Sunday, August 25, 2013

Parsifal e o misticismo de Wagner

Pedro J. Bondaczuk

A obra musical de Richard Wagner, sobretudo a operística, não tem similar na música clássica. Reúne, simultaneamente, além do óbvio, ou seja, da melodia e da harmonia, também filosofia, ciência e até de religião. Além, claro, de arte. É homogênea, redonda, completa, perfeita. Como isso é possível? Ocorre que Wagner, além de magistral maestro, era o próprio libretista. Ou seja, ao contrário de outros compositores, elaborava todos os enredos de suas óperas, sem delegar a tarefa a ninguém.

Algumas composições (se não todas elas) são esotéricas, em seu melhor sentido. Exemplo? “Parsifal”, uma de suas obras primas. Quem observou isso (até então eu não havia atentado para esse aspecto) foi um especialista na matéria, José Milano, membro da entidade “Programas Culturais Gnósticos do Brasil. Em uma conferência que proferiu, há muito tempo, há quase 27 anos, em 21 de maio de 1986, no Tênis Clube de Campinas, esse “expert” em música clássica e, sobretudo, em esoterismo, além de traçar um perfil de Wagner, destacou seu caráter místico. E concluiu, brilhantemente, que o compositor alemão foi “um grande iniciado, um esoterista profundo, um autêntico iluminado’. Na sequência, abordou, especificamente, “Parsifal”. E observou que nessa ópera “há ciência, filosofia, arte e religião”.

Foi aí que atentei para esse aspecto. Analisando outras óperas de Wagner, concluí, sem nenhuma dificuldade, que elas também continham esses ingredientes que lhes davam ainda maior conteúdo, mais profundidade e mais poesia. A propósito, ainda, de “Parsifal”, Milano acrescentou, naquela oportunidade: “Tal como um novo doutor Fausto, esse grande músico parece ter esquadrinhado antiqüíssimas escrituras religiosas”. Creio que de fato esquadrinhou. Esclareço que o mencionado doutor Fausto é uma referência ao célebre personagem do poeta alemão Johann Wolfgang Göethe, aquele que vendeu a alma a Mefistófeles (o Demônio) em troca de fama e fortuna.

Wagner era, sobretudo, um místico. Mas, como apaixonado nacionalista, alimentou seu misticismo não em fontes alheias à sua realidade. Encontrou inspiração nas tradições germânicas. Foi profundamente fiel às raízes culturais do seu povo, que conta com um dos maiores acervos de lendas e de mitos a que nós, que não vivemos na Alemanha, pouco (ou nada) conhecemos.

Tendo ao seu dispor esse material inesgotável, e virtualmente inexplorado, o polêmico compositor deu asas à imaginação para criar composições inquietadoras, místicas, delirantes, às vezes até selvagens em seu esplendor e em sua força sugestiva. De todas suas obras, a que é mais discutida (e, pelo visto, menos compreendida) é justamente a ópera “Parsifal”, que ele próprio costumava chamar de “Festival Sagrado”. Nela, superstição e religião interligam-se, misturam-se, fundem-se para produzir, como resultado, raríssima jóia de beleza e de grandiosidade.

Essa obra inspirou uma outra, igualmente muito famosa, e anterior a ela, que Wagner compôs entre 1840 e 1847. Refiro-me a “Lohengrin”. Observa-se que transcorreram sete anos até a conclusão dessa composição. O “Parsifal”, no entanto, levou quatro vezes mais tempo para ser concluído, ou seja, 28 anos! O primeiro instante de inspiração do compositor ocorreu em fins de 1847. E o momento glorioso da conclusão verificou-se, apenas, na noite de 13 de janeiro de 1882.

Nesse dia específico, Wagner estava jantando tranquilamente quando, sem dizer nada a ninguém, especialmente à esposa, levantou-se, abruptamente da mesa e retirou-se para seu gabinete de trabalho. Assustou-a, é claro. E o susto demorou bastante para acabar. Passaram-se horas até que ele regressasse à sala de jantar, com um olhar triunfante, trazendo debaixo do braço volumoso embrulho. Era a partitura da obra completa, finalmente acabada, prontinha para ser apresentada ao mundo.

Embora concluída antes, “Lohengrin” é conseqüência direta do “Parsifal”, uma espécie de continuação. Entendo ser apropriado, portanto, para extrair o melhor de ambas, analisá-las em ordem inversa. Ou seja, em primeiro lugar, a que foi terminada depois. Esclareço por que. Lohengrin era filho de Parsifal, cavaleiro da Ordem do Santo Graal. Pela lógica, como se vê, a segunda composição deveria preceder à primeira. E era para ter precedido mesmo, se Wagner tivesse conseguido concluí-la antes.

Para que o leitor entenda o tema dessas duas óperas, é oportuno (na verdade indispensável) que se esclareça o que é o “Santo Graal” (muitos não sabem). Essa denominação é muito antiga e não se pode precisar, com absoluta certeza sua origem. Alguns etimólogos afirmam que a expressão se originou do provençal “grazal”. Outros contestam e dizem que proveio do espanhol arcaico “grial”. Uma terceira corrente jura que a palavra derivou do nórdico “krater”. Embora os etimólogos briguem até hoje sobre a origem do termo, eles concordam num ponto essencial, no seu significado: prato..

O graal seria, conforme crença difundida na Idade Média, uma espécie de recipiente em que José de Arimatéia teria recolhido o sangue de Jesus Cristo, brotado da chaga do flanco ferido pela lança de um centurião romano, após a crucificação. Seria o mesmo prato utilizado pelo Messias na derradeira ceia, a que realizou com os discípulos, antes de ser traído por Judas Iscariotes. A traição, como se sabe, redundou na sua prisão e posterior sacrifício. Esse graal teria se extraviado durante as Cruzadas, quando Jerusalém mudou várias vezes de mãos, ficando ora de posse dos mouros, ora dos cristãos.

Parsifal, de acordo com a lenda, era um dos seletíssimos cavaleiros destacados para a guarda dessa preciosa relíquia. Esses homens, conforme tal versão, teriam fantásticos poderes mágicos, além de caráter e comportamento rigorosamente irrepreensíveis. O tema – antes de ser utilizado por Wagner – inspirou importantes romances, escritos nos séculos XII e XIII, sobre os galantes “campeões da justiça”, que preencheram as fantasias dos povos europeus por anos e mais anos.


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