Onde viver é ato de fé
O presidente libanês, Amin
Gemayel, escapou, ontem, de uma morte horrível, mediante a explosão de 100
quilos de explosivos, por um feliz acaso. Graças à minúcia da polícia local na
revista que procedeu no jato presidencial, que deveria levar o mandatário até
Sanaa, no Yemen do Norte, país que ele vai visitar, a tragédia foi evitada.
A
ação policial evitou que Amin tivesse destino semelhante ao do irmão e
antecessor na Presidência do Líbano, Bechir, estraçalhado por uma bomba em 14
de setembro de 1982. Livrou-o, também, de fim idêntico ao do primeiro-ministro
Rashid Karami, colhido pela mão traiçoeira e assassina de extremistas, que
explodiram seu helicóptero, em 1º de julho do ano passado e cuja autoria até aqui
não foi comprovada com segurança.
O
Líbano, portanto, embora ausente do noticiário nos últimos tempos, continua tão
violento como sempre foi nos quase 13 anos que já dura o seu impasse nacional.
A população libanesa vive um pesadelo que parece não Ter mais fim. Toda uma
geração de jovens foi criada sob o signo da morte.
Por
exemplo, quem tinha sete anos quando a guerra civil começou, hoje está com 20 e
praticamente não sabe o que é o convívio pacífico. Desconhece como é passear
despreocupadamente em algum lugar, livre do medo e da irracionalidade de um
conflito que todos sabem como começou, mas que ninguém atina como irá terminar.
A
situação desse país é tão trágica, que até uma expressão nova foi criada para
definir casos de completa desorganização nacional: “libanização”. Só o
extraordinário amor à terra que esse povo tem é que o mantém vivo, embora a
nação esteja esfacelada.
O
gabinete passa meses sem se reunir, o presidente não exerce a sua autoridade, o
Parlamento está com um terço das suas cadeiras vagas, por morte ou desinteresse
de parlamentares pela sua ocupação e além de tudo, é meramente nominal.
Há
tempos que não se reúne, já que é um alvo permanente de obuses e granadas das
facções em conflito. Em algumas de suas raras sessões, os integrantes desse
Legislativo que não legisla precisaram fazer seus debates escondidos sob suas
bancadas para não serem alvejados, sob intensos bombardeios.
Com
a capital ocupada por tropas estrangeiras, assim como o Vale do Bekaa, com
“hóspedes” indesejáveis, atraindo a ira de Israel, que viola, sem essa ou mais
aquela, o seu espaço aéreo impunemente, na hora em que quer, e sem a mínima
perspectiva de paz, ainda assim o Líbano é um fenômeno de resistência.
Ninguém
entende como uma sociedade desunida, sem governo e sem nada que lembre um
Estado, consegue sobreviver. Só pode ser, mesmo, por um milagre, como o que
livrou Gemayel ontem da morte. Mas, até quando?
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 13 de fevereiro de
1988).
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