Saturday, February 08, 2014

Sentença inusitada e condenável


Pedro J. Bondaczuk


A sentença de morte ditada pelo líder religioso do Irã, o aiatolá Ruhollah Khomeini, no dia 14 passado, contra o escritor indiano, Salman Rushdie, por seu livro “Os Versos Satânicos”, considerado blasfemo, pelos fundamentalistas muçulmanos, foge a todos os padrões de comportamento civilizado já vistos no mundo moderno, pelo menos no pós-guerra.

Na quarta-feira, neste mesmo espaço, assinalamos que quem lida com palavras tem uma responsabilidade muito grande e precisa saber distinguir entre o sagrado e o profano. Mais responsável, porém, tem que ser aquele que lidera milhões de fiéis, os guiando nos caminhos da fé.

A exortação do dirigente xiita vem provocando uma séria crise internacional, que envolve o seu país que, agora, mais do que nunca, precisa de ajuda para a árdua, e cara, tarefa de reconstrução dos estragos deixados por oito anos de guerra com o Iraque.

A sentença de Khomeini, porém, fez com que, mesmo os que compreenderam a revolta dos muçulmanos contra uma agressão gratuita à sua crença, por parte do escritor, deixassem de simpatizar com o Irã nesta oportunidade. Seus líderes excederam-se na retórica e disseram coisas impensadas, sem nenhuma diplomacia ou tato, das quais, certamente, irão se arrepender.

Ameaças como a feita contra Rushdie, aliás, não são coisas novas, em se tratando da República Islâmica. Os Estados Unidos cansaram-se de ouvir tais invectivas no ano passado, especialmente após a derrubada do Airbus da Iran Air, em 4 de julho de 1988, que redundou na morte de todas as 290 pessoas que estavam a bordo.

Naquela ocasião, assinalamos, neste espaço, que o grande mal dos aiatolás era falar demais. Demonstramos que o Irã, no terreno das ações, até que não era tão radical quanto se apregoava. Que havia sofrido muito maia com atos de terrorismo alheios, inclusive de Estado (o absurdo ataque norte-americano contra o avião iraniano no Golfo Pérsico tecnicamente pode ser classificado como tal) do que os cometidos.

Durante certo tempo, sua liderança manteve-se em silêncio e o país começou a reatar, lentamente, os laços diplomáticos rompidos durante o período de consolidação da Revolução Islâmica.

Agora, quando tudo levava a crer que iria acabar o isolamento desse país na comunidade internacional, eis que vem essa ordem inoportuna, absurda e intolerável de Khomeini contra Rushdie. E o pior é que ela veio acompanhada de um prêmio em dinheiro para quem venha a assassinar o escritor, o que fere todas as normas do Direito Internacional e é caracterizado como um crime de incitação ao assassinato de alguém.

Por mais ofensivo que tenha sido o livro “Os Versos Satânicos”, não se justifica uma atitude como a tomada por um líder de uma comunidade de milhões de fiéis. O mundo não pode mais ficar a mercê dos arroubos de fanáticos, que chegam, até, a se sentir como deuses!

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 22 de fevereiro de 1989).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk    

No comments: