramente seria um dos maiores e mais criativos compositores clássicos de
todos os tempos, genuíno gênio em sua arte. Bendita intuição!
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