Justiça fica acima do perdão
Pedro J. Bondaczuk
Os ditadores, quando ocupam
ilegitimamente seus cargos, à revelia da vontade nacional, que eles nunca levam
em conta, respaldados pela truculência, jamais pensam que são também humanos.
Julgam-se deuses revestidos de todos os poderes possíveis e imagináveis e
tripudiam sobre o direito, as leis e a moral.
Prendem
seus opositores, muitas vezes somente porque não simpatizam com eles, ordenam
torturas e assassinatos e dilapidam os cofres públicos, que tratam como sendo
suas propriedades particulares. Até que um dia, da mesma forma com que
assumiram suas funções, as perdem. Ou seja, mediante o recurso irrecorrível da
força.
Findam
por ser escorraçados. Ou por algum idealista, que convoca eleições e faz a
vontade popular ser respeitada, restabelecendo o estado de direito, ou por
outro ditador. Quando tais caudilhos caem, em geral, obtêm asilo político
imediato daqueles a quem serviram quando estavam no governo (na maioria das
vezes em detrimento dos seus povos). Ou seja, acabam sendo premiados por sua
truculência, ao invés de serem levados às barras dos tribunais para responder
por seus crimes.
Isto
ficou mais do que evidente nos últimos tempos e sequer é preciso citar
nominalmente qualquer um desses “gorilas”. Quando algum deles morre, sempre
aparece quem tente tornar suas ações menos reprováveis. Tais analistas
desmemoriados procuram achar as poucas coisas boas que o ditador fez (e por
pior que seja uma pessoa, mesmo que por descuido, algo de útil finda por executar)
para ressaltar. Quanto aos crimes, torturas, negociatas vergonhosas e
dilapidação do bem público, pouco dizem.
Há,
agora, quem tente fazer isso com Ferdinand Marcos. Mesmo nas Filipinas, as
“viúvas da ditadura”, aqueles parasitas que sobrevivem à sombra dos poderosos,
à cata das migalhas que caem de sua mesa, em troca de privilégios ilegais, há
quem procure despertar a piedade da população, para que a opinião pública
pressione a presidenta Corazón Aquino para que ela deixe o ex-ditador ser
sepultado nesse país.
Será
que com seus restos mortais voltarão os US$ 10 bilhões que ele levou para
bancos suíços ou aplicou em imóveis e obras de arte nos Estados Unidos? Será
que com o seu retorno, as viúvas, órfãos e os que perderam amigos caros poderão
ter seus entes queridos de volta?
A
piedade, de fato, é um grande sentimento. O espírito de perdão é uma das
maiores virtudes que um ser humano pode ter. Mas a justiça deve prevalecer
sobre ambos. Pois seria injusto para as vítimas de Marcos (e foram tantas!), perdoar
o mal que ele fez.
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 29 de setembro de
1989).
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