Saturday, February 08, 2014

Infiel à “dama caprichosa e exigente”

Pedro J. Bondaczuk

A Literatura é uma dama caprichosa que exige antes de tudo dedicação plena”. Quem fez essa afirmação é um dos mais completos escritores, tanto da Bahia, quanto do País, Hélio Pólvora de Almeida. O pitoresco é que justamente ele, de certa forma, desmentiu, na prática, essa declaração, que considero correta. Só acrescentaria que essa “senhora”, tão cheia de caprichos e de dengos, nem sempre recompensa devidamente quem lhe devota tanto esforço. Aliás, atrevo-me a dizer, são raros os que não se frustram ao cabo de uma vida inteira dedicada às letras, com o sacrifício de tantos e tantos outros interesses. A maioria dos escritores (e aqui refiro-me aos bons), cai no ostracismo e só é lembrada ocasionalmente, diria, até, acidentalmente.

Não afirmo que Hélio não tivesse se dedicado à Literatura. Jamais afirmaria isso. Afinal, não foi por acaso que nos legou uma obra tão consistente e inovadora, quanto é a sua, de mais de vinte e cinco livros publicados. E todos são tão bons, que não consigo apontar um específico como sendo o “melhor” que publicou. Mas, é preciso? O ficcionista grapiuna dedicou-se, sim, a essa “dama caprichosa”. Todavia essa dedicação não foi plena. Pelo menos, não foi exclusiva. Partilhou-a com o jornalismo, que nas redações de jornais costumamos classificar como sendo “cachaça”. Ou seja, é algo que faz mal, todavia, vicia. Esse prejuízo a que me refiro não é necessariamente à saúde (embora os excessos de trabalho, volta e meia, redundem em prejuízos físicos às vezes irreparáveis). É, mais especificamente, ao bolso.

Após concluir o curso primário na sua cidade natal, Itabuna – onde nasceu, numa fazenda de cacau, em um distante mês de outubro de 1928 – foi para Salvador, completar os estudos. Em vez de permanecer na capital de seu Estado, onde as oportunidades são, ao menos potencialmente, muito maiores, não foi o que fez. Tão logo diplomou-se no então curso secundário, voltou, correndo, ao seu local de origem, à terra do cacau. E retornou a Itabuna, que chamava de “ventre dos cacauais”, para o quê? Para exercer jornalismo. Poderia tê-lo feito em Salvador, óbvio. Optou, no entanto, em regressar, em 1947, às suas origens. Praticou jornalismo em um jornal que sequer era diário, mas semanal: “AVoz de Itabuna”, onde trabalhou por cinco anos. Atuou, também, na imprensa de Ilhéus. E, simultaneamente, foi correspondente de jornais de Salvador na região cacaueira.

Será que neste tempo todo já não fazia Literatura? Certamente que sim, posto que ainda fosse escritor inédito. Não havia publicado nenhum livro. Dedicava-se, pois, à tal “dama caprichosa”, mas não plenamente. Porquanto dividindo sua dedicação com o jornalismo. Só veio a publicar seu primeiro volume de contos quando já estava há cinco anos no Rio de Janeiro e já havia passado pela redação dos mais importantes jornais da Cidade Maravilhosa. Esse livro, que muitos consideram, ainda hoje, o melhor dos que escreveu e publicou, foi “Os galos da aurora”, lançado em 1958 pela Editora Civilização Brasileira, uma das mais prestigiosas da época. O lançamento foi recebido entusiasticamente pela crítica e todas as portas do mundo literário lhe foram escancaradas a partir de então.

Hélio Pólvora, portanto, dedicou-se, sim, a essa “dama caprichosa” que é a Literatura. Todavia, reitero, não se tratou de dedicação exclusiva. Querem uma prova? Nos trinta e dois anos que permaneceu no Rio de Janeiro, passou por praticamente todas as redações de jornais cariocas, pelo menos dos principais. Foi nelas que assinou centenas de rodapés de crítica literária. Foi nessas autênticas “escolas de textos” que se iniciou na prosa de ficção, ao ponto de se tornar um dos principais ficcionistas baianos e brasileiros. Tanto que, pelo menos sete dos seus principais livros – “Os galos da aurora” (1958), “Estranhos e assustados” (1966), “Noites vivas” (1971), “Massacre no km 13” (1978), “O grito da perdiz” (1982), “Mar de Azov” (1986) e “Xerazade” (1990) – são de histórias curtas e de novelas.

E ao regressar à Bahia, após 32 anos de ausência (uma vida!), foi para fazer o quê? Para fazer jornalismo. Não exclusivamente, é certo, porquanto nunca se doou com exclusividade a nada, no que fez muito bem. Mas talvez (diria provavelmente) ele pudesse ou possa dizer o que eu sempre dizia, em tom de galhofa, nas redações pelas quais passei: “Nas minhas veias não circula sangue, mas tinta de jornal”. Em Salvador, passou a assinar concorrida coluna semanal em “A Tarde”, de artigos comentando a situação política, econômica e social do País e, sobretudo, de crônicas. Mas não se esqueceu (como poderia?!),do “ventre dos cacauais”. Passou a presidir a Fundação Cultural de Ilhéus. E de quebra, para não deixar de servir à tal “dama caprichosa”, assumiu a coordenação do site “Jornal de Contos” (WWW.jornaldecontos.com.br).

Na entrevista que deu para o pesquisador Leonardo Campos, Hélio Pólvora criticou determinados pseudo-homens de letras que só poluem o ambiente literário e desacreditam os que servem, de fato, a essa tão exigente senhora, que é Literatura. Afirmou, a propósito, com a credibilidade que sua condição de crítico lhe confere: “(...) Há mais escritores do que leitores. Todos imitam os orangotangos: esmurram o peito e urram. Já não tenho tempo para os escritores novos, quase todos donos da verdade, senhores de descobertas e conquistas, sinalizadores de vanguardas que só existem para eles. Há alguns bons copistas. O mais detestável, no entanto, é essa literatura de auto-ajuda, além do famigerado best-seller. Contribui para imbecilizar ainda mais a sociedade”. E não está certo? Claro que sim!!!


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