Jeito de me expressar
Pedro
J. Bondaczuk
Tenho recebido, há já
algum tempo, esporádicas críticas (felizmente bastante raras) de pessoas que se
dizem minhas leitoras, condenando uma das minhas práticas ao redigir meus
textos. Consideram-na, no mínimo, como sendo de mau gosto. Alguns chegam a
acusar-me de ser arrogante. Antecipo-me em esclarecer que meus críticos
(reitero, raros) não condenam os temas que abordo (que, aliás, até elogiam pela
variedade e ecletismo) e nem meu estilo coloquial, mas que, conforme admitem, é
gramatical e formalmente correto. Menos mau. Não sou refratário a críticas,
desde que pertinentes. Quando as mereço, estas são sempre bem vindas.
“Então o que eles
condenam?”, certamente está se perguntando o atento leitor. Seriam minhas opiniões?
Não, não são. Destas garantem, até, comungarem. As condenações voltam-se, e de
maneira recorrente, para o fato de eu escrever “sempre” na primeira pessoa do
singular. Criticam-me a utilização recorrente do “eu”. Argumentam que isso é
falta de humildade e que pode ser interpretado mesmo como um tanto de
arrogância da minha parte. Afirmam que o correto seria eu escrever na primeira
pessoa do plural, ou seja, utilizando o “nós” em vez do “eu”.
Já me justifiquei a
propósito em outras ocasiões, mas certamente essas pessoas não leram tais
justificativas, o que, por sinal, reforça minha suspeita de que não se trate de
minhas leitoras coisa nenhuma. Pelo menos, não me lêem com a freqüência que
apregoam. Antes de mais nada, permitam-me que observe, com todo respeito, que
essas críticas não podem ser levadas a sério. São tão pueris que eu deveria
ignorá-las. Desculpem a agressividade, mas não tenho como classificá-las se não
como tolices. Melhor eu faria, portanto, se nem mesmo tocasse no assunto.
Faço-o, todavia, até como uma espécie de orientação aos postulantes a
escritores que eventualmente possam ter dúvidas a propósito.
A condenação em tela,
dos meus esporádicos críticos, credencia-me a nutrir algumas suspeitas a seu
respeito. Uma delas é que, provavelmente, não têm o hábito de leitura. Ou se o
têm, não lêem livros com a atenção que eles requerem. Se o fizessem,
constatariam que a imensa maioria dos escritores – e nem mesmo me refiro aos
clássicos, aos “medalhões” das letras – não se utilizam do expediente proposto
por esses (felizmente raros) críticos. Em outras palavras, não opinam, sobre o
que quer que seja, utilizando-se do “arrogante” (este sim) “nós”. E por que
vislumbro arrogância nesse tipo de tratamento? Porque ele pressupõe que “todos”
os que lêem as referidas opiniões, comungam com elas, pelo fato delas serem
“indiscutíveis”. Raras são. E mesmo que fossem, não posso fazer esse tipo de
ilação. Ele sim é o suprassumo da arrogância. É falsa humildade. Em suma, é
hipocrisia.
No meu caso, prefiro,
humildemente, assumir a autoria de todas as opiniões que emito, abrindo espaço
para potenciais discordâncias. É, pois, manifestação de respeito ao leitor e
não o contrário, como esses críticos acusam. É a aceitação da responsabilidade
que o ato de escrever impõe a todos os que o exercem. Afinal, um texto
literário só tem sentido quando voltado para terceiros. Ninguém faz literatura
para si. Ademais, nunca sabemos quem e quando irá ler o que escrevemos. A
palavra escrita, ao contrário do que somente “dizemos”, tem o caráter potencial
de permanência. E isso implica, óbvio, em enorme responsabilidade.
Sinto-me até
constrangido por trazer um assunto tão banal e subsidiário à baila. Faço-o, no
entanto, em respeito a outros escritores que provavelmente também são criticados
por utilizarem o mesmo expediente (na verdade, a imensa maioria, que chega a
beirar à totalidade). “Escrever é um acelerador de consciência, de pensamento e
de compreensão do Universo. E fica-se dependente disso”. Quem fez essa
constatação foi o escritor russo, naturalizado norte-americano, Joseph Brodsky,
em discurso que proferiu em Estocolmo, em 9 de dezembro de 1987, ao agradecer o
Prêmio Nobel de Literatura daquele ano, com que foi agraciado.
Trata-se de observação
perfeita. A Literatura é, mesmo, atividade “viciante” (claro, para os que têm
talento para seu exercício e contam com o devido preparo lingüístico,
intelectual e cultural). Neste mesmo discurso, Brodsky acrescentou: “Os que
caem nesta espécie de dependência da linguagem, são, julgo eu, poetas”. Vou
mais longe e considero que este se torna incurável “vício” de todos escritores.
Eu, pelo menos, jamais cogitei em me “regenerar” dele. E me expressando,
“sempre”, como faz parte imutável do meu estilo, na primeira pessoa do
singular. E tenho dito!!!
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