Tuesday, August 20, 2013

Causas e conseqüências de um megadesastre

Pedro J. Bondaczuk

As consequências do encilhamento – a bolha econômica resultante do decreto assinado pelo então ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, em 17 de janeiro de 1890 – foram danosas para praticamente todas as partes envolvidas, à exceção, claro, dos especuladores, que aumentaram ainda mais suas já então imensas fortunas. Os efeitos danosos na economia nacional estenderam-se por décadas, por gerações, a despeito do presidente Campos Sales, com as medidas pontuais e corretas que adotou como uma espécie de “antídoto” – mas que implicaram em altos custos sociais – ter abreviado o que entendo como profilaxia econômica. Mas que o processo que redundou em frenética e irresponsável ciranda financeira foi altamente danoso para o País, disso não resta a menor dúvida.

Ao trazer o assunto à baila, minha intenção não foi a de fazer as vezes do historiador e relatar aqueles acontecimentos com o rigor que se exige desse tipo de profissional. Foi o de apresentar comentários e opiniões estritamente pessoais a propósito. Para tanto, tive que contextualizar o que o encilhamento se tratou, porquanto não pretendia (e não fiz isso) comentar “in abstrato”. Contextualizei a questão de maneira sumamente sucinta (apesar de parecer aos desavisados que foi prolixa. Não foi.). Ao leitor que quiser se aprofundar no assunto, todavia, recomendo a leitura de alguns livros a propósito.

O principal, no qual baseei minhas considerações, é o de autoria de Alfredo D’Escragnole Taunay, “O encilhamento: cenas contemporâneas da Bolsa do Rio de Janeiro em 1890, 1891 e 1892”. Mas há outras obras a propósito, tão (ou mais) esclarecedoras do que a que mencionei. Você pode ler, por exemplo, “Os cabeças-de-planilha”, do jornalista e economista Luís Nassif (Ediouro). Ou “História do Rio de Janeiro; do capital comercial ao capital industrial”, de Maria Eulália L. Lobo (um edição do IBMEC). Ou “A crise financeira da abolição: 1875-1901!, de John Schultz (Editora USP/Instituto Fernand Braudel).

É verdade que a literatura a respeito é relativamente escassa, principalmente se levarmos em conta a gravidade e a extensão do problema. Entendo que o assunto mereceria ser não somente melhor tratado, mas esgotado pelos historiadores e considerado com a devida importância que tem nas salas de aula. Evidentemente, não é. O desastre econômico, causado pelo encilhamento, por exemplo, causou a demissão de Ruy Barbosa do Ministério da Fazenda, o que ocorreu em 20 de janeiro de 1891. Era o mínimo que se poderia esperar. Afinal, ele foi o mentor do decreto que instituiu esse processo, à revelia de parte do primeiro gabinete republicano e do próprio presidente da República.

O que causou maior escândalo, ainda, e permanece como mancha no currículo de uma das figuras mais reverenciadas da história brasileira, foi o fato de, tão logo haver deixado o cargo, no governo, o já então ex-ministro da Fazenda haver assumido o comando de companhias criadas durante o encilhamento, das quais era sócio, junto com o Conselheiro Mayrink. Isso iria lhe custar caro, quatro anos depois, em 1895, durante o período conhecido como de “Caça às Bruxas”, na gestão do marechal Floriano Peixoto na Presidência. Ruy Barbosa teve, a exemplo de outros envolvidos, seus bens congelados, alguns confiscados e sofreu processos públicos e administrativos. As coisas foram tão longe, que o ex-ministro da Fazenda teve até que se exilar na Europa.

Mas sobrou, também, para o primeiro presidente da República, o Marechal Deodoro da Fonseca, em cuja gestão se deu o tal do encilhamento. Ele teve que renunciar ao cargo, em 23 de novembro de 1891, em favor do seu vice, o Marechal Floriano Peixoto, para não ser deposto por um golpe de Estado. Convenhamos, um assunto de tamanhas conseqüências, bem que merecia um tratamento mais cuidadoso e meticuloso da parte dos historiadores.

Além dos livros que citei, recomendo mais os seguintes aos que quiserem conhecer melhor o assunto: “Os bestializados, o Rio de Janeiro e a República que não foi”, de José Murilo de Carvalho (Companhia das Letras); “Crônicas da Convergência”, de Gustavo Franco (publicação do BNDES); “República no Catete”, de Maria Alice R. de Carvalho (Museu da República/FAPERJ) e “O Encilhamento: anatomia de uma bolha brasileira”, de Ney O. Carvalho (publicação BOVESPA), entre outros.

Presumo (ou prefiro crer) que não houve má fé na concepção, redação e promulgação do decreto que ensejou o tal do encilhamento. Os objetivos me parecem nobres. Os dois principais eram os de acelerar a industrialização do Brasil, País que era eminentemente, senão exclusivamente, agrícola e promover ampla e justa distribuição de renda por toda a sociedade. O “tiro”, todavia, “saiu pela culatra”. A forma como as coisas foram feitas é que foram sumamente equivocadas. A liberdade irrestrita, dada aos bancos, sem nenhuma restrição, foi absurda e calamitosa. A falta de fiscalização, principalmente para impedir a criação de empresas fantasmas, é coisa que nem tem nome. Não houve debate antes da redação do decreto. Ninguém foi consultado a propósito. Tudo foi feito às pressas, na calada da noite, à revelia da opinião pública. Deu no que deu.

Em vez de acelerar a industrialização do País, o encilhamento retardou-a em décadas. Não souberam reproduzir no Brasil um processo que há anos já era rotineiro na Europa e nos Estados Unidos, ou seja, o de captação de capitais, através do mercado acionário, mas feita de maneira séria, regulamentada e rigorosamente fiscalizada. Em vez de promover distribuição de renda entre a população, se tornou o processo mais perverso e rápido de sua concentração, e muitíssimo maior do que já havia, em pouquíssimas mãos. E olhem que sequer considerei a possibilidade de ter havido dolo ou má fé. Mas... considerando o comportamento dos nossos políticos... Bem, deixa pra lá!


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