Obra concentrada em
jornais
Pedro
J. Bondaczuk
A escritora baiana,
Elvira Foeppel, tem uma obra literária publicada relativamente escassa. Isso,
em livros. A imensa maioria de seus textos destinou-se a jornais e revistas, e
não somente da Bahia, mas, sobretudo, do Rio de Janeiro, para onde se mudou em
1947 e onde desenvolveu carreira. Não, todavia, no mundo literário, como se
esperava, mas a de jornalista. E não se tratou de jornalismo, digamos,
“convencional”, o do noticiário do dia a dia. Elvira atuou, por anos a fio, em
uma publicação especializada em leis, até a aposentadoria.
Tão logo chegou à então
capital federal, com a cabeça cheia de sonhos e a determinação de ser escritora
– no que era, plenamente, apoiada pelos pais – sentiu a necessidade de arranjar
emprego para assegurar o sustento. E o que apareceu foi uma vaga na revista
“Súmula Trabalhista”, especializada, como o nome sugere, em leis,
especificamente do trabalho. Começou, pois, atuando como secretária de Redação.
Pretendia trabalhar ali por pouco tempo, até conseguir colocação mais
compatível com seu talento. O tempo, porém, foi passando, Elvira foi tomando
gosto pelo que fazia e não tardou a ser promovida ao cargo de redatora-chefe.
Em resumo, desempenhou um trabalho tão eficiente de chefia que permaneceu nele
até se aposentar, no início da década de 80.
Todavia, paralelamente,
em seus momentos de folga, Elvira deu sequência ao que mais sabia e mais
gostava de fazer: escrever textos literários. Só que estes eram destinados a
jornais e revistas cariocas, que publicaram uma infinidade deles. Caso fossem
reunidos em livros, certamente preencheriam volumes e mais volumes e comporiam
toda uma biblioteca de médio porte. Infelizmente, não se sabe porque, não fez
isso. Qualidade literária é que nunca lhe faltou. O grosso de sua obra,
portanto, concentra-se em arquivos dos jornais.
Seu amigo desde os
tempos de Ilhéus, Hélio Pólvora, com o qual se reencontrou no Rio de Janeiro –
com ele e com vários outros que conhecera nessa cidade baiana, como Sosígenes
Costa e Adonias Filho, entre dezenas de outros – assim se expressou a seu
respeito: “Muito lida, conhecedora dos bons textos em prosa e verso,
amadurecida, Elvira destacava-se, intelectualmente, em seu meio. Era uma mulher
que sabia das coisas”. E como sabia!
Sem prejuízo de sua
função na revista em que trabalhava, encontrou tempo para participar de
círculos (formais e informais) de amantes de Literatura, de jornalistas e
escritores, muitos deles já consagrados nacionalmente, como Nélida Piñon, Jorge
Medauar, Homero Homem, Walmir Ayala e José Cândido de Carvalho, entre tantos e
tantos e tantos outros. Dessa forma, influenciou e foi influenciada por estes
renomados intelectuais.
Seus livros foram
poucos, apenas três, mas todos impecáveis, quer quanto à forma, quer, e
principalmente, quanto ao conteúdo. O primeiro deles, o de estréia, foi
publicado quando já estava há nove anos no Rio, em 1956, intitulado “Chão e
poesia", que ela própria classificou como de “memórias curtas”.
Infelizmente, não tive a oportunidade de ler essa obra, mas localizei, em minha
hemeroteca, vários recortes de jornais exaltando sua qualidade. Não tenho,
pois, porque duvidar dessa avaliação positiva, aliás, unânime.
Esperava-se que, a
partir desse livro, a carreira de escritora iria, finalmente, “decolar”, com a
publicação de novas e muitas obras. Afinal, ela continuava publicando em
jornais, como “A Noite Carioca”, “Noite Ilustrada”, “Leitura” e “Jornal do
Brasil” textos e mais textos, a maioria crônicas, mas também contos e inspirados
poemas. Essa foi uma das suas fases mais produtivas. Elvira esbanjava talento,
acumulando elogios e multiplicando prestígio. Todavia, seu próximo livro,
“Círculo do medo”, ela publicou, somente, quatro anos depois do de estréia, ou
seja, em 1960, pela Editora Leitura. Este eu li e, portanto, entendo a razão de
haver sido tão exaltado pela crítica, opinião com a qual compactuo. É, de fato,
um primor literário, uma aula prática de como fazer boa ficção.
Trata-se de um livro de
contos (finalmente), do qual foi extraída a história “O crime”, que integra a
antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, Rio de Janeiro, 1963), que escolhi
como referência para esta série de estudos a propósito de alguns dos principais
ficcionistas baianos. “Bem, agora vai”, era a expectativa dos seus milhões de
fieis leitores em jornais, entre os quais, óbvio, me incluía, pois nessa altura
eu já havia sido contagiado por este incurável “vírus” (posto que não letal) da
Literatura. E foi mesmo. Ocorreu em grande estilo.
No ano seguinte, em
1961, Elvira Foeppel publicou, finalmente, um romance, “Muro frio” tão
aguardado por seus admiradores. O lançamento foi festejado pela crítica, como
havia ocorrido com os dois livros anteriores. e por seus inúmeros admiradores e
contou com a presença de ilustres e consagrados escritores, entre os quais
destaco Clarice Lispector, da qual a autora se tornara grande amiga e de quem
recebeu grande incentivo.
Esperava-se que a
ficcionista baiana viesse a publicar outras tantas obras, quem sabe de poesia
(era inspiradíssima poetisa), ou de crônicas (era cronista de causar inveja em
qualquer um), ou alguns romances ou, e principalmente, de contos, gênero que
dominava como poucos. Mas... Elvira não publicou mais livro algum nos 37 anos
seguintes, até sua morte, ocorrida em 28 de julho de 1998, aos 74 anos de
idade. Por que? É um mistério.
Desde fins da década de
70, ela reduziu, sensivelmente, até sua produção para jornais, e justo numa
época em que se esperava que fosse se dedicar com maior afinco à Literatura,
após haver se aposentado na revista jurídica em que trabalhava. O que
aconteceu? Elvira desinteressou-se pelo texto literário? Desencantou-se com a
atividade, de escassas alegrias e infinitas frustrações? Quem sabe? Talvez a
explicação seja um acidente vascular cerebral
(derrame) que sofreu e que deixou seqüelas, cujas complicações
levaram-na à morte. Mas isso ocorreu na década de 90 e ela reduziu sua produção
já a partir de 1980.
É verdade que Elvira
escreveu mais dois romances, que nunca chegaram a ser publicados e nem, podem
ser postumamente. Um , porque ficou inacabado. O outro? Uma circunstância
imprevisível impediu sua publicação. Tratou-se de um incêndio na Editora
“Leitura”. As chamas consumiram os originais do romance “Memória nua”, do qual
não havia nenhuma cópia. Vai daí... Já “Íntimos da morte” sequer chegou a ser
concluído. A morte da autora impediu sua conclusão. Uma pena, sem dúvida.
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