Parsifal e o misticismo
de Wagner
Pedro
J. Bondaczuk
A
obra musical de Richard Wagner, sobretudo a operística, não tem similar na
música clássica. Reúne, simultaneamente, além do óbvio, ou seja, da melodia e
da harmonia, também filosofia, ciência e até de religião. Além, claro, de arte.
É homogênea, redonda, completa, perfeita. Como isso é possível? Ocorre que
Wagner, além de magistral maestro, era o próprio libretista. Ou seja, ao
contrário de outros compositores, elaborava todos os enredos de suas óperas,
sem delegar a tarefa a ninguém.
Algumas
composições (se não todas elas) são esotéricas, em seu melhor sentido. Exemplo?
“Parsifal”, uma de suas obras primas. Quem observou isso (até então eu não
havia atentado para esse aspecto) foi um especialista na matéria, José Milano,
membro da entidade “Programas Culturais Gnósticos do Brasil. Em uma conferência
que proferiu, há muito tempo, há quase 27 anos, em 21 de maio de 1986, no Tênis
Clube de Campinas, esse “expert” em música clássica e, sobretudo, em
esoterismo, além de traçar um perfil de Wagner, destacou seu caráter místico. E
concluiu, brilhantemente, que o compositor alemão foi “um grande iniciado, um
esoterista profundo, um autêntico iluminado’. Na sequência, abordou,
especificamente, “Parsifal”. E observou que nessa ópera “há ciência, filosofia,
arte e religião”.
Foi
aí que atentei para esse aspecto. Analisando outras óperas de Wagner, concluí,
sem nenhuma dificuldade, que elas também continham esses ingredientes que lhes
davam ainda maior conteúdo, mais profundidade e mais poesia. A propósito,
ainda, de “Parsifal”, Milano acrescentou, naquela oportunidade: “Tal como um
novo doutor Fausto, esse grande músico parece ter esquadrinhado antiqüíssimas
escrituras religiosas”. Creio que de fato esquadrinhou. Esclareço que o
mencionado doutor Fausto é uma referência ao célebre personagem do poeta alemão
Johann Wolfgang Göethe, aquele que vendeu a alma a Mefistófeles (o Demônio) em
troca de fama e fortuna.
Wagner
era, sobretudo, um místico. Mas, como apaixonado nacionalista, alimentou seu
misticismo não em fontes alheias à sua realidade. Encontrou inspiração nas
tradições germânicas. Foi profundamente fiel às raízes culturais do seu povo,
que conta com um dos maiores acervos de lendas e de mitos a que nós, que não
vivemos na Alemanha, pouco (ou nada) conhecemos.
Tendo
ao seu dispor esse material inesgotável, e virtualmente inexplorado, o polêmico
compositor deu asas à imaginação para criar composições inquietadoras,
místicas, delirantes, às vezes até selvagens em seu esplendor e em sua força
sugestiva. De todas suas obras, a que é mais discutida (e, pelo visto, menos
compreendida) é justamente a ópera “Parsifal”, que ele próprio costumava chamar
de “Festival Sagrado”. Nela, superstição e religião interligam-se, misturam-se,
fundem-se para produzir, como resultado, raríssima jóia de beleza e de
grandiosidade.
Essa
obra inspirou uma outra, igualmente muito famosa, e anterior a ela, que Wagner
compôs entre 1840 e 1847. Refiro-me a “Lohengrin”. Observa-se que transcorreram
sete anos até a conclusão dessa composição. O “Parsifal”, no entanto, levou
quatro vezes mais tempo para ser concluído, ou seja, 28 anos! O primeiro
instante de inspiração do compositor ocorreu em fins de 1847. E o momento
glorioso da conclusão verificou-se, apenas, na noite de 13 de janeiro de 1882.
Nesse
dia específico, Wagner estava jantando tranquilamente quando, sem dizer nada a
ninguém, especialmente à esposa, levantou-se, abruptamente da mesa e retirou-se
para seu gabinete de trabalho. Assustou-a, é claro. E o susto demorou bastante
para acabar. Passaram-se horas até que ele regressasse à sala de jantar, com um
olhar triunfante, trazendo debaixo do braço volumoso embrulho. Era a partitura
da obra completa, finalmente acabada, prontinha para ser apresentada ao mundo.
Embora
concluída antes, “Lohengrin” é conseqüência direta do “Parsifal”, uma espécie
de continuação. Entendo ser apropriado, portanto, para extrair o melhor de
ambas, analisá-las em ordem inversa. Ou seja, em primeiro lugar, a que foi
terminada depois. Esclareço por que. Lohengrin era filho de Parsifal, cavaleiro
da Ordem do Santo Graal. Pela lógica, como se vê, a segunda composição deveria
preceder à primeira. E era para ter precedido mesmo, se Wagner tivesse
conseguido concluí-la antes.
Para
que o leitor entenda o tema dessas duas óperas, é oportuno (na verdade
indispensável) que se esclareça o que é o “Santo Graal” (muitos não sabem).
Essa denominação é muito antiga e não se pode precisar, com absoluta certeza
sua origem. Alguns etimólogos afirmam que a expressão se originou do provençal
“grazal”. Outros contestam e dizem que proveio do espanhol arcaico “grial”. Uma
terceira corrente jura que a palavra derivou do nórdico “krater”. Embora os
etimólogos briguem até hoje sobre a origem do termo, eles concordam num ponto
essencial, no seu significado: prato..
O
graal seria, conforme crença difundida na Idade Média, uma espécie de
recipiente em que José de Arimatéia teria recolhido o sangue de Jesus Cristo,
brotado da chaga do flanco ferido pela lança de um centurião romano, após a
crucificação. Seria o mesmo prato utilizado pelo Messias na derradeira ceia, a
que realizou com os discípulos, antes de ser traído por Judas Iscariotes. A
traição, como se sabe, redundou na sua prisão e posterior sacrifício. Esse
graal teria se extraviado durante as Cruzadas, quando Jerusalém mudou várias
vezes de mãos, ficando ora de posse dos mouros, ora dos cristãos.
Parsifal,
de acordo com a lenda, era um dos seletíssimos cavaleiros destacados para a
guarda dessa preciosa relíquia. Esses homens, conforme tal versão, teriam
fantásticos poderes mágicos, além de caráter e comportamento rigorosamente
irrepreensíveis. O tema – antes de ser utilizado por Wagner – inspirou
importantes romances, escritos nos séculos XII e XIII, sobre os galantes
“campeões da justiça”, que preencheram as fantasias dos povos europeus por anos
e mais anos.
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