Friday, August 30, 2013

Bendita intuição!

Pedro J. Bondaczuk

A infância do compositor Richard Wagner transcorreu em um ambiente culturalmente rico, em meio a livros – seu padrasto Ludwig Geyer dispunha de excelente biblioteca – em contato com artistas de várias artes, o que, certamente, determinou seu futuro. Como a grande maioria dos gênios da música erudita, seu talento manifestou-se precocemente, mas, ao contrário dos outros, não recebeu uma educação musical específica, disciplinada, ordenada e planejada. Não, pelo menos, na mesma idade dos outros minigênios.  Teve, sim, grandes mestres, mas faltava continuidade nessas lições. Ainda assim...

Wagner nasceu em uma cidade (Leipzig) que foi berço de grandes artistas. Podem ser citados, neste caso, sem grandes esforços de memória, Johann Wolfgang Göethe (tido e havido, até hoje, e com justiça, como o maior poeta de todos os tempos em língua alemã), e os compositores Felix Mendelssohn, Robert Schumann, Wolfgang Amadeus Mozart e, principalmente, Johann Sebastian Bach, entre outros. Seus pais viviam, na ocasião do seu nascimento, no bairro judeu da cidade. Davam-se bem com a vizinhança, com a qual não tinham nenhum problema. Recorde-se que, na época, o arraigado anti-semitismo estava praticamente no auge em boa parte da Europa e, principalmente, nos estados germânicos.

Wagner deve muito do que foi ao padrasto, que o educou como filho legítimo e com o qual manteve profundos laços de afeto até a morte deste. Houve ocasiões, até, que chegou a duvidar que Geyer não fosse seu pai biológico. Não era. Casou-se com a mãe do compositor, Johanna Rosine (filha de um padeiro), quando esta ficou viúva de Carl Friedrich Wagner (funcionário da polícia de Leipzig), com nove filhos para criar. Geyer era ator e dramaturgo, bastante ligado às artes e aos mais reputados artistas de diversas artes. Entre seus talentos estava, também, o de pintor

Wagner sempre desconfiou que seus pais biológicos nunca foram casados, porquanto jamais foi encontrada a certidão de casamento deles. Provavelmente, não foram mesmo. Carl morreu em conseqüência da febre tifóide, cuja epidemia grassou em Leipzig, ceifando centenas de vidas. Apesar de não ser do meio artístico, tinha sólida amizade com Geyer, mas o casamento deste com sua viúva, ao que consta, foi por amor e não como eventual dever de amizade. O fato é que Richard Wagner não chegou, propriamente, a conhecer o pai verdadeiro. Quando este morreu, ele tinha, somente, seis meses de idade.

Após o casamento do padrasto com a mãe, a família mudou-se para uma casa ampla e confortável, de propriedade do ator, localizada em Dresden, onde o futuro compositor foi criado e viveu talvez os melhores anos da sua vida. Até os catorze anos, Wagner era conhecido não com o nome com que se consagrou, mas como Wilhelm Richard Geyer. Isso, por si só, dá a devida conta do afeto que ligava a ambos. O menino cresceu, como destaquei, em refinado ambiente artístico, posto que não musical. Daí estranhar-se ter se tornado o genial compositor em que se tornou. A probabilidade, na época, levando em conta as influências que recebia, é que se tornasse um poeta, ou um escritor de outro gênero qualquer, ou mesmo um ator. Não foi, óbvio, o que aconteceu.

Além do padrasto, as duas irmãs mais velhas de Wagner, Luise e Rosalie, eram atrizes. Uma outra, Klara, era cantora de ópera. Mas as coisas são como devem ser. Se você tem vocação para determinada arte (ou mesmo alguma atividade específica, não artística), mais cedo ou mais tarde, esta se manifesta, a despeito do ambiente em que é criado. E, se atentar para esse talento, desenvolvê-lo, aperfeiçoá-lo e, principalmente, exercitá-lo, suas chances de sucesso fazendo o que mais gosta serão concretas e até prováveis. Foi o que aconteceu com Wagner.

É verdade que, quando adolescente, compartilhou da paixão do padrasto pelo teatro. Chegou, mesmo, a atuar como ator, em pequenos papeis quando ainda menino. Tudo indicava, então, que seguiria os passos tanto de Geyer, quanto das irmãs. Era fascinado, nesse período, por tudo o que se relacionasse com o teatro. Buscava absorver tudo o que se relacionasse com a arte de representar. Mas... aquele não era o seu caminho, embora na época, provavelmente, nem suspeitasse disso. Um duro golpe, para Wagner, ocorreu em 30 de novembro de 1821, com a morte, em conseqüência de tuberculose, daquele homem generoso que até então considerava  pai legítimo. De certa forma, convenhamos, era mesmo. E o garoto, na ocasião da perda, tinha só oito anos!

Geyer, todavia, antes de morrer, percebeu qual a verdadeira vocação daquele seu talentoso e apaixonado filho de criação: a música. Isso ocorreu em determinada noite, quando ouviu o menino tocar maravilhosamente bem no piano da casa uma complexa peça musical que muito músico tarimbado e experiente evitava de executar pelas dificuldades que apresentava. Wagner, até então, havia tido, apenas, esporádicas e escassas lições de música. A perfeição na execução, portanto, não se devia a treinamento e nem às parcas aulas que tivera. Era talento puro!

Um ano após a morte de Geyer, Wagner foi matriculado em uma escola religiosa de Dresden. Ali, influenciado pelos livros que havia lido, de Göethe e de Shakespeare, escreveu a primeira de suas peças, uma tragédia intitulada “Leubald und Adelaide”. Assinou-a com o nome de Richard Dreyer. Para a família, após essa façanha, não havia mais dúvidas: o garoto seria dramaturgo e ponto final. Estavam (felizmente) todos enganados, para gáudio dos apreciadores da chamada “música eterna” (entre os quais me coloco). Pouca gente percebeu aquilo que Geyer, em seus últimos dias de vida, intuiu, com tamanha clareza: que ali estava alguém que futuramente seria um dos maiores e mais criativos compositores clássicos de todos os tempos, genuíno gênio em sua arte. Bendita intuição!


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