Thursday, February 27, 2014

Harmonia entre o historiador e o ficcionista

Pedro J. Bondaczuk

O escritor – e também historiador, professor de História e jornalista – Luís Henrique Dias Tavares conseguiu a façanha de ser bem sucedido em todas as atividades citadas que exerceu. Em Literatura, por exemplo, marcou território como um dos mais criativos e férteis ficcionistas regionais e não apenas da sua região, o Recôncavo Baiano, e nem só do seu Estado, mas do Brasil. E isso, com um único e solitário livro de contos publicado, “A noite dos homens”, datado de 1960. Mas se produziu (ou pelo menos publicou) pouco no gênero das histórias curtas, mais do que compensou isso escrevendo (e publicando) novelas. As duas mais conhecidas são: “Não foi o vento que levou” (1996) e “Nas margens do leito seco”, cuja redação iniciou, ainda, por volta de 1963, mas que foi lançada apenas agora, neste ano de 2013, pela Editora Universidade da Bahia.

Este último livro merece algumas considerações à margem, porquanto fica absolutamente nítido o harmonioso “casamento” de suas duas principais habilidades: a de ficcionista e a de historiador. O enredo é baseado em fatos reais. Começa com um leilão de uma virgem (que realmente aconteceu), cuja virgindade é renhidamente disputada, principalmente pelos “coronéis” locais. Luís Henrique inspirou-se em um acontecimento de 1920, na Bahia. O cenário principal do enredo é Salvador, mas a trama se desenvolve, também, em Ilhéus (no Sul da Bahia) e na cidade italiana de Florença.

A narrativa é posta na boca de Juca, principal personagem, repórter novato, aquele que é chamado nas redações de “foca”, em sua primeira missão jornalística, que se apaixona por Gina. Esta é uma jovem italiana, levada para Salvador para “trabalhar” na casa de uma “exploradora de mulheres”, ou seja, para fins de meretrício. Como se vê, é uma situação complicada para propiciar o nascimento, e principalmente, para prosperar uma paixão entre o casal de protagonistas. Luís Henrique, no entanto, não se limita a narrar as venturas e desventuras dos dois pombinhos apaixonados. Revela, como uma espécie de pano de fundo, de maneira sutil, mas realista, qual era a mentalidade da época, ou seja, do ano de 1920. Desnuda aquela sociedade, aparentemente moralista e calcada em valores morais tradicionais. Mostra que esse moralismo era, em última instância, hipócrita, aparente, apenas de fachada. Documenta, sobretudo, costumes, valores, moralidade, além do grau de tolerância que então imperavam. É mais do que uma novela, é um estudo de comportamento, embora assim não pareça aos desatentos e desavisados.

Claro que não vou sequer resumir o enredo, para não estragar o prazer da surpresa, o da descoberta dos leitores que eventualmente vierem a adquirir o livro. Todavia, recomendo, se puderem, que o adquiram. E não somente isso, mas que, sobretudo, o leiam atentamente, de capa a capa. Ponho a minha mão no fogo como irão gostar dessa narrativa. O autor, provavelmente, deixará no espírito do leitor a mesma dúvida que inicialmente deixou no meu: Luís Henrique é melhor ficcionista ou melhor historiador? Minha conclusão – e não se trata de ficar “em cima do muro” – é que há “empate” nesse aspecto. É excelente em ambos os casos.

O prefácio de “Nas margens do leito seco” foi escrito pelo escritor e doutor em letras Aleilton Fonseca, que citei em outros textos desta série de estudos sobre alguns dos principais ficcionistas baianos. O ilustre prefaciador destaca, entre outras coisas, o que já afirmei anteriormente e que considero o principal fator diferenciador dessa novela, em relação a tantas outras. Observa: “(...) o leitor percebe a proximidade do texto literário com o estilo do registro historiográfico, podendo confundir, deliberadamente ou não, a ficção com a realidade factual. O texto seria percebido, assim, como um relato de época, de caráter memorialístico ou até mesmo biográfico”.

Para muitos críticos literários e estudiosos da matéria, porém, a obra-prima de Luís Henrique não é algum livro de ficção. Trata-se da “História da Bahia” (não confundir com o título da antologia que serve de referência para esta série de estudos, que tem um “s” a mais que este compêndio não tem). É uma produção tão importante, que quando iniciei minhas pesquisas, já estava em décima primeira edição. Não há dúvida que o autor é, se não o maior (creio que o seja), pelo menos um dos maiores experts em história do seu Estado. Alguns outros livros de pesquisa histórica dele, são: “O primeiro século do Brasil: da expansão da Europa Ocidental aos governos gerais das terras do Brasil”, “Independência do Brasil na Bahia”, “Da sedição de 1798 à revolta de 1824 na Bahia”, “Abdicação de Dom Pedro I: derrota do absolutismo”, “Bahia, 1798”, História da sedição intentada na Bahia em 1798”, “Comércio proibido de escravos”, “Nazaré, cidade do Rio Moreno” e “A independência do Brasil na Bahia”.

Mantenho, todavia, minha opinião. Luís Henrique é tão bom ficcionista quanto historiador, o que, se fosse melhor numa coisa do que na outra, convenhamos, não haveria demérito algum. São atividades sobretudo opostas: uma, vale-se, principalmente, da imaginação e da criatividade e a outra requer rigor dos fatos, baseados sempre em documentos e outras provas incontestáveis.


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