Pleito
é milagre democrático
Pedro J. Bondaczuk
A Índia deu início, ontem, àquelas que são tidas
como as maiores eleições do mundo, envolvendo um número tão grande de pessoas
que a votação precisa ser realizada em três dias diferentes. Afinal, são 514 milhões
de eleitores – praticamente as populações somadas de União Soviética e Estados
Unidos – que vão às urnas, num verdadeiro “milagre democrático”, embora as
controvérsias, que não faltam nessa milenar civilização repleta de contrastes e
de confrontos, em geral venham à tona em tais ocasiões, em explosões de
violência.
Sempre foi assim, desde que este complexo Estado
logrou conquistar sua independência nacional da Grã-Bretanha, em 1947, num
processo sumamente traumático, com a ocorrência de um verdadeiro banho de
sangue, envolvendo hinduístas e muçulmanos.
Em termos eleitorais, tudo na Índia é exagerado. Os
partidos políticos são 20 no total, embora seis se sobressaiam: os Partidos do
Congresso I e II, o Comunista, o Janata, O Lok Dal e o Bharatiya Janata. Os
candidatos aos diversos postos, desde o Parlamento Nacional às Assembléias
estaduais, são mais de 15 mil, defendendo teses as mais diversas, às vezes até
mesmo a poder de armas, nos comícios, que raramente têm deixado de degenerar em
pancadaria.
A manutenção da ordem pública, em tais
circunstâncias, costuma ser o desafio dos desafios. Por exemplo, desde ontem,
15 milhões de agentes de segurança – o equivalente à população total do Peru –
estão a postos para garantir uma relativa liberdade aos que estão votando.
Há todo um ritual envolvendo as eleições, que se
repete desde 1947. As campanhas são desenvolvidas em meio à violência que,
embora tenha graus variáveis, é uma constância em tais ocasiões. Inúmeros
candidatos acabam sendo assassinados o que, pela Constituição indiana, obriga o
adiamento por um mês da votação nos distritos onde os crimes ocorrem. Durante
os dias do pleito, verificam-se tentativas de suborno, amedrontamento, quando
não de extinção pura e simples de eleitores.
As apurações, por outro lado, estão longe de ser
pacíficas. À medida em que os resultados começam a ser anunciados, há um
dilúvio de acusações de fraudes, de recursos legais às seções eleitorais etc.
Com tudo isso, porém, como que por um milagre, as duas casas do Parlamento acabam,
invariavelmente, por ser formadas.
Quem pensa que acabaram aí as controvérsias, está
muito enganado. Dependendo do resultado das urnas, começa uma nova etapa de
tensões, com frenéticas negociações entre partidos, para conseguir a maioria
que permita conseguir a chefia do gabinete. Em tais ocasiões, ideologias
antagônicas acabam por se misturar, como se água e óleo pudessem ser
homogeneamente miscíveis. E na Índia são!
Desde a independência, o Partido do Congresso, hoje
fragmentado em duas facções quase inconciliáveis, tem se mostrado mais hábil
nesse jogo de frágeis alianças, em geral feitas na base do condenável princípio
– embora fartamente utilizado no Terceiro Mundo – do “é dando que se recebe”.
O predomínio é da família de um dos pais da
independência indiana, Jawaharlal Nehru, que depois de governar o país da
descolonização à sua morte, passou o bastão à filha Indira Gandhi – assassinada
em outubro de 1984 – e esta ao neto do velho patriarca, Rajiv Gandhi, por sinal
o favorito para retornar, por cima, ao poder, de onde foi apeado há um ano e
meio.
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do
Correio Popular, em 21 de maio de 1991)
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