Friday, February 14, 2014

Terror de Estado na interpretação européia


Pedro J. Bondaczuk


A Líbia continua pagando um preço cada vez mais alto pela ousadia de ter desafiado os Estados Unidos. Não nos referimos somente aos bombardeios que os aviões norte-americanos efetuaram sobre Tripoli e Benghazi, em 15 de abril passado, embora esse incidente tenha tido enorme gravidade, aliás, já ressaltada por todos. O pior veio depois e a cada dia vai se consumando mais. Os líbios estão ficando literalmente isolados no mundo, principalmente entre os seus parceiros comerciais europeus de outrora.

Itália, Espanha, França e Grã-Bretanha fizeram expulsões em massa de cidadãos desse país, sob os mais diversos pretextos. Na maior parte das vezes, as medidas basearam-se em vagas declarações de que os expulsos "exerciam atividades incompatíveis com seus respectivos status". Muitas cumplicidades de diplomatas com ações terroristas foram assinaladas, envolvendo até mesmo embaixadores.

O que o crítico estranha é que somente agora esse fenômeno tenha ocorrido ou sido revelado e que num passado ainda recente, anterior às pressões norte-americanas sobre a Europa, raríssimos casos dessa espécie tenham acontecido.

A conclusão a que se chega é que antes, ou os líbios participavam de ações de terror e as autoridades européias faziam "vistas grossas" a isso (temendo contrariar um importante parceiro comercial) ou nunca agiram assim e agora seus diplomatas estão sendo acusados e expulsos injustamente, com o único objetivo de se agradar ao presidente Reagan

É muito difícil, por melhor que se esteja informado, dizer com certeza o que se passa nos meandros da política das grandes potências. Estranha-se que se use de tanto rigor contra a Líbia (com base apenas em insinuações e vagas suspeitas), enquanto se age com suspeita complacência em relação à África do Sul, que faz o que bem entende, impunemente. E não estamos nos referindo somente a essa anacrônica barbaridade racista, chamada de "apartheid".

Os sul-africanos, há duas semanas, atacaram, sem esta ou mais aquela, três países soberanos e independentes e soberanos da África, sem que ninguém adotasse nenhuma espécie de sanção contra Pretória. A Casa Branca enviou, apenas, uma vaga nota de condenação, na qual foi necessário muito esforço para se perceber que se tratava de uma reprimenda e não de um amontoado de generalidades.

A Grã-Bretanha elaborou um comunicado um pouco mais duro, mas ficou apenas nisso. Mas sua obrigação seria a de tomar medida mais enérgica, já que as nações agredidas estão fortemente ligadas à Coroa Britânica, através da "Commonwealth". Da maioria dos europeus, nem sequer essa providência partiu. Houve apenas um suspeito e comprometedor silêncio da CEE.

É essa dualidade que desacredita a política das potências ocidentais perante a comunidade internacional. Terrorismo de Estado, ao nosso ver, é o fato de um país atacar outro sem que tenha tentado antes o caminho diplomático para resolver eventuais pendências. bSem que haja nem ao menos clima de estado de guerra com quem foi atacado. Sem a menor consideração por soberania, independência ou coisa que o valha. Se a Líbia, portanto, for um Estado patrocinador do terror, há muitos outros que vão mais longe do que ela e não somente o patrocinam, como o praticam diretamente.

(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 1º de junho de 1986)


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