Terror de Estado na
interpretação européia
Pedro J. Bondaczuk
A
Líbia continua pagando um preço cada vez mais alto pela ousadia de ter
desafiado os Estados Unidos. Não nos referimos somente aos bombardeios que os
aviões norte-americanos efetuaram sobre Tripoli e Benghazi, em 15 de abril
passado, embora esse incidente tenha tido enorme gravidade, aliás, já
ressaltada por todos. O pior veio depois e a cada dia vai se consumando mais.
Os líbios estão ficando literalmente isolados no mundo, principalmente entre os
seus parceiros comerciais europeus de outrora.
Itália,
Espanha, França e Grã-Bretanha fizeram expulsões em massa de cidadãos desse
país, sob os mais diversos pretextos. Na maior parte das vezes, as medidas
basearam-se em vagas declarações de que os expulsos "exerciam atividades
incompatíveis com seus respectivos status". Muitas cumplicidades de
diplomatas com ações terroristas foram assinaladas, envolvendo até mesmo
embaixadores.
O
que o crítico estranha é que somente agora esse fenômeno tenha ocorrido ou sido
revelado e que num passado ainda recente, anterior às pressões norte-americanas
sobre a Europa, raríssimos casos dessa espécie tenham acontecido.
A
conclusão a que se chega é que antes, ou os líbios participavam de ações de
terror e as autoridades européias faziam "vistas grossas" a isso
(temendo contrariar um importante parceiro comercial) ou nunca agiram assim e
agora seus diplomatas estão sendo acusados e expulsos injustamente, com o único
objetivo de se agradar ao presidente Reagan
É
muito difícil, por melhor que se esteja informado, dizer com certeza o que se
passa nos meandros da política das grandes potências. Estranha-se que se use de
tanto rigor contra a Líbia (com base apenas em insinuações e vagas suspeitas),
enquanto se age com suspeita complacência em relação à África do Sul, que faz o
que bem entende, impunemente. E não estamos nos referindo somente a essa
anacrônica barbaridade racista, chamada de "apartheid".
Os
sul-africanos, há duas semanas, atacaram, sem esta ou mais aquela, três países
soberanos e independentes e soberanos da África, sem que ninguém adotasse
nenhuma espécie de sanção contra Pretória. A Casa Branca enviou, apenas, uma
vaga nota de condenação, na qual foi necessário muito esforço para se perceber
que se tratava de uma reprimenda e não de um amontoado de generalidades.
A
Grã-Bretanha elaborou um comunicado um pouco mais duro, mas ficou apenas nisso.
Mas sua obrigação seria a de tomar medida mais enérgica, já que as nações
agredidas estão fortemente ligadas à Coroa Britânica, através da
"Commonwealth". Da maioria dos europeus, nem sequer essa providência
partiu. Houve apenas um suspeito e comprometedor silêncio da CEE.
É
essa dualidade que desacredita a política das potências ocidentais perante a
comunidade internacional. Terrorismo de Estado, ao nosso ver, é o fato de um
país atacar outro sem que tenha tentado antes o caminho diplomático para
resolver eventuais pendências. bSem que haja nem ao menos clima de estado de
guerra com quem foi atacado. Sem a menor consideração por soberania,
independência ou coisa que o valha. Se a Líbia, portanto, for um Estado
patrocinador do terror, há muitos outros que vão mais longe do que ela e não
somente o patrocinam, como o praticam diretamente.
(Artigo
publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 1º de junho de
1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment