Sunday, February 16, 2014

Ofuscado pela fama do irmão

Pedro J. Bondaczuk

O décimo primeiro contista presente (por ordem de publicação) na antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, Rio de Janeiro, 1963), que tomei por base para esta série de estudos sobre alguns dos principais ficcionistas baianos, é James Amado. Mesmo ao leitor desavisado, que não saiba de seu parentesco ilustre, seu sobrenome, certamente, acende uma luzinha bem no fundo do cérebro que o leva a fazer a pergunta óbvia: “Será que ele tem alguma relação com quem estou pensando?”. Pois, a estes, esclareço: tem sim. Isto, claro, se estiver pensando em Jorge Amado. Sim, caro leitor que, mesmo não sabendo, teve esse “insight”. James é parente, e muito próximo, do celebrado autor de “Gabriela, cravo e canela”, “Tieta do agreste”, “Subterrâneos da liberdade”, “Jubiabá”, “Cacau”, “Suor” e vai por aí afora. É seu irmão. E por um desses tantos caprichos do acaso, acabou ofuscado pela fama do parente ilustre, certamente à revelia deste.

É um caso relativamente raro haver dois escritores, e ambos muito bons, na mesma família. Lembro-me de pouquíssimos. Mas, para lembrar, é necessário fazer um grande esforço mental. O mais provável é ter que recorrer a anotações, se estas existirem, claro. Assim de chofre, de repente, não me lembro de nenhum outro. E, mais rara ainda, é a existência de dois irmãos escritores. Você se lembra de algum, caro leitor? Sem duvidar da sua memória, acho muito difícil.

Nesse aspecto, o de parentesco, a situação de James Amado foi (ou é) ainda mais peculiar. Além do irmão ilustre (e põe ilustre nisso), sua primeira esposa, Jacinta Passos, também foi escritora e das mais criativas. Sua obra, notadamente a poética, que ficou um tanto ignorada por muito tempo, vem sendo resgatada, ultimamente e os poemas dela que tive oportunidade de ler são sumamente criativos, jóias literárias, sem exagero algum. Mas as ligações íntimas de James com escritores não param por aí. Se parassem, já seriam raridade. Mas elas vão além. Querem uma prova? Sua filha, Janaína Amado, também é escritora. Entre livros “solo”, e os que escreveu em co-autoria, eles já ascendem a mais de vinte. Ou seja, é muitíssimo mais do que o pai publicou. E se duvidarem, supera a quantidade dos que foram publicados pelo ilustríssimo tio.

Vocês acham que já acabou? Pois estão enganados. James Amado é genro de ninguém menos do que o romancista Graciliano Ramos! Casou-se, em terceiras núpcias, com Luíza Ramos. Sua segunda esposa, Gisela Magalhães, não teve nada a ver com Literatura (pelo menos, ao que eu saiba). Dá para o leitor imaginar, pois, o ambiente em que esse ficcionista grapiuna (pois, como o ilustre irmão, também nasceu na região cacaueira da Bahia, porém em Ilhéus, no ano de 1922).

O curioso é que, apesar de tamanha vinculação com a Literatura, James Amado não “viveu” propriamente como escritor. Seus maiores feitos no campo da cultura foram ora no Jornalismo – trabalhou nos grandes jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia – ora em atividades literárias, digamos, “subsidiárias”, como a função de tradutor e organizador de antologias. É dele, por exemplo, a mais completa seleção de poemas publicada do mítico Gregório Matos Guerra, o tal do “Boca do Inferno”. São dele as melhores traduções de autores mundialmente consagrados, como Taylor Caldwell, William Saroyan, Hendryk Van Loon, Sherwood Anderson, Eugene Tarlé, André Maurois, Eugene O’Neil e vai por aí afora.

Já imaginaram quanto tempo essas traduções demandaram, levando em conta que James aplicou-se nessa desgastante atividade simultaneamente com o jornalismo?! Como, pois, além de tudo, se dedicar a escrever contos, romances, novelas ou textos de outro gênero qualquer? Ele, todavia, escreveu, embora, por alguma razão, que talvez só ele saiba, não tenha reunido em livros.

Observe-se que, além de tudo isso, James ainda foi, num certo período da sua vida, ativista político, filiado ao Partido Comunista Brasileiro, integrando a área cultural do PCB, ao lado de nomes ilustres, como o do irmão, Jorge Amado, e de Elias Cha, Caio Prado Jr., Astrogildo Pereira, Artur Neves, Afonso Schmidt, Eneida Moraes etc.etc.etc. Outra atividade que exerceu, a partir dos anos 60, foi a de técnico de relações públicas da Petrobrás. Haja energia para tanta coisa!

O leitor enjoado certamente deve estar com vontade de me questionar: “Se ele não é e nunca foi escritor, por que sua inclusão entre os principais ficcionistas baianos?”. Observo, todavia, que, em momento algum, afirmei que ele não seja do ramo. Tanto é, que ocupa a cadeira de número 27 da Academia Baiana de Letras. Ressaltei, isso sim, que a Literatura não foi a “principal” atividade que exerceu (e, mesmo assim, é aplicado tradutor e organizador da mais completa antologia sobre a obra de Gregório Matos Guerra, que não deixam de ser feitos literários).

James Amado publicou um único romance, “Chamado do mar”, publicado em 1949, pela Martins Editora, que li e reli várias vezes, sempre com a mesma empolgação e idêntico entusiasmo. Escreveu, ainda, um segundo, “O levante do posto”, que, sabe-se lá por qual razão, permanece inédito até hoje, cinqüenta anos após concluído. De contos, publicou um único e solitário volume, “Água branca”. Mas é um escritor tão bom (embora provavelmente nunca tenha se considerado ou se sentido como tal), que tem que ser levado em conta toda a Vaz que o assunto for ficção e, notadamente, a de caráter regional.


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