Crime
com muitos cúmplices
Pedro J. Bondaczuk
O Iraque, que na semana passada utilizou bombas
químicas contra uma aldeia do Curdistão, conquistada pelas tropas do Irã, está,
agora, ameaçando de selecionar várias cidades iranianas, densamente povoadas, para
atacar com esse tipo de armamento (proibido desde a Convenção de Genebra de
1925, mas que vem sendo vastamente empregado na guerra do Golfo Pérsico).
O pior de tudo é que o infrator, além de uma ou
outra inócua reprimenda pública, através da imprensa, por parte de políticos
das superpotências, não sofre qualquer sanção legal da comunidade
internacional. O crime permanece completamente impune. Dessa forma,
compactua-se com o delito, mediante o expediente covarde da omissão.
A guerra, apesar de ser uma atividade nociva pela
própria definição, que não condiz com os foros de inteligência e de civilização
do ser humano, sempre se pautou, em passado recente, por algumas regras, que
lhe davam uma certa (embora contestável) grandeza.
Tais normas, pelo menos na maior parte das vezes,
eram respeitadas pelas duas (ou mais) partes beligerantes. Referiam-se ao
tratamento a ser dispensado à população civil, aos prisioneiros e aos feridos.
Agora, no entanto, ela está se transformando no que renomados teóricos militares
sempre procuraram evitar que se tornasse: em pura explosão irracional de ódio,
onde só a destruição do inimigo (não importa de que forma) é que conta.
Uma das perguntas que se fazem, atualmente, se
refere a quem é o fornecedor das armas químicas ao Iraque que, ao que se saiba,
não as produz. Supõe-se que o material seja vendido pela União Soviética ou
pela França que, no caso, seriam cúmplices do crime cometido com o seu emprego,
caso isso se confirmasse.
Pelo visto, o senso ético, nos dias que correm, tornou-se
uma simples palavra, como outra qualquer, esvaziada do seu significado. Virou
ficção e foi substituído, na prática, pela cega e irrefreável ânsia de
desmedidos lucros. Mesmo que o resultado desse nefasto comércio da morte seja a
extinção de certas culturas, ou a mutilação cruel e brutal de mulheres,
crianças e velhos indefesos.
As cenas da aldeia curda de Halabja, atacada com
bombas químicas pela aviação iraquiana e mostradas pela televisão no mundo
todo, são chocantes, revoltantes e dantescas. São tão contundentes, que levaram
o porta-voz da Casa Branca, Marlin Fitzwater, homem acostumado a praticamente
tudo, a fazer um duro desabafo contra esse crime hediondo, na semana passada.
Agora é que seria a ocasião propícia para uma
intervenção do Conselho de Segurança da ONU, que fez tanta pressão para Teerã
aceitar uma trégua no Golfo. O episódio do Curdistão explica, ao menos em
parte, a razão da insistência iraniana em prosseguir no conflito até a vitória
(ou derrota) final.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 30 de março de 1988)
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