Causas e conseqüências
de um megadesastre
Pedro
J. Bondaczuk
As consequências do
encilhamento – a bolha econômica resultante do decreto assinado pelo então
ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, em 17 de janeiro de 1890 – foram danosas para
praticamente todas as partes envolvidas, à exceção, claro, dos especuladores,
que aumentaram ainda mais suas já então imensas fortunas. Os efeitos danosos na
economia nacional estenderam-se por décadas, por gerações, a despeito do
presidente Campos Sales, com as medidas pontuais e corretas que adotou como uma
espécie de “antídoto” – mas que implicaram em altos custos sociais – ter
abreviado o que entendo como profilaxia econômica. Mas que o processo que
redundou em frenética e irresponsável ciranda financeira foi altamente danoso
para o País, disso não resta a menor dúvida.
Ao trazer o assunto à
baila, minha intenção não foi a de fazer as vezes do historiador e relatar
aqueles acontecimentos com o rigor que se exige desse tipo de profissional. Foi
o de apresentar comentários e opiniões estritamente pessoais a propósito. Para
tanto, tive que contextualizar o que o encilhamento se tratou, porquanto não
pretendia (e não fiz isso) comentar “in abstrato”. Contextualizei a questão de
maneira sumamente sucinta (apesar de parecer aos desavisados que foi prolixa.
Não foi.). Ao leitor que quiser se aprofundar no assunto, todavia, recomendo a
leitura de alguns livros a propósito.
O principal, no qual
baseei minhas considerações, é o de autoria de Alfredo D’Escragnole Taunay, “O
encilhamento: cenas contemporâneas da Bolsa do Rio de Janeiro em 1890, 1891 e
1892”. Mas há outras obras a propósito, tão (ou mais) esclarecedoras do que a
que mencionei. Você pode ler, por exemplo, “Os cabeças-de-planilha”, do
jornalista e economista Luís Nassif (Ediouro). Ou “História do Rio de Janeiro;
do capital comercial ao capital industrial”, de Maria Eulália L. Lobo (um
edição do IBMEC). Ou “A crise financeira da abolição: 1875-1901!, de John
Schultz (Editora USP/Instituto Fernand Braudel).
É verdade que a
literatura a respeito é relativamente escassa, principalmente se levarmos em conta
a gravidade e a extensão do problema. Entendo que o assunto mereceria ser não
somente melhor tratado, mas esgotado pelos historiadores e considerado com a
devida importância que tem nas salas de aula. Evidentemente, não é. O desastre
econômico, causado pelo encilhamento, por exemplo, causou a demissão de Ruy
Barbosa do Ministério da Fazenda, o que ocorreu em 20 de janeiro de 1891. Era o
mínimo que se poderia esperar. Afinal, ele foi o mentor do decreto que
instituiu esse processo, à revelia de parte do primeiro gabinete republicano e
do próprio presidente da República.
O que causou maior
escândalo, ainda, e permanece como mancha no currículo de uma das figuras mais
reverenciadas da história brasileira, foi o fato de, tão logo haver deixado o
cargo, no governo, o já então ex-ministro da Fazenda haver assumido o comando
de companhias criadas durante o encilhamento, das quais era sócio, junto com o
Conselheiro Mayrink. Isso iria lhe custar caro, quatro anos depois, em 1895,
durante o período conhecido como de “Caça às Bruxas”, na gestão do marechal
Floriano Peixoto na Presidência. Ruy Barbosa teve, a exemplo de outros
envolvidos, seus bens congelados, alguns confiscados e sofreu processos
públicos e administrativos. As coisas foram tão longe, que o ex-ministro da
Fazenda teve até que se exilar na Europa.
Mas sobrou, também,
para o primeiro presidente da República, o Marechal Deodoro da Fonseca, em cuja
gestão se deu o tal do encilhamento. Ele teve que renunciar ao cargo, em 23 de
novembro de 1891, em favor do seu vice, o Marechal Floriano Peixoto, para não
ser deposto por um golpe de Estado. Convenhamos, um assunto de tamanhas
conseqüências, bem que merecia um tratamento mais cuidadoso e meticuloso da
parte dos historiadores.
Além dos livros que
citei, recomendo mais os seguintes aos que quiserem conhecer melhor o assunto:
“Os bestializados, o Rio de Janeiro e a República que não foi”, de José Murilo
de Carvalho (Companhia das Letras); “Crônicas da Convergência”, de Gustavo
Franco (publicação do BNDES); “República no Catete”, de Maria Alice R. de
Carvalho (Museu da República/FAPERJ) e “O Encilhamento: anatomia de uma bolha
brasileira”, de Ney O. Carvalho (publicação BOVESPA), entre outros.
Presumo (ou prefiro
crer) que não houve má fé na concepção, redação e promulgação do decreto que
ensejou o tal do encilhamento. Os objetivos me parecem nobres. Os dois
principais eram os de acelerar a industrialização do Brasil, País que era
eminentemente, senão exclusivamente, agrícola e promover ampla e justa
distribuição de renda por toda a sociedade. O “tiro”, todavia, “saiu pela
culatra”. A forma como as coisas foram feitas é que foram sumamente
equivocadas. A liberdade irrestrita, dada aos bancos, sem nenhuma restrição,
foi absurda e calamitosa. A falta de fiscalização, principalmente para impedir
a criação de empresas fantasmas, é coisa que nem tem nome. Não houve debate
antes da redação do decreto. Ninguém foi consultado a propósito. Tudo foi feito
às pressas, na calada da noite, à revelia da opinião pública. Deu no que deu.
Em vez de acelerar a
industrialização do País, o encilhamento retardou-a em décadas. Não souberam
reproduzir no Brasil um processo que há anos já era rotineiro na Europa e nos
Estados Unidos, ou seja, o de captação de capitais, através do mercado acionário,
mas feita de maneira séria, regulamentada e rigorosamente fiscalizada. Em vez
de promover distribuição de renda entre a população, se tornou o processo mais
perverso e rápido de sua concentração, e muitíssimo maior do que já havia, em
pouquíssimas mãos. E olhem que sequer considerei a possibilidade de ter havido
dolo ou má fé. Mas... considerando o comportamento dos nossos políticos... Bem,
deixa pra lá!
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