Saturday, February 01, 2014

Justiça fica acima do perdão


Pedro J. Bondaczuk


Os ditadores, quando ocupam ilegitimamente seus cargos, à revelia da vontade nacional, que eles nunca levam em conta, respaldados pela truculência, jamais pensam que são também humanos. Julgam-se deuses revestidos de todos os poderes possíveis e imagináveis e tripudiam sobre o direito, as leis e a moral.

Prendem seus opositores, muitas vezes somente porque não simpatizam com eles, ordenam torturas e assassinatos e dilapidam os cofres públicos, que tratam como sendo suas propriedades particulares. Até que um dia, da mesma forma com que assumiram suas funções, as perdem. Ou seja, mediante o recurso irrecorrível da força.

Findam por ser escorraçados. Ou por algum idealista, que convoca eleições e faz a vontade popular ser respeitada, restabelecendo o estado de direito, ou por outro ditador. Quando tais caudilhos caem, em geral, obtêm asilo político imediato daqueles a quem serviram quando estavam no governo (na maioria das vezes em detrimento dos seus povos). Ou seja, acabam sendo premiados por sua truculência, ao invés de serem levados às barras dos tribunais para responder por seus crimes.

Isto ficou mais do que evidente nos últimos tempos e sequer é preciso citar nominalmente qualquer um desses “gorilas”. Quando algum deles morre, sempre aparece quem tente tornar suas ações menos reprováveis. Tais analistas desmemoriados procuram achar as poucas coisas boas que o ditador fez (e por pior que seja uma pessoa, mesmo que por descuido, algo de útil finda por executar) para ressaltar. Quanto aos crimes, torturas, negociatas vergonhosas e dilapidação do bem público, pouco dizem.

Há, agora, quem tente fazer isso com Ferdinand Marcos. Mesmo nas Filipinas, as “viúvas da ditadura”, aqueles parasitas que sobrevivem à sombra dos poderosos, à cata das migalhas que caem de sua mesa, em troca de privilégios ilegais, há quem procure despertar a piedade da população, para que a opinião pública pressione a presidenta Corazón Aquino para que ela deixe o ex-ditador ser sepultado nesse país.

Será que com seus restos mortais voltarão os US$ 10 bilhões que ele levou para bancos suíços ou aplicou em imóveis e obras de arte nos Estados Unidos? Será que com o seu retorno, as viúvas, órfãos e os que perderam amigos caros poderão ter seus entes queridos de volta?

A piedade, de fato, é um grande sentimento. O espírito de perdão é uma das maiores virtudes que um ser humano pode ter. Mas a justiça deve prevalecer sobre ambos. Pois seria injusto para as vítimas de Marcos (e foram tantas!), perdoar o mal que ele fez.


(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 29 de setembro de 1989).

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