Uma reprise diferente
Pedro
J. Bondaczuk
O telespectador da
Globo, amante de novelas, vai assistir, em breve, a uma reprise, no horário das
20 horas, em substituição ao recordista de todos os tempos em audiência, “Roque
santeiro”. Muita gente deve estar torcendo o nariz com isso, perguntando aos
seus botões se a emissora não tem quem possa criar uma história original, em
vez de reapresentar “Selva de pedra”. Acontece que há um pequeno detalhe nisso
tudo. Essa será uma reprise diferente, já que os atores e a concepção do
original de Janete Clair ganharão enfoque moderno, compatível com o nosso
tempo.
Quando essa novela foi
mostrada pela primeira vez, no início da década passada, o foi em preto e
branco. Somente muito tempo depois as superproduções em cores foram tentadas e
com o esperado êxito. Muita gente, hoje adolescente (e alguns até adultos) não
tinha sequer nascido, ou era muito criança para entender o enredo quando ela
foi apresentada por volta de 1973. “Selva de pedra”, portanto, na atual versão,
pode até ser considerada um trabalho inédito. O elenco, por exemplo, é
completamente outro. Tony Ramos por exemplo, substitui, no principal papel, a
Francisco Cuoco, vivendo o personagem central, Cristiano, com suas desventuras
numa grande cidade, no caso o Rio de Janeiro.
A etérea Simone,
vivida, outrora, por Regina Duarte (ocasião em que a atriz foi considerada a
“namoradinha do Brasil”), será protagonizada por Fernanda Torres. Olhando-se o
elenco, iremos notar que o atual se equivale ao anterior. Mas os atores têm
estilos e características bem diferentes. Isso, sem dúvida alguma, vai aumentar
o clima de novidade da nova versão. Quem assistiu a novela no passado, já deve
ter esquecido por completo o enredo. Afinal, são tantas as informações que a
nossa mente precisa reter no dia a dia, eu muitas vezes nos esquecemos por completo
de fatos e circunstâncias da própria vida, de passado ainda recente. Imaginem
algo que se passou há doze ou treze anos!
O interessante é notar
a mudança de estilo entre a atração atual no horário das 20 horas e aquela que
a irá substituir. Ambas são obras de autênticos campeões de audiência (marido e
mulher, por sinal). Os dois fizeram brilhantes carreiras no mundo dos
espetáculos, seguindo caminhos diferentes e muitas vezes até diametralmente
opostos, embora ambos tendo por matéria-prima algo idêntico: a realidade social
brasileira. Dias Gomes, agudo observador do comportamento popular, sempre
preferiu temperar o drama com o humor. Mesmo em histórias como “O pagador de
promessas”, que há um quarto de século projetou o cinema do Brasil em âmbito internacional,
ao conquistar a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Antes dele, apenas um
filme havia conseguido essa façanha, “Orfeu no Carnaval”, onde a participação
brasileira, destaque-se, era muito pequena. Restringia-se mais ao tema, ficando
o restante para os franceses, já que essa obra cinematográfica foi uma
co-produção.
No “Pagador de
Promessas”, Dias Gomes destacou, é verdade, o drama de Zé do Burro, seu
principal personagem, vítima de uma distorção religiosa e quer acabou triturado
pelo próprio sistema que permitiu que seu fanatismo aflorasse e prosperasse.
Mas não esconde inúmeras situações engraçadas, embora também tendo fundo
trágico. Afinal, a vida costuma ser assim mesmo. É como diz o refrão daquela
canção que foi muito popular em sua época: “o que dá pra rir, dá pra chorar”.
Janete, por outro lado,
especializou-se no drama. Aguda observadora do comportamento, penetrava no
âmago de seus personagens e extraía de lá seus conflitos, suas fantasias e suas
contradições. Por entender tanto de gente, conseguiu transformar as situações
mais fantásticas em enredos verossímeis. O telespectador passou a se enxergar
nos seus heróis e heroínas. Seus sonhos ganharam dimensões de possibilidades. O
dicionário tem um termo apropriado paras definir isso: “empatia”. Segundo o
mestre Aurélio Buarque, essa palavra significa uma “tendência para se sentir o
que se sentiria caso se estivesse na situação e circunstâncias experimentadas
por outra pessoa”. As novelas de Janete Clair são “sentidas” pelo
telespectador, e por isso ficaram marcantes.
Alguns críticos acham
temerário que depois de “Roque Santeiro”, que primou pelo humor e consagrou
diversos bordões (que na gíria da TV são aquelas palavrinhas tipo refrão que
caracterizam determinados personagens) seja apresentada a “Selva de pedra”, com
um enfoque essencialmente dramático, mostrando um pouco as dificuldades que
todos nós temos em nosso relacionamento afetivo. Nós, pelo contrário, achamos
muito saudável essa variação. Isso ocorreu com “De quina para a lua”, com “Ti-ti-ti”
e com “Roque santeiro”. E havia se verificado com inúmeras outras produções
anteriores. Nunca é demais a retomada do filão original do gênero, embora sem
descambar, como antigamente, para dramalhões de mau gosto ou para histórias
lacrimosas e inconseqüentes, do tipo folhetim. Acreditamos no sucesso de “Selva
de pedra”. Assim como acertamos na mosca quando previmos a brilhante jornada de
“Roque santeiro”. Basta, apenas, conferir daqui a alguns meses.
(Comentário
publicado na coluna Vídeo, página 22,
editoria de Arte e Variedades do Correio Popular, em 14 de fevereirol de 1986).
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