Saturday, August 03, 2013

Redemocratização por etapas

Pedro J. Bondaczuk

O Haiti, às duras penas, avança em seu processo rumo à normalidade democrática. O primeiro e decisivo passo foi dado em fevereiro passado, quando a população, cansada de ser espezinhada, aterrorizada, humilhada e explorada, rebelou-se, em todo o país, e criou uma situação, de tal forma crítica, que determinou a fuga de Jean-Claude Duvalier, pondo fim ao terrível reinado, de um quarto de século de duração, de Papa Doc e de seu herdeiro, o Baby Doc.

Houve, a princípio, uma certa excitação nos meios políticos desse país insular, no sentido de se exigir eleições presidenciais imediatas após a saída do presidente, rumo a um confortável e nababesco exílio na Riviera Francesa. Opositores que viviam exilados encararam com desconfiança a mudança de comando, com a ascensão de uma junta civil-militar para gerir, provisoriamente, a vida nacional. Alguns chegaram a argumentar, não sem uma forte dose de precipitação, que se estava substituindo uma ditadura por outra.

O tenente-general Henry Namphy, a quem coube a tarefa de governo, num pronunciamento público que fez, em março passado, em Port-au-Prince, definiu, com clareza, o calendário do processo de normalização democrática do Haiti. Prometeu, primeiro, uma eleição para a escolha de uma Assembléia Nacional Constituinte.

A Constituição que existia, de tão viciosa e dirigida que era, foi, simplesmente, abolida e o país passou a ser regido por uma carta provisória. Era evidente que, sem uma lei maior para reger o Estado, uma convocação às urnas, para eleger um presidente, seria uma atitude prematura e tenderia, somente, a criar problemas mais sérios no futuro.

Para um país que teve todas as instituições virtualmente deturpadas e bombardeadas por 25 anos de arbítrio (foi a mais terrível e hedionda ditadura que se tem notícia nas três Américas, onde o caudilhismo, infelizmente, ainda é uma praxe), era indispensável que se fizesse uma reorganização por etapas do Estado.

Hoje, finalmente, os haitianos poderão sentir o prazer de manifestar sua cidadania nas urnas. Pelas notícias procedentes da ilha, acredita-se numa votação ordeira e livre, isenta das mazelas que marcaram este tipo de consulta popular em um passado ainda recente e que transformaram a palavra “eleição” em sinônimo de farsa e de corrupção.

Dado este primeiro passo, e redigida a nova Constituição, o Haiti terá todas as condições de, enfim, eleger um presidente civil. O tenente-general Henry Namphy comprometeu-se em realizar esse processo em novembro do próximo ano. Face ao cumprimento da primeira parte do compromisso que assumiu com a população, não há porque duvidar que a segunda etapa também serás desenvolvida com a mesma lisura.

Aliás, este oficial jamais escondeu de ninguém o fato de que não deseja continuar no poder. Assegurou que assumiu a função mais como missão militar, que considera a mais relevante da sua carreira. Os que privam da sua intimidade garantem que o tenente-general estaria contando, nos dedos, os dias que faltam para chegar fevereiro de 1988, quando reitera que pretende dar posse a um presidente eleito. E, ademais, se fosse sua intenção manter-se encastelado na presidência, não teria o menor sentido convocar as eleições de hoje.

Não haveria a necessidade de entregar ao povo o Poder Constituinte. Bastaria que agisse como todos os caudilhos. Ou seja, que ordenasse a alguns juristas afeitos a orbitar à sombra do poder para que rabiscassem algumas das tantas aberrações jurídicas, geralmente apelidadas de “revolucionárias”, que se redigem por aí, que faria as vezes de uma Constituição. E que prosseguisse comandando o Haiti a ferro e fogo, como seus dois antecessores o fizeram, se valendo do terror semeado pela implacável polícia secreta da ditadura, a “Tonton Macoute”.

Namphy, ao colocar em andamento o processo de normalização democrática, além de bom-senso, demonstra ser um patriota. E é disso que o Haiti tanto precisa, após ter sido, por tanto tempo, mero feudo pessoal de uma única e tirânica família. Que assim seja!!!

(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 19 de outubro de 1986).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk      

No comments: