Monday, August 05, 2013

O preço da permissividade


Pedro J. Bondaczuk


A “modernidade”, em especial no chamado Primeiro Mundo (mas não só nele, claro), é confundida, com frequência, com permissividade. Com o “tudo pode”, “nada é proibido” (ou quase nada), com o “libera geral”. Refiro-me, óbvio, ao comportamento humano. Com a ruptura de todos os freios morais, que construíram as civilizações (que, bem ou mal, pelo menos se mantêm), muitos e muitos perderam a perspectiva, os objetivos, os rumos, e vagam a esmo, sem norte e direção, como barcos sem leme em mar tempestuoso e revolto.   .

Enquanto uma pequena parcela da humanidade usufrui as “delícias” de um consumismo desregrado, irresponsável e perdulário (inclusive o “de pessoas”), a grande maioria no Planeta passa fome. Enfrenta privações de toda a sorte, sem saber como será o amanhã, que talvez nem mesmo venha a ter. Acho isso revoltante e, embora sentindo-me mera voz isolada pregando no deserto, para pedras e para sombras, sempre que posso dou um jeito de tocar no assunto. Mesmo que muitos discordem (e sei que discordam de fato), este, também, é papel do escritor e, provavelmente, o seu principal. Mas...

O falecido papa João Paulo II fez, em 17 de outubro de 1989, judiciosas observações a propósito, referindo-se ao que ocorria (e a despeito da severa crise econômica ainda ocorre) na Europa. Mas esse fenômeno é mundial. Mesmo os países mais miseráveis da Terra contam com suas “castas” privilegiadas, que demonstram, mediante desregramento assustador, terem perdido as perspectivas do que são, para o que vieram e para onde vão.

Sob o pretexto de desmistificação do sexo, por exemplo, conseguiu-se criar em torno dele um tabu inverso. Ele deixou de ser a manifestação suprema do amor, ato máximo de criação, com a geração de  nova vida, para se tornar mero instrumento de “diversão” e, pior, de “comércio”. E aqui não vai nenhuma observação de caráter moral. Não condeno o prazer sexual, óbvio. Oponho-me, todavia, e com veemência, à banalização do sexo, sem que se atente para sua finalidade e suas conseqüências.

Uma das atividades mais prósperas e rentáveis do mundo é a prostituição, tida e havida como a “profissão” mais antiga que existe. É o “comércio”, a compra e a venda de mulheres, de todas as idades, como se fossem animais irracionais e, pior, objetos inanimados, com vistas à exploração sexual. É uma realidade tão óbvia e tão presente, que é tema de uma das mais populares novelas da nossa televisão. E, pelo que pude pesquisar a respeito, a autora, Glória Perez, não exagera nem um pouco em seu enredo. Aliás, até o atenua. E nem precisa exagerar. A realidade é mais nojenta e deprimente do que a mais delirante fantasia. 

Será que as pessoas, principalmente as que se julgam mais inteligentes e costumam teorizar em torno do comportamento, ditando moda, ainda não perceberam, já não digo o perigo (que é óbvio), mas o ridículo de tudo isso? Se alguém, porventura, sentisse supremo prazer em se divertir, digamos, com sua orelha, qual seria sua conclusão sobre ela? O mínimo que você poderia achar a seu respeito seria duvidar de sua sanidade mental. E com razão, óbvio. O mesmo vale em relação a qualquer outro órgão do corpo humano. Afinal, todos têm uma função específica, prática, de locomoção, de tato, de audição e assim por diante. Qual a razão, pois, do sexo ser tratado de forma tão diferente?

A rápida (diría vertiginosa) alteração dos costumes é, pois, magnífica fonte potencial de angústias para milhões de pessoas, se não for devidamente direcionada. Não que o comportamento seja algo acabado, que deva permanecer estático, como se fora estátua de mármore ou monumento de pedra-sabão. Não é isso. Desvios comportamentais e, entre eles, os sexuais, não são coisa nova, claro. Nunca foram. A diferença é que antes os casos eram “camuflados”, ocorriam longe do olhar público. Eram condenados – mesmo que hipocritamente – pela sociedade. Hoje... não somente são praticados às claras, como contam com o consentimento, tácito ou ostensivo, quando não com a aprovação (e não raro, até incentivo) de setores representativos de algumas sociedades;

As grandes vítimas disso são as crianças. Choca-me, por exemplo, constatar a erotização precoce das meninas que, com sete anos ou pouco mais, adotam posturas provocantes, imitando artistas que vêem na televisão ou no cinema, sem que sequer tenham a menor noção do quanto isso é anormal e incompatível com seu estágio de desenvolvimento. São inúmeros os casos de garotinhas de doze anos, por exemplo, que engravidam, por sequer terem noção das conseqüências do ato sexual. Acho isso revoltante, quase tanto quanto a pedofilia.

Tem se confundido, amiúde, evolução dos costumes com permissividade. Muitos têm aderido a esses modismos não porque tenham convicção de que o que se está apresentando como novo (ou dito novo, pois nesse aspecto, o homem vem se repetindo ao longo do tempo) seja bom, desejável e sadio. Aderem somente para estarem na moda, "in", "por dentro" de uma situação.

Um dos equívocos que se têm praticado atinge diretamente, portanto, o sentimento mais indefinido e mais apregoado do ser humano: o amor. Aliás, o que se tem feito é substituir um engano por outro. Até pouco tempo, julgava-se que amar alguém era promover sua sublimação. Que o sexo "conspurcava" sua pureza. Dava-se a entender que apenas seres iluminados, verdadeiros querubins, fossem capazes de ter e demonstrar essa virtude. Nada mais piegas e enganador. Afinal, esse vínculo entre um homem e uma mulher tem, "também", um componente animal e sumamente saudável, desde que praticado no momento adequado e no devido contexto.

Hoje, no entanto, subverteu-se tudo. Reduziu-se o amor a mero sexo. Ou seja, fez-se de uma de suas manifestações, (e não a única), a razão principal do convívio entre dois seres humanos. E aí é que está o grande erro, fonte de decepções, mágoas etc. Ora, é perfeitamente possível um homem e uma mulher sentirem atração física um pelo outro sem que se amem.Saciado o desejo, não resta mais nada a ligá-çpd. Às vezes resta sim: o mútuo asco. Isto acontece todos os dias, todas as horas e em todos os lugares. O sexo é importante, sim, e saudabilíssimo numa relação harmoniosa e sadia, mas é só uma "manifestação" do amor, embora não seja o próprio. Este sentimento é muito mais amplo, mais profundo, mais abrangente e completo: envolve muitos componentes mais do que os desavisados e tolos possam imaginar.

Ao operarem com tal equívoco, as pessoas, hoje em dia, quando uma relação não dá certo, sabem, obviamente, que algo inadequado ocorreu, mas não conseguem identificar, não têm capacidade de atinar o quê tenha sido. E aí vêm as cenas passionais, que muitas vezes desembocam em crimes bárbaros, em suicídios ou em processos de auto-anulação (que são piores por implicarem na matança deliberada da própria personalidade). Sigmund Freud demonstrou, de sobejo, a importância do sexo na formação de uma personalidade equilibrada, harmoniosa e sadia e as conseqüências psíquicas (e físicas) danosas de seu desequilíbrio. E o “Pai da Psicanálise” sabia o que dizia.


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