Guerra nuclear sem bombas
Pedro J. Bondaczuk
O
desastre verificado na usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, mais do que um
simples motivo para um novo e dissimulado lance da Guerra Fria, com acusações e
exageros sobre o que de fato ocorreu naquela região da União Soviética, deveria
servir de tema para profundas reflexões para todos aqueles que têm a capacidade
de decidir alguma coisa no mundo.
Se
as dimensões do acidente foram mesmo aquelas divulgadas pelo governo russo,
menos mal. Uma quantidade menor de pessoas terá morrido ou estará condenada à
morte por um futuro câncer. Caso sejam as especuladas em vários círculos
ocidentais, de nada valerá o Cremlin esconder o fato. O mundo haverá, de uma
maneira ou de outra, de saber toda a verdade.
Um
aspecto muito importante, porém relegado ao esquecimento até aqui, deveria
merecer, doravante, uma atenção muito especial. Refere-se a algum eventual
ataque militar contra qualquer das 374 usinas em funcionamento atualmente numa
infinidade de países. E não se trata de nenhuma hipótese fantasiosa,
principalmente quando se recorda que um caso desses já aconteceu nesta década,
em 1980.
Aviões
israelenses destruíram, nessa ocasião, as instalações do reator nuclear
"Osíris", que estava em fase de montagem, no Iraque. Caso ele
estivesse funcionando, já naquela época teríamos uma catástrofe provavelmente
muito maior do que o acidente verificado em Chernobyl. Afinal, por maior que
seja a má vontade ocidental em relação aos soviéticos, em virtude de
antagonismos ideológicos, ninguém poderá negar que esse país é um dos líderes
mundiais em pesquisas científicas.
Ocorresse um caso semelhante em outro lugar,
que não tivesse a mesma capacidade de mobilização, e os mesmos recursos para a
tomada de providências, e as conseqüências seriam impossíveis de se prever,
principalmente quanto à forma de deter, o mais rapidamente possível, o
vazamento de radiação. Recorde-se que a nuvem radioativa procedente de
Chernobyl percorreu praticamente todo o globo terrestre. Os soviéticos,
contudo, tiveram grande presença de espírito, coragem e técnica para não
somente resfriar o reator que estava queimando, visando a impedir o fenômeno
conhecido como "Síndrome da China", como para sepultar os seus restos
sob toneladas de concreto, detendo uma tragédia muito pior.
Essa
possibilidade das usinas nucleares serem eventualmente bombardeadas em caso de
algum conflito (e estes é que não faltam no atual e conturbado mundo), foi
levantada durante um simpósio, realizado em Bruxelas em fevereiro passado,
patrocinado pela Organização Internacional de Médicos para a Prevenção da
Guerra Nuclear, entidade que recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 1985. Quem
abordou a questão foi o doutor Joseph Rotblat, um britânico, que faz parte
deste extraordinário grupo. Mas o tema nunca foi mencionado em organismos
oficiais, ligados à energia atômica e jamais se sugeriu qualquer acordo
proibindo este tipo de ataque.
Imagine
o leitor um bombardeio sobre algum reator indiano, paquistanês ou líbio. Essas
áreas, nem é preciso repetir ou alertar, são caracterizadas por grandes
tensões. E não foram poucas as vezes em que tais desavenças saíram do terreno
da simples retórica para o do uso da violência. Em qualquer desses países, numa
eventualidade dessas, até que as primeiras providências para estancar o
vazamento radioativo fossem tomadas, milhões de pessoas já teriam sido afetadas
com gravidade e irremediavelmente pela radiação.
Mesmo
na Europa, onde essa possibilidade é bem mais remota, os riscos seriam
apavorantes. Conforme depoimento do dr. Rotblat, seria impossível estimar o
provável número de vítimas em tais circunstâncias, com a agravante de que
amplas zonas ficariam contaminadas por um tempo muito grande e teriam por
conseqüência, que ser evacuadas e literalmente transformadas num deserto.
Como
se vê, o assunto é muito sério e exige uma atenção muito maior do que vem sendo
dada. Uma guerra nuclear, portanto, pode ser feita sem que uma única ogiva
atômica seja detonada. Bastará que alguém mais esquentado, ou insensato ou
precipitado bombardeie diversos reatores de usinas em funcionamento,
simultaneamente, para que uma boa parte da humanidade morra de maneira lenta e
pavorosa. É o preço que se tem de pagar pela abertura dessa autêntica
"caixa de Pandora".
(Artigo publicado na página 9,
Internacional, do Correio Popular, em 30 de maio de 1986)
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