Wednesday, February 05, 2014

Problemas têm ficado pendentes



Pedro J. Bondaczuk


O século XX, entre outras características que apresentou até aqui, tem uma que vem sendo causa dos sucessivos conflitos existentes no mundo, que o tornaram o mais violento e dramático da história: o das soluções pela metade.

Adiar um problema, diz a lógica mais reles, ou resolvê-lo parcialmente, não é chegar à sua resolução. É só "quase". E nenhuma questão realmente importante se resolve por si só. Requer, sobretudo, ação.

Para citar apenas os grandes momentos do nosso tempo, em que se pecou pela incompetência, se pode mencionar o Tratado de Versalhes, que acabou com a Primeira Guerra Mundial, humilhando a Alemanha, mas não impedindo o surgimento de um Adolf Hitler; a criação de impérios artificiais mediante negociatas secretas e acordos espúrios, sem que fosse respeitada a vontade dos povos envolvidos e a manutenção de Saddam Hussein na presidência do Iraque ao término da fulminante guerra do Golfo Pérsico.

Poderiam ser apontados talvez milhares de outros episódios caracterizados pela ausência de imaginação e falta de bom senso. Os citados, todavia, são suficientes para explicar muito do que está acontecendo. Como, por exemplo, o ressurgimento das tensões na zona que é a "jugular do petróleo" do Ocidente.

O presidente norte-americano, George Bush, nas últimas semanas renovou as ameaças de nova intervenção militar de seu país contra o povo iraquiano, que em última análise será quem de fato acabará afetado, para concluir uma tarefa deixada pela metade durante a Operação Tempestade do Deserto, iniciada em 17 de janeiro e subitamente paralisada em 28 de fevereiro passado.

Restaram poucos passos para a obtenção total do objetivo, que era conter e eliminar um perigoso foco de tensão e desestabilização no Golfo Pérsico: Saddam Hussein. Eles, porém, não foram dados.

Outra conseqüência de um serviço incompleto são os movimentos nacionalistas que estilhaçam a Iugoslávia, a União Soviética e que ameaçam outras federações artificiais, criadas como se, para formar uma nação, bastasse somente que um punhado de burocratas traçasse algumas linhas apressadas num mapa.

O ensaísta francês Alain Minc abordou os resultados desse tipo de atitude, constatando: "Assistimos hoje à conjunção de dois fenômenos. Em primeiro lugar, o fim do equilíbrio do terror, que era nossa melhor arma 'antinacional'. Até então, o mundo estava congelado pela dissuasão nuclear em dois grandes blocos: Leste e Oeste. Vivemos assim por 45 anos: a história estava, por assim dizer, petrificada".

Mais adiante, Minc acentua: "E depois, com o fim de Yalta, a queda do muro de Berlim, eis que ela (a história) sai bruscamente do congelador. As nações retomam seu lugar e acham-se no estado em que estavam antes da longa noite comunista, atordoadas pelas injustiças dos tratados e dos cortes das duas guerras, frustradas por meio século de opressão, com seus reflexos étnicos, mesmo tribais, suas separações religiosas. E temos hoje o direito de perguntar o que pode acontecer entre húngaros, romenos, búlgaros e gregos, sérvios e croatas".

O ensaísta conclui seu raciocínio advertindo que "riscos inimagináveis há um ano estão prestes a ressurgir". Isto, sem contar os previsíveis, que não são poucos.

O norte-americano Edward Bellamy, num arroubo futurista, previu, em 1891, no seu livro "Daqui a cem anos": "Com uma lágrima para o passado sombrio, voltemo-nos para o ofuscante futuro e, velando nossos olhos, sigamos em frente. O longo e extenuante inverno da raça terminou. Começou seu verão. A humanidade rompeu a crisálida. Os céus estão diante dela".

Todavia, a realidade contemporânea é bem diferente. O jornalista Antonio Torres, numa crônica publicada no suplemento "Idéias" do "Jornal do Brasil", retratou-a assim: "Nós vivemos num século que foi muito rico, produziu grandes mudanças. Mas a gente está chegando ao fim dele como numa espécie de balão que subiu, subiu, e esvaziou. É um século que se despolarizou, encolheu, chegando ao fim meio aquém de tudo que proporcionou". Ou seja, nada do que se começou foi levado até o fim.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 25 de setembro de 1991).


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