Avaliação sem exagero
de um talento exagerado
Pedro
J. Bondaczuk
O sétimo escritor (pela
ordem de publicação) a ter conto inserido na antologia “Histórias da Bahia”
(Edições GDR, Rio de Janeiro, 1963), que tomei como referência para esta série
de estudos sobre alguns dos principais ficcionistas baianos, é Deocleciano Martins
de Oliveira. Expressado assim, sem a aposição de um qualificativo à frente do
seu nome, poucos o reconhecem ou ao menos conhecem. Pelo menos, fora dos
limites do seu Estado. Acho isso incompreensível e até inconcebível. Como pode
ser considerado “anônimo” um escritor que deixou vasta e variada obra
literária, em praticamente todos os gêneros? Pois é. Poucos o conhecem como
homem de letras. Pelo menos, na maior parte do País.
Perguntei a seu
respeito a um punhado de escritores, de críticos e de jornalistas, e nenhum
deles o identificou. Como pode, se Martins de Oliveira conquistou dois prêmios
da Academia Brasileira de Letras, um de contos, com o livro “No país das
carnaúbas” e outro de romance, com “Os romeiros”? Isso me assusta! Passa-me a
impressão de que a permanência de nossa obra independe da sua qualidade. Que
está na dependência exclusiva do fortuito, do mero acaso. E, principalmente,
que é inútil nosso esforço para legar às gerações futuras algo de sumamente
útil e bom, que pode, por uma série de circunstâncias, ser absolutamente
ignorado e esquecido e de tudo o que fizemos ter sido em vão.
Bem, as coisas mudam de
figura se, em vez de mencionarmos o nome puro e simples de Deocleciano Martins
de Oliveira, antecedermos essa menção de um título, digamos, o de Doutor.
Sempre aparecerá (como apareceu em minha pesquisa informal) quem se lembre dele
como jurista, que de fato foi. E mais, como juiz de Direito no Rio de Janeiro
(cargo que também exerceu). Vários conhecem-no, até, porque há dezenas de ruas
e praças, país afora, com seu nome. Nesse aspecto, pelo menos não foi
esquecido. Foi, todavia, como escritor, que é o que me interessa. Se antes,
ainda, de “Doutor”, grafarmos sua condição de Desembargador, mais pessoas ainda
se lembrarão dele. Sua atuação na Magistratura foi brilhante e inesquecível.
E nas artes, nada? Bem,
na Literatura, seus coestaduanos lembram dele, mas poucos escreveram a seu
respeito. São escassas, portanto, as fontes para pesquisa. Todavia, se nos
referirmos ao “pintor” Deocleciano Martins de Oliveira, bem mais pessoas, e em
várias partes do País, se lembrarão, de imediato, dele. E essa lembrança será
mais clara, e bem mais entusiástica, se antes do seu nome colocarmos a função
de “escultor”. Eureka! Os amantes de arte de imediato citarão um punhado de
suas esculturas em praças, chafarizes e prédios públicos Brasil afora.
Os barreirenses, porém,
lembram dele com orgulho e não somente como jurista, mas também como escritor.
Não se esquecem, claro, da sua condição de pintor e de escultor. Nem poderiam.
Afinal, trata-se do filho mais ilustre de Barra, às margens do Rio São
Francisco, onde nasceu em 9 de março de 1906. Suas estátuas moldadas em bronze
são testemunhas concretas do seu talento. E não somente em sua cidade natal,
mas Nordeste afora, em lugares, por exemplo, como Bom Jesus da Lapa, Três
Marias, Paulo Afonso e Juazeiro, entre
outras. Também não só em seu Estado, mas em toda a parte em que passou, como
Mato Grosso e Rio de Janeiro. Aliás, na antiga capital da República, no Palácio
da Justiça do Estado, há três de suas estátuas, sendo a principal delas a que
representa a Justiça, com a balança nas mãos e a venda nos olhos.
Suas esculturas mais
citadas pelos historiadores de arte, além das três do Rio de Janeiro, são,
todas de bronze: de São Francisco de Assis, São João, do Senhor
Ressuscitado, os bustos do Dr. José
Ferreira Muniz, de Dom João Muniz, de vários barões do império e de figuras em
chafarizes e praças Bahia afora. E, principalmente, o conjunto que é
considerado sua obra-prima em termos de escultura: os doze apóstolos que
decoram a entrada da gruta de Bom Jesus da Lapa.
Mas, por que
Deocleciano raramente é identificado como escritor, pelo menos fora do seu
Estado? Afinal, inaugurou uma tendência no conto, que são as histórias que têm
por cenário as margens da bacia do São Francisco, o grande rio de integração
nacional. Seus dois mais famosos livros do gênero, “No país das carnaúbas” e
“Marujada”, são primorosos. E o que falar dos romances “Caboclo d’água” e “Os
romeiros”? E da sua obra ensaística, como “Voz de minha terra” e “É uma voz no
silêncio”? E dos seus livros de poemas “Ilha das quimeras” e “Olhos d’água”? E
dos vários estudos de arte e de folclore que publicou?
Desconfio que este seja
um dos únicos casos em que o Deocleciano Martins de Oliveira ofuscou o
Deocleciano Martins de Oliveira. Ou seja, o juiz de direito, o desembargador, o
pintor e o escultor fizeram com que o escritor fosse diminuído, se não
ofuscado. Isso, a despeito de seu nome ter sido inúmeras vezes mencionado em
discursos de diversos acadêmicos da Academia Brasileira de Letras sempre que
tratavam dos grandes escritores baianos. E de suas histórias freqüentarem as
melhores antologias de contos já publicadas.
Estes “elogios” meus
parecem exagerados, mas não são. Estão rigorosamente fundamentados em fatos.
Aliás, cabe, aqui, um esclarecimento. Estas análises que faço com freqüência, a
propósito de escritores (e já abordei mais de um milhar deles), não são textos
de crítica literária. Em “nenhum” dos casos. São meros comentários à margem,
sem que me debruce, “tecnicamente”, sobre estilo ou coisa que o valha de nenhum
dos autores de que trato.
A crítica, lembro aos
que se esqueceram (e informo aos que não sabem), é um gênero de Literatura e
dos mais importantes e complexos. Requer profundo conhecimento de quem a exerça
e não somente de Literatura. Tem um conjunto de regras que devem ser
rigorosamente seguidas. Caso fosse me debruçar, com olhar crítico, sobre as
obras dos escritores que tomo por personagens (e aqui me refiro aos
considerados “tops de linha”) certamente encontraria falhas, imperfeições e
contradições em absolutamente todas as suas obras, por mais consagradas e
aparentemente perfeitas que sejam. Afinal, a perfeição nos é interdita a todos
e em tudo. Por melhor que seja um livro, sempre pode ser melhorado. E não faço
crítica literária até por falta de tempo. Exigiria, de mim, dedicação integral
e não raro por anos. Dessa forma, minhas tantas outras atividades ficariam
comprometidas, o que não estou disposto a deixar que aconteça. Não deixarei.
Se o leitor considerar
exageradas minhas resumidíssimas avaliações sobre a produção de Deocleciano
Martins de Oliveira, em suas múltiplas atividades, o que diria disso que dele
escreveu Paulo Sardeiro, médico e professor nascido na Bacia do São Francisco,
em seu precioso blog “Vapor encantado”? Ele escreveu, a propósito do nosso
personagem: “O homem foi um ‘monstro’, uma ‘aberração da natureza’, tudo no bom
sentido!”. E, pelo que pude constatar em minhas pesquisas, asseguro que ele não
exagerou nem um pouco.
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