Friday, August 02, 2013

Crise, mudança, liderança e demagogia


Pedro J. Bondaczuk


As palavras crise e mudança, certamente, estão entre as mais utilizadas por todos os povos no decorrer da História, pelo menos da escrita. Problemas econômicos, de diversas naturezas e intensidades, foram causas de grandes conflitos, de imensas injustiças e de uma fartura infindável de retórica e de demagogia milênios afora.

Basta que uma determinada sociedade nacional revele incompetência para produzir e distribuir os bens que sua população necessita, ou os que possam ser trocados por elas com outros povos, para que surjam os charlatães que posam de salvadores da pátria. Aparecem, por sinal, sempre com a mesma conversa, não importa em que lugar ou em qual idioma.

Atacam, via de regra, a febre, nunca a infecção. Atuam sobre as conseqüências, jamais sobre as causas dos desequilíbrios econômicos. Pura irracionalidade!

A retórica dos poderosos, quando os governantes (boa parte deles) têm que dar satisfações aos governados, é invariável. Apela-se aos cidadãos para que “apertem os cintos”, mesmo que estes não tenham mais nenhum furo para apertar.

Esses magos das finanças juram, solenemente, que os mais humildes não serão afetados. A prática (dos sucessivos planos de reforma econômica conhecidos, dêem certo ou não) mostra, exatamente, o contrário. Os que pouco, ou nada, têm, invariavelmente são os que pagam a conta.

Decisões adotadas friamente, em confortáveis e luxuosos gabinetes, alteram a vida (na esmagadora maioria das vezes para pior) de milhões de seres humanos, que até então só conheceu sacrifícios e privações de toda a sorte, sem que essas pessoas pudessem e nem possam fazer qualquer coisa para evitar. São tratadas como rebanho, como massa, quando não como meros dados estatísticos, passivos de manipulação.

As sociedades democráticas contemporâneas têm discutido, cada vez mais, sobre se uma democracia autêntica comporta ou não lideranças fortes. Há os que temem líderes carismáticos, por causa de uma certa tendência que eles revelam para o culto à personalidade, que em geral descamba para a ditadura.

Mas o problema precisa ser, igualmente, dividido com os liderados. Estes têm que ter tirocínio para não se deixarem conduzir por qualquer megalomaníaco que fale bem, exponha com razoável clareza e lógica planos evidentemente mirabolantes (e, portanto, inexeqüíveis) e que, sobretudo, assumam postura de "salvadores da pátria".

O historiador norte-americano Arthur M. Schlesinger Jr. constatou: "A liderança pode modificar a história para melhor ou para pior. São os líderes os responsáveis pelos crimes mais horríveis e as loucuras mais extravagantes que desgraçaram a raça humana. Mas a eles também se credita terem induzido a humanidade a lutar pela liberdade individual, a justiça social e a tolerância religiosa e racial". Um corpo é absolutamente incapaz de sobreviver sem uma cabeça. O mesmo vale para uma sociedade acéfala. Ela acaba por se desagregar.

Mikhail Gorbachev e Saddam Hussein foram, ambos, líderes. Mas é possível igualar os dois, em suas respectivas atuações? Vaclav Havel e Muammar Khadafy também foram, assim como Adolf Hitler e Mohandas Karamanchand Gandhi. Mas as diferenças saltam à vista, sem que seja preciso lembrar a história para se fazer a diferenciação.

Nas democracias, as lideranças não se impõem através de golpes, conchavos, massacres, torturas e prisões em massa. Os líderes precisam mostrar clarividência e competir com outros que tenham a mesma aptidão. Submetem-se à escolha popular, correndo o risco de serem preteridos, através de indispensáveis mecanismos de voto, que entre nós boa parte dos cidadãos ainda não entendeu a relevância.

O pensador norte-americano Ralph Waldo Emerson explicou a razão de precisarmos de pessoas íntegras, de pulso forte e coração compassivo, que nos conduzam. Escreveu: "Nós nos nutrimos de gênio. Os grandes homens existem para que existam homens maiores".

Os liderados precisam desenvolver uma aptidão especial para identificar corretamente seu líder. Numa democracia, os erros podem ser corrigidos pelo exercício periódico do voto. Numa tirania, não. Alexis de Tocqueville alertou para esses riscos ao afirmar: "Uma democracia só pode obter a verdade como resultado da experiência; e muitas nações podem perecer enquanto aguardam as conseqüências do seu erro".

As invariáveis “recessões purgativas”, por exemplo, para deter processos inflacionários agudos e descontrolados, deflagrados por ações incompetentes de governos ineficazes (afinal, são eles que emitem moedas), determinam a perda de emprego – do seu ganha pão – de inúmeros pais de família, que já auferiam rendas irrisórias.

Seria interessante e, sobretudo, esclarecedor que se fizesse um levantamento honesto e criterioso para saber quantos países elaboram, ou estudam implantar, planos de ajuste econômico. Gregos, espanhóis, portugueses, irlandeses, italianos e cipriotas estão às voltas, atualmente, com medidas restritivas que vêm gerando desemprego em massa, descontentamento popular, protestos e violência. As medidas darão certo? Há segurança a propósito? Claro que não! E refiro-me, aqui, a democracias. Imaginem tudo isso em uma ditadura onde a mais inocente manifestação de descontentamento pode resultar na prisão, se não em coisa muito pior, para o infeliz que ousar agir assim.

Algo, portanto, está errado, muito errado, na própria forma do homem dito civilizado viver. O pior é que, na maioria dos países em dificuldades (entre 70% a 80% da comunidade mundial), os mais competentes, esforçados e capazes, em vez de serem premiados por suas virtudes, são, na verdade, penalizados.

Não é raro, nessas sociedades, se ver médicos, engenheiros, advogados e outros profissionais liberais de primeira classe exercendo funções muito aquém daquelas para as quais se prepararam e foram treinados a executar. E chamam isso de “democracia”. Aliás, essa palavra encobre uma série de tiranias e arremedos de liberdade mundo afora. São raros os ditadores (se é que existem) que admitem que o regime que encabeçam se trate de ditadura. Juram, por todas as juras, que se trate de “democracia”.  Conclui-se, daí, que embora mudem o cenário e os personagens, o enredo básico da história sempre tende a ter uma absurda e monótona repetição. É mais do mesmo e com idênticos resultados.


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