O preço da permissividade
Pedro J. Bondaczuk
A “modernidade”, em
especial no chamado Primeiro Mundo (mas não só nele, claro), é confundida, com
frequência, com permissividade. Com o “tudo pode”, “nada é proibido” (ou quase
nada), com o “libera geral”. Refiro-me, óbvio, ao comportamento humano. Com a
ruptura de todos os freios morais, que construíram as civilizações (que, bem ou
mal, pelo menos se mantêm), muitos e muitos perderam a perspectiva, os
objetivos, os rumos, e vagam a esmo, sem norte e direção, como barcos sem leme
em mar tempestuoso e revolto. .
Enquanto uma pequena
parcela da humanidade usufrui as “delícias” de um consumismo desregrado,
irresponsável e perdulário (inclusive o “de pessoas”), a grande maioria no
Planeta passa fome. Enfrenta privações de toda a sorte, sem saber como será o
amanhã, que talvez nem mesmo venha a ter. Acho isso revoltante e, embora
sentindo-me mera voz isolada pregando no deserto, para pedras e para sombras,
sempre que posso dou um jeito de tocar no assunto. Mesmo que muitos discordem
(e sei que discordam de fato), este, também, é papel do escritor e,
provavelmente, o seu principal. Mas...
O falecido papa João Paulo
II fez, em 17 de outubro de 1989, judiciosas observações a propósito,
referindo-se ao que ocorria (e a despeito da severa crise econômica ainda
ocorre) na Europa. Mas esse fenômeno é mundial. Mesmo os países mais miseráveis
da Terra contam com suas “castas” privilegiadas, que demonstram, mediante
desregramento assustador, terem perdido as perspectivas do que são, para o que
vieram e para onde vão.
Sob o pretexto de
desmistificação do sexo, por exemplo, conseguiu-se criar em torno dele um tabu
inverso. Ele deixou de ser a manifestação suprema do amor, ato máximo de
criação, com a geração de nova vida, para
se tornar mero instrumento de “diversão” e, pior, de “comércio”. E aqui não vai
nenhuma observação de caráter moral. Não condeno o prazer sexual, óbvio.
Oponho-me, todavia, e com veemência, à banalização do sexo, sem que se atente
para sua finalidade e suas conseqüências.
Uma das atividades mais
prósperas e rentáveis do mundo é a prostituição, tida e havida como a
“profissão” mais antiga que existe. É o “comércio”, a compra e a venda de
mulheres, de todas as idades, como se fossem animais irracionais e, pior,
objetos inanimados, com vistas à exploração sexual. É uma realidade tão óbvia e
tão presente, que é tema de uma das mais populares novelas da nossa televisão.
E, pelo que pude pesquisar a respeito, a autora, Glória Perez, não exagera nem
um pouco em seu enredo. Aliás, até o atenua. E nem precisa exagerar. A
realidade é mais nojenta e deprimente do que a mais delirante fantasia.
Será que as pessoas,
principalmente as que se julgam mais inteligentes e costumam teorizar em torno
do comportamento, ditando moda, ainda não perceberam, já não digo o perigo (que
é óbvio), mas o ridículo de tudo isso? Se alguém, porventura, sentisse supremo
prazer em se divertir, digamos, com sua orelha, qual seria sua conclusão sobre
ela? O mínimo que você poderia achar a seu respeito seria duvidar de sua
sanidade mental. E com razão, óbvio. O mesmo vale em relação a qualquer outro
órgão do corpo humano. Afinal, todos têm uma função específica, prática, de
locomoção, de tato, de audição e assim por diante. Qual a razão, pois, do sexo
ser tratado de forma tão diferente?
A
rápida (diría vertiginosa) alteração dos costumes é, pois, magnífica fonte
potencial de angústias para milhões de pessoas, se não for devidamente
direcionada. Não que o comportamento seja algo acabado, que deva permanecer
estático, como se fora estátua de mármore ou monumento de pedra-sabão. Não é
isso. Desvios comportamentais e, entre eles, os sexuais, não são coisa nova,
claro. Nunca foram. A diferença é que antes os casos eram “camuflados”,
ocorriam longe do olhar público. Eram condenados – mesmo que hipocritamente –
pela sociedade. Hoje... não somente são praticados às claras, como contam com o
consentimento, tácito ou ostensivo, quando não com a aprovação (e não raro, até
incentivo) de setores representativos de algumas sociedades;
As
grandes vítimas disso são as crianças. Choca-me, por exemplo, constatar a
erotização precoce das meninas que, com sete anos ou pouco mais, adotam
posturas provocantes, imitando artistas que vêem na televisão ou no cinema, sem
que sequer tenham a menor noção do quanto isso é anormal e incompatível com seu
estágio de desenvolvimento. São inúmeros os casos de garotinhas de doze anos,
por exemplo, que engravidam, por sequer terem noção das conseqüências do ato
sexual. Acho isso revoltante, quase tanto quanto a pedofilia.
Tem
se confundido, amiúde, evolução dos costumes com permissividade. Muitos têm
aderido a esses modismos não porque tenham convicção de que o que se está
apresentando como novo (ou dito novo, pois nesse aspecto, o homem vem se
repetindo ao longo do tempo) seja bom, desejável e sadio. Aderem somente para
estarem na moda, "in", "por dentro" de uma situação.
Um
dos equívocos que se têm praticado atinge diretamente, portanto, o sentimento
mais indefinido e mais apregoado do ser humano: o amor. Aliás, o que se tem
feito é substituir um engano por outro. Até pouco tempo, julgava-se que amar
alguém era promover sua sublimação. Que o sexo "conspurcava" sua
pureza. Dava-se a entender que apenas seres iluminados, verdadeiros querubins,
fossem capazes de ter e demonstrar essa virtude. Nada mais piegas e enganador.
Afinal, esse vínculo entre um homem e uma mulher tem, "também", um
componente animal e sumamente saudável, desde que praticado no momento adequado
e no devido contexto.
Hoje,
no entanto, subverteu-se tudo. Reduziu-se o amor a mero sexo. Ou seja, fez-se
de uma de suas manifestações, (e não a única), a razão principal do convívio
entre dois seres humanos. E aí é que está o grande erro, fonte de decepções,
mágoas etc. Ora, é perfeitamente possível um homem e uma mulher sentirem
atração física um pelo outro sem que se amem.Saciado o desejo, não resta mais
nada a ligá-çpd. Às vezes resta sim: o mútuo asco. Isto acontece todos os dias,
todas as horas e em todos os lugares. O sexo é importante, sim, e
saudabilíssimo numa relação harmoniosa e sadia, mas é só uma
"manifestação" do amor, embora não seja o próprio. Este sentimento é
muito mais amplo, mais profundo, mais abrangente e completo: envolve muitos
componentes mais do que os desavisados e tolos possam imaginar.
Ao
operarem com tal equívoco, as pessoas, hoje em dia, quando uma relação não dá
certo, sabem, obviamente, que algo inadequado ocorreu, mas não conseguem identificar,
não têm capacidade de atinar o quê tenha sido. E aí vêm as cenas passionais,
que muitas vezes desembocam em crimes bárbaros, em suicídios ou em processos de
auto-anulação (que são piores por implicarem na matança deliberada da própria
personalidade). Sigmund Freud demonstrou, de sobejo, a importância do sexo na
formação de uma personalidade equilibrada, harmoniosa e sadia e as
conseqüências psíquicas (e físicas) danosas de seu desequilíbrio. E o “Pai da
Psicanálise” sabia o que dizia.
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