Thursday, February 06, 2014

Pleito é milagre democrático


Pedro J. Bondaczuk


A Índia deu início, ontem, àquelas que são tidas como as maiores eleições do mundo, envolvendo um número tão grande de pessoas que a votação precisa ser realizada em três dias diferentes. Afinal, são 514 milhões de eleitores – praticamente as populações somadas de União Soviética e Estados Unidos – que vão às urnas, num verdadeiro “milagre democrático”, embora as controvérsias, que não faltam nessa milenar civilização repleta de contrastes e de confrontos, em geral venham à tona em tais ocasiões, em explosões de violência.

Sempre foi assim, desde que este complexo Estado logrou conquistar sua independência nacional da Grã-Bretanha, em 1947, num processo sumamente traumático, com a ocorrência de um verdadeiro banho de sangue, envolvendo hinduístas e muçulmanos.

Em termos eleitorais, tudo na Índia é exagerado. Os partidos políticos são 20 no total, embora seis se sobressaiam: os Partidos do Congresso I e II, o Comunista, o Janata, O Lok Dal e o Bharatiya Janata. Os candidatos aos diversos postos, desde o Parlamento Nacional às Assembléias estaduais, são mais de 15 mil, defendendo teses as mais diversas, às vezes até mesmo a poder de armas, nos comícios, que raramente têm deixado de degenerar em pancadaria.

A manutenção da ordem pública, em tais circunstâncias, costuma ser o desafio dos desafios. Por exemplo, desde ontem, 15 milhões de agentes de segurança – o equivalente à população total do Peru – estão a postos para garantir uma relativa liberdade aos que estão votando.

Há todo um ritual envolvendo as eleições, que se repete desde 1947. As campanhas são desenvolvidas em meio à violência que, embora tenha graus variáveis, é uma constância em tais ocasiões. Inúmeros candidatos acabam sendo assassinados o que, pela Constituição indiana, obriga o adiamento por um mês da votação nos distritos onde os crimes ocorrem. Durante os dias do pleito, verificam-se tentativas de suborno, amedrontamento, quando não de extinção pura e simples de eleitores.

As apurações, por outro lado, estão longe de ser pacíficas. À medida em que os resultados começam a ser anunciados, há um dilúvio de acusações de fraudes, de recursos legais às seções eleitorais etc. Com tudo isso, porém, como que por um milagre, as duas casas do Parlamento acabam, invariavelmente, por ser formadas.

Quem pensa que acabaram aí as controvérsias, está muito enganado. Dependendo do resultado das urnas, começa uma nova etapa de tensões, com frenéticas negociações entre partidos, para conseguir a maioria que permita conseguir a chefia do gabinete. Em tais ocasiões, ideologias antagônicas acabam por se misturar, como se água e óleo pudessem ser homogeneamente miscíveis. E na Índia são!

Desde a independência, o Partido do Congresso, hoje fragmentado em duas facções quase inconciliáveis, tem se mostrado mais hábil nesse jogo de frágeis alianças, em geral feitas na base do condenável princípio – embora fartamente utilizado no Terceiro Mundo – do “é dando que se recebe”.

O predomínio é da família de um dos pais da independência indiana, Jawaharlal Nehru, que depois de governar o país da descolonização à sua morte, passou o bastão à filha Indira Gandhi – assassinada em outubro de 1984 – e esta ao neto do velho patriarca, Rajiv Gandhi, por sinal o favorito para retornar, por cima, ao poder, de onde foi apeado há um ano e meio.     

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 21 de maio de 1991)


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