Tuesday, February 04, 2014

Obra concentrada em jornais

Pedro J. Bondaczuk

A escritora baiana, Elvira Foeppel, tem uma obra literária publicada relativamente escassa. Isso, em livros. A imensa maioria de seus textos destinou-se a jornais e revistas, e não somente da Bahia, mas, sobretudo, do Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1947 e onde desenvolveu carreira. Não, todavia, no mundo literário, como se esperava, mas a de jornalista. E não se tratou de jornalismo, digamos, “convencional”, o do noticiário do dia a dia. Elvira atuou, por anos a fio, em uma publicação especializada em leis, até a aposentadoria.

Tão logo chegou à então capital federal, com a cabeça cheia de sonhos e a determinação de ser escritora – no que era, plenamente, apoiada pelos pais – sentiu a necessidade de arranjar emprego para assegurar o sustento. E o que apareceu foi uma vaga na revista “Súmula Trabalhista”, especializada, como o nome sugere, em leis, especificamente do trabalho. Começou, pois, atuando como secretária de Redação. Pretendia trabalhar ali por pouco tempo, até conseguir colocação mais compatível com seu talento. O tempo, porém, foi passando, Elvira foi tomando gosto pelo que fazia e não tardou a ser promovida ao cargo de redatora-chefe. Em resumo, desempenhou um trabalho tão eficiente de chefia que permaneceu nele até se aposentar, no início da década de 80.

Todavia, paralelamente, em seus momentos de folga, Elvira deu sequência ao que mais sabia e mais gostava de fazer: escrever textos literários. Só que estes eram destinados a jornais e revistas cariocas, que publicaram uma infinidade deles. Caso fossem reunidos em livros, certamente preencheriam volumes e mais volumes e comporiam toda uma biblioteca de médio porte. Infelizmente, não se sabe porque, não fez isso. Qualidade literária é que nunca lhe faltou. O grosso de sua obra, portanto, concentra-se em arquivos dos jornais.

Seu amigo desde os tempos de Ilhéus, Hélio Pólvora, com o qual se reencontrou no Rio de Janeiro – com ele e com vários outros que conhecera nessa cidade baiana, como Sosígenes Costa e Adonias Filho, entre dezenas de outros – assim se expressou a seu respeito: “Muito lida, conhecedora dos bons textos em prosa e verso, amadurecida, Elvira destacava-se, intelectualmente, em seu meio. Era uma mulher que sabia das coisas”. E como sabia!

Sem prejuízo de sua função na revista em que trabalhava, encontrou tempo para participar de círculos (formais e informais) de amantes de Literatura, de jornalistas e escritores, muitos deles já consagrados nacionalmente, como Nélida Piñon, Jorge Medauar, Homero Homem, Walmir Ayala e José Cândido de Carvalho, entre tantos e tantos e tantos outros. Dessa forma, influenciou e foi influenciada por estes renomados intelectuais.

Seus livros foram poucos, apenas três, mas todos impecáveis, quer quanto à forma, quer, e principalmente, quanto ao conteúdo. O primeiro deles, o de estréia, foi publicado quando já estava há nove anos no Rio, em 1956, intitulado “Chão e poesia", que ela própria classificou como de “memórias curtas”. Infelizmente, não tive a oportunidade de ler essa obra, mas localizei, em minha hemeroteca, vários recortes de jornais exaltando sua qualidade. Não tenho, pois, porque duvidar dessa avaliação positiva, aliás, unânime.

Esperava-se que, a partir desse livro, a carreira de escritora iria, finalmente, “decolar”, com a publicação de novas e muitas obras. Afinal, ela continuava publicando em jornais, como “A Noite Carioca”, “Noite Ilustrada”, “Leitura” e “Jornal do Brasil” textos e mais textos, a maioria crônicas, mas também contos e inspirados poemas. Essa foi uma das suas fases mais produtivas. Elvira esbanjava talento, acumulando elogios e multiplicando prestígio. Todavia, seu próximo livro, “Círculo do medo”, ela publicou, somente, quatro anos depois do de estréia, ou seja, em 1960, pela Editora Leitura. Este eu li e, portanto, entendo a razão de haver sido tão exaltado pela crítica, opinião com a qual compactuo. É, de fato, um primor literário, uma aula prática de como fazer boa ficção.

Trata-se de um livro de contos (finalmente), do qual foi extraída a história “O crime”, que integra a antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, Rio de Janeiro, 1963), que escolhi como referência para esta série de estudos a propósito de alguns dos principais ficcionistas baianos. “Bem, agora vai”, era a expectativa dos seus milhões de fieis leitores em jornais, entre os quais, óbvio, me incluía, pois nessa altura eu já havia sido contagiado por este incurável “vírus” (posto que não letal) da Literatura. E foi mesmo. Ocorreu em grande estilo.

No ano seguinte, em 1961, Elvira Foeppel publicou, finalmente, um romance, “Muro frio” tão aguardado por seus admiradores. O lançamento foi festejado pela crítica, como havia ocorrido com os dois livros anteriores. e por seus inúmeros admiradores e contou com a presença de ilustres e consagrados escritores, entre os quais destaco Clarice Lispector, da qual a autora se tornara grande amiga e de quem recebeu grande incentivo.

Esperava-se que a ficcionista baiana viesse a publicar outras tantas obras, quem sabe de poesia (era inspiradíssima poetisa), ou de crônicas (era cronista de causar inveja em qualquer um), ou alguns romances ou, e principalmente, de contos, gênero que dominava como poucos. Mas... Elvira não publicou mais livro algum nos 37 anos seguintes, até sua morte, ocorrida em 28 de julho de 1998, aos 74 anos de idade. Por que? É um mistério.

Desde fins da década de 70, ela reduziu, sensivelmente, até sua produção para jornais, e justo numa época em que se esperava que fosse se dedicar com maior afinco à Literatura, após haver se aposentado na revista jurídica em que trabalhava. O que aconteceu? Elvira desinteressou-se pelo texto literário? Desencantou-se com a atividade, de escassas alegrias e infinitas frustrações? Quem sabe? Talvez a explicação seja um acidente vascular cerebral  (derrame) que sofreu e que deixou seqüelas, cujas complicações levaram-na à morte. Mas isso ocorreu na década de 90 e ela reduziu sua produção já a partir de 1980.

É verdade que Elvira escreveu mais dois romances, que nunca chegaram a ser publicados e nem, podem ser postumamente. Um , porque ficou inacabado. O outro? Uma circunstância imprevisível impediu sua publicação. Tratou-se de um incêndio na Editora “Leitura”. As chamas consumiram os originais do romance “Memória nua”, do qual não havia nenhuma cópia. Vai daí... Já “Íntimos da morte” sequer chegou a ser concluído. A morte da autora impediu sua conclusão. Uma pena, sem dúvida.


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