Infiel à “dama
caprichosa e exigente”
Pedro
J. Bondaczuk
“A Literatura é uma
dama caprichosa que exige antes de tudo dedicação plena”. Quem fez essa
afirmação é um dos mais completos escritores, tanto da Bahia, quanto do País,
Hélio Pólvora de Almeida. O pitoresco é que justamente ele, de certa forma,
desmentiu, na prática, essa declaração, que considero correta. Só acrescentaria
que essa “senhora”, tão cheia de caprichos e de dengos, nem sempre recompensa
devidamente quem lhe devota tanto esforço. Aliás, atrevo-me a dizer, são raros
os que não se frustram ao cabo de uma vida inteira dedicada às letras, com o
sacrifício de tantos e tantos outros interesses. A maioria dos escritores (e
aqui refiro-me aos bons), cai no ostracismo e só é lembrada ocasionalmente,
diria, até, acidentalmente.
Não afirmo que Hélio
não tivesse se dedicado à Literatura. Jamais afirmaria isso. Afinal, não foi
por acaso que nos legou uma obra tão consistente e inovadora, quanto é a sua,
de mais de vinte e cinco livros publicados. E todos são tão bons, que não
consigo apontar um específico como sendo o “melhor” que publicou. Mas, é
preciso? O ficcionista grapiuna dedicou-se, sim, a essa “dama caprichosa”.
Todavia essa dedicação não foi plena. Pelo menos, não foi exclusiva.
Partilhou-a com o jornalismo, que nas redações de jornais costumamos
classificar como sendo “cachaça”. Ou seja, é algo que faz mal, todavia, vicia.
Esse prejuízo a que me refiro não é necessariamente à saúde (embora os excessos
de trabalho, volta e meia, redundem em prejuízos físicos às vezes
irreparáveis). É, mais especificamente, ao bolso.
Após concluir o curso
primário na sua cidade natal, Itabuna – onde nasceu, numa fazenda de cacau, em
um distante mês de outubro de 1928 – foi para Salvador, completar os estudos. Em
vez de permanecer na capital de seu Estado, onde as oportunidades são, ao menos
potencialmente, muito maiores, não foi o que fez. Tão logo diplomou-se no então
curso secundário, voltou, correndo, ao seu local de origem, à terra do cacau. E
retornou a Itabuna, que chamava de “ventre dos cacauais”, para o quê? Para
exercer jornalismo. Poderia tê-lo feito em Salvador, óbvio. Optou, no entanto,
em regressar, em 1947, às suas origens. Praticou jornalismo em um jornal que
sequer era diário, mas semanal: “AVoz de Itabuna”, onde trabalhou por cinco
anos. Atuou, também, na imprensa de Ilhéus. E, simultaneamente, foi
correspondente de jornais de Salvador na região cacaueira.
Será que neste tempo
todo já não fazia Literatura? Certamente que sim, posto que ainda fosse
escritor inédito. Não havia publicado nenhum livro. Dedicava-se, pois, à tal
“dama caprichosa”, mas não plenamente. Porquanto dividindo sua dedicação com o
jornalismo. Só veio a publicar seu primeiro volume de contos quando já estava
há cinco anos no Rio de Janeiro e já havia passado pela redação dos mais
importantes jornais da Cidade Maravilhosa. Esse livro, que muitos consideram,
ainda hoje, o melhor dos que escreveu e publicou, foi “Os galos da aurora”,
lançado em 1958 pela Editora Civilização Brasileira, uma das mais prestigiosas
da época. O lançamento foi recebido entusiasticamente pela crítica e todas as
portas do mundo literário lhe foram escancaradas a partir de então.
Hélio Pólvora,
portanto, dedicou-se, sim, a essa “dama caprichosa” que é a Literatura.
Todavia, reitero, não se tratou de dedicação exclusiva. Querem uma prova? Nos
trinta e dois anos que permaneceu no Rio de Janeiro, passou por praticamente
todas as redações de jornais cariocas, pelo menos dos principais. Foi nelas que
assinou centenas de rodapés de crítica literária. Foi nessas autênticas
“escolas de textos” que se iniciou na prosa de ficção, ao ponto de se tornar um
dos principais ficcionistas baianos e brasileiros. Tanto que, pelo menos sete
dos seus principais livros – “Os galos da aurora” (1958), “Estranhos e
assustados” (1966), “Noites vivas” (1971), “Massacre no km 13” (1978), “O grito
da perdiz” (1982), “Mar de Azov” (1986) e “Xerazade” (1990) – são de histórias
curtas e de novelas.
E ao regressar à Bahia,
após 32 anos de ausência (uma vida!), foi para fazer o quê? Para fazer
jornalismo. Não exclusivamente, é certo, porquanto nunca se doou com
exclusividade a nada, no que fez muito bem. Mas talvez (diria provavelmente)
ele pudesse ou possa dizer o que eu sempre dizia, em tom de galhofa, nas
redações pelas quais passei: “Nas minhas veias não circula sangue, mas tinta de
jornal”. Em Salvador, passou a assinar concorrida coluna semanal em “A Tarde”,
de artigos comentando a situação política, econômica e social do País e,
sobretudo, de crônicas. Mas não se esqueceu (como poderia?!),do “ventre dos
cacauais”. Passou a presidir a Fundação Cultural de Ilhéus. E de quebra, para
não deixar de servir à tal “dama caprichosa”, assumiu a coordenação do site
“Jornal de Contos” (WWW.jornaldecontos.com.br).
Na entrevista que deu
para o pesquisador Leonardo Campos, Hélio Pólvora criticou determinados
pseudo-homens de letras que só poluem o ambiente literário e desacreditam os
que servem, de fato, a essa tão exigente senhora, que é Literatura. Afirmou, a
propósito, com a credibilidade que sua condição de crítico lhe confere: “(...)
Há mais escritores do que leitores. Todos imitam os orangotangos: esmurram o
peito e urram. Já não tenho tempo para os escritores novos, quase todos donos
da verdade, senhores de descobertas e conquistas, sinalizadores de vanguardas
que só existem para eles. Há alguns bons copistas. O mais detestável, no
entanto, é essa literatura de auto-ajuda, além do famigerado best-seller.
Contribui para imbecilizar ainda mais a sociedade”. E não está certo? Claro que
sim!!!
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