Sentença inusitada e condenável
Pedro J.
Bondaczuk
A sentença de morte ditada pelo líder religioso do Irã, o
aiatolá Ruhollah Khomeini, no dia 14 passado, contra o escritor indiano, Salman
Rushdie, por seu livro “Os Versos Satânicos”, considerado blasfemo, pelos
fundamentalistas muçulmanos, foge a todos os padrões de comportamento
civilizado já vistos no mundo moderno, pelo menos no pós-guerra.
Na quarta-feira, neste mesmo
espaço, assinalamos que quem lida com palavras tem uma responsabilidade muito
grande e precisa saber distinguir entre o sagrado e o profano. Mais
responsável, porém, tem que ser aquele que lidera milhões de fiéis, os guiando
nos caminhos da fé.
A exortação do dirigente xiita
vem provocando uma séria crise internacional, que envolve o seu país que,
agora, mais do que nunca, precisa de ajuda para a árdua, e cara, tarefa de
reconstrução dos estragos deixados por oito anos de guerra com o Iraque.
A sentença de Khomeini, porém,
fez com que, mesmo os que compreenderam a revolta dos muçulmanos contra uma
agressão gratuita à sua crença, por parte do escritor, deixassem de simpatizar
com o Irã nesta oportunidade. Seus líderes excederam-se na retórica e disseram
coisas impensadas, sem nenhuma diplomacia ou tato, das quais, certamente, irão
se arrepender.
Ameaças como a feita contra
Rushdie, aliás, não são coisas novas, em se tratando da República Islâmica. Os
Estados Unidos cansaram-se de ouvir tais invectivas no ano passado,
especialmente após a derrubada do Airbus da Iran Air, em 4 de julho de 1988,
que redundou na morte de todas as 290 pessoas que estavam a bordo.
Naquela ocasião, assinalamos,
neste espaço, que o grande mal dos aiatolás era falar demais. Demonstramos que
o Irã, no terreno das ações, até que não era tão radical quanto se apregoava.
Que havia sofrido muito maia com atos de terrorismo alheios, inclusive de
Estado (o absurdo ataque norte-americano contra o avião iraniano no Golfo
Pérsico tecnicamente pode ser classificado como tal) do que os cometidos.
Durante certo tempo, sua liderança
manteve-se em silêncio e o país começou a reatar, lentamente, os laços
diplomáticos rompidos durante o período de consolidação da Revolução Islâmica.
Agora, quando tudo levava a crer
que iria acabar o isolamento desse país na comunidade internacional, eis que
vem essa ordem inoportuna, absurda e intolerável de Khomeini contra Rushdie. E
o pior é que ela veio acompanhada de um prêmio em dinheiro para quem venha a
assassinar o escritor, o que fere todas as normas do Direito Internacional e é
caracterizado como um crime de incitação ao assassinato de alguém.
Por mais ofensivo que tenha sido o livro “Os Versos
Satânicos”, não se justifica uma atitude como a tomada por um líder de uma
comunidade de milhões de fiéis. O mundo não pode mais ficar a mercê dos arroubos
de fanáticos, que chegam, até, a se sentir como deuses!
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 22
de fevereiro de 1989).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment