Fascínio
e paixão
Pedro J. Bondaczuk
A Literatura fascina-me, embevece-me e me apaixona. E essa paixão se manifesta
nas duas condições possíveis para o exercício dessa atividade: na de agente
passivo (de consumidor), ou seja, como leitor e na de ativo (de produtor), como
escritor (claro). Se me perguntassem qual desses dois papéis é o meu preferido,
não saberia definir. Essa indefinição, aliás, responde, por si só, à questão.
Deixa claro que amo exercer as duas funções, e simultaneamente, com o mesmo
entusiasmo e vigor e com idêntica ausência de limites e restrições, o que
caracteriza um amor.
Nem
preciso explicar, porquanto é lógico, que meu primeiro contato com as letras
foi na condição de leitor. Aprendi a ler, antes de freqüentar escola, aos cinco
anos de idade, com meu saudoso pai. Em vez de cartilha, como todas as crianças
são alfabetizadas, meu aprendizado se deu soletrando uma velha Bíblia. Ou seja,
desde o início dessa abertura intelectual para o mundo, comecei essa aventura
fascinante lendo as histórias de Jonas e a baleia; de como Jacó conquistou sua
primogenitura preparando um guisado de lentilhas para o pai, em detrimento do
irmão Esaú, que deveria receber a bênção paterna, mas não recebeu; de como José
se tornou, de escravo, governador, em sua passagem pelo Egito e outras tantas
histórias incorporadas definitivamente na cultura judaico cristã. Em última
instância, iniciei minha caminhada pelo mundo das letras pelos meandros da
Literatura: a sacra.
Escrever
idéias próprias (não me refiro a “copiar” textos alheios), comecei um pouco
mais tarde, aos nove anos de idade, orientado por duas saudosas (e
inesquecíveis) professorinhas primárias: Dona Helena e Dona Esther Freeman.
Ambas foram sumamente pacientes em corrigir minhas primeiras e tacanhas
composições e em estimular pequenos, mas contínuos progressos meus, com
precisas palavras de incentivo nos momentos oportunos. Estava selado meu
destino.
Eu,
que tanto me empenhei em ser médico, mal sabia que meu futuro estava traçado
desde o momento em que meu pai, com carinho e com indisfarçável orgulho,
ensinou-me a juntar letras para formar palavras, sentenças, parágrafos,
capítulos etc. naquela preciosa Bíblia. Tenho orgulho dele ter sido meu
primeiro mestre, aquele que me abriu os olhos à luz do conhecimento. Com isso,
exerceu, duplamente, o maravilhoso papel da paternidade. Ou seja, deu-me a vida
e depois deu-me uma razão nobre e poderosa para viver.
Há
quase meio século, sou jornalista por formação e escritor por opção. As duas
atividades têm uma série de similaridades e outro tanto de diferenças. Ambas
são exercidas mediante a palavra escrita. As duas objetivam comunicar idéias,
conceitos e informações. Todavia, o campo da Literatura não é tão restrito
quanto o do jornalismo. Diria que é irrestrito. É, virtualmente, infinito, até
onde possam chegar a criatividade e a imaginação. Pode ser objetiva, mas abre
amplos espaços à subjetividade. Não requer nem mesmo (não necessariamente)
verossimilhança em seus relatos, embora esta seja bem vinda.
Já
o jornalismo prima pela objetividade. Exige absoluto rigor no relato de fatos
testemunhados, sem acréscimos e nem omissões. Tem como regra “pétrea”
(infelizmente nem sempre seguida por “todos” os jornalistas), a total isenção
na redação de qualquer notícia. Nesta não cabe, nunca e em circunstância
alguma, qualquer opinião pessoal a propósito do acontecimento narrado. O texto
da reportagem tem que ser, SEMPRE, retrato fidelíssimo da ocorrência. Amo as
duas atividades, mas, se tivesse que optar por uma delas (felizmente não tenho)
minha preferência recairia na Literatura.
Pesquisando
em meus arquivos para redigir este texto de caráter confessional (que optei por
partilhar com vocês) – a intenção inicial era a de escrever outra coisa, mais
objetiva, todavia o tema, como está posto, acabou por se impor por si só, como
se tivesse vontade própria – dei de cara com estas observações do livro
“Fábulas da identidade”, do crítico literário canadense Northrop Frye, que
grifei quando da primeira leitura e que entendo caracterize bem o que é,
formalmente, a Literatura:
“Algumas
artes se movem no tempo, como a música; outras são apresentadas no espaço, como
a pintura. Em ambos os casos, o princípio organizador é a recorrência, que é
chamada de ritmo quando é temporal, e padrão, quando é espacial. Assim, falamos
do ritmo da música e do padrão da pintura: mas depois, para exibir nossa
sofisticação, podemos começar a falar em ritmo da pintura e padrão da música.
Em outras palavras, todas as artes podem ser concebidas tanto temporal quanto
espacialmente. A partitura de uma composição musical pode ser estudada toda de
uma vez; um quadro pode ser visto como trilha de uma intrincada dança do olho.
A literatura parece ser intermediária entre a música e a pintura; suas palavras
formam ritmos que se aproximam duma seqüência musical de sons numa de suas
fronteiras e formam padrões que se aproximam da imagem pictórica ou
hieroglífica na outra. As tentativas de se chegar tão próximo quanto possível
dessas fronteiras formam o corpo principal daquilo que se chama de escrita
experimental. Podemos chamar o ritmo da literatura de narrativa, e o padrão, a
apreensão mental simultânea da estrutura verbal, de significado ou
significação. Ouvimos e escutamos uma narrativa, mas quando compreendemos o
padrão total de um escritor ‘vemos’ o que ele quer dizer”. E Ftye não tem
razão?! Claro que sim!
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