Vacina
da informação
Pedro J. Bondaczuk
“O brasileiro é, sobretudo, um forte”, podemos
afirmar, parodiando Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, quando acompanhamos a
trajetória da atual epidemia de cólera que já atravessou, praticamente, toda a
América Latina, proveniente da Ásia, depois de haver passado pela África no
final da década de 80.
A razão da afirmação é óbvia, diante do caos em que
se encontra o sistema nacional de saúde e do quadro de miserabilidade do País.
Nessas circunstâncias, tão logo o vibrião colérico penetrou no Brasil, em 1991,
vindo do Peru, chegou a haver um princípio de histeria por parte de algumas
autoridades. E fazia sentido tanto temor. Pelas condições de miséria aqui
existentes, qualquer epidemia pode se transformar em tragédia.
Todavia, os cidadãos contemporâneos contam, hoje,
com um aliado, que nos séculos anteriores as populações não tinham: os meios de
comunicação, cada vez mais precisos, ágeis e voltados para o dia-a-dia das
pessoas. Televisões, jornais, rádios e revistas veiculam, a todo o instante,
sintomas da moléstia, formas de prevenção e primeiros cuidados.
Desde quando o cólera penetrou no País, já foram
registrados, estimadamente, 37 mil casos da doença, a maioria esmagadora em
pessoas totalmente desprotegidas, com condições aberrantes de habitação, de
nutrição, de abastecimento de água, de higiene e de saneamento básico.
Ainda assim – felizmente – o número de óbitos, de
390, computado o caso mais recente do Rio de Janeiro, ficou aquém de 1%. Não
vão muito distantes os tempos em que epidemias como essa, ou até mais fracas,
ceifavam milhões de vidas em questão de dias.
Foi o caso, por exemplo, da gripe espanhola, surgida
no Forte Riley, no Estado norte-americano do Kansas, em março de 1918, que se
espalhou, com grande rapidez, pelo mundo todo, matando 21,64 milhões de pessoas
num único ano. No Brasil, o então presidente eleito, Rodrigues Alves, morreu
poucos dias antes da posse para seu segundo mandato presidencial.
Hoje, com toda a miséria existente no País de
dimensões continentais, um desastre epidemiológico dessas proporções,
certamente adquiriria características catastróficas. A instantaneidade das
comunicações e a cobrança permanente às autoridades, por parte da imprensa,
acabam por compensar as carências da saúde, setor raramente tido como
prioritário pelos vários governos (basta ver a destinação de verbas para a
pasta, prevista nos orçamentos da União).
Mas nunca convém facilitar com epidemias. Uma delas,
de peste bubônica, por pouco elimina a espécie humana da face da Terra, em
quatro anos de duração, entre 1347 e 1351. Dos 150 milhões de habitantes que o
mundo de então contava, cerca de 75 milhões morreram, na Ásia, na Europa, na
África e na Groenlândia.
É certo que na ocasião não existiam antibióticos, a
medicina era um misto de feirtiçaria e curandeirismo e as pessoas acreditavam
que as doenças eram castigos dos deuses. Desde que os cuidados com a higiene
sejam mantidos, a água não tratada seja fervida ou misturada com hipoclorito de
sódio e os casos suspeitos tenham imediato tratamento aos primeiros sintomas, a
atual epidemia será debelada logo, sem maiores sustos ou estragos. Cuidados são
necessários, mas não há razões para pânico ou histeria.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 14 de março de 1993)
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