Missão quase impossível
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente nicaragüense, Daniel Ortega, tem mostrado uma enorme persistência na
busca de um diálogo direto com o governo dos EUA. Desde a sua posse, após as
eleições presidenciais de 4 de novembro do ano passado, classificadas como uma
farsa pela Casa Branca, mas cuja lisura foi atestada por inúmeros observadores
internacionais (inclusive norte-americanos), ele vem fazendo diversas ofertas
ao presidente Ronald Reagan, visando a obter o seu reconhecimento para o regime
sandinista. E quanto mais insiste, mais "Tio Sam" fecha a carranca e
mostra ares de poucos amigos. Aliás, de declarados inimigos.
Em
março passado, quando da posse do presidente uruguaio, Júlio Maria Sanguinetti,
Ortega praticamente "impôs" um encontro com o secretário de Estado,
George Shultz, em Montevidéu. Esperava-se que após essa reunião informal as
coisas viessem a tomar um novo rumo. Que norte-americanos e nicaragüenses
pudessem se sentar ao redor de uma mesma mesa e equacionar finalmente as suas
diferenças. Poucos dias depois, Ortega chegou a propor a redução de
conselheiros militares cubanos em seu país, ato que somente causou mais
desconfiança na Casa Branca ao invés de qualquer esperada distensão. Reagan e
seus conselheiros não viram na oferta nenhum gesto de boa vontade.
Pressentiram, isto sim, outro engodo propagandístico sandinista e nada mais.
Mas
o pior para Ortega, e os mais de dois milhões de nicaragüenses, ainda estava
para vir. E veio no dia exato em que o presidente norte-americano desembarcou
em Bonn, a 2 de maio, para a reunião dos sete países mais ricos do mundo
ocidental. Foi o surpreendente embargo econômico decretado contra a Nicarágua,
tornando a situação desse povo, que já não era das melhores, desesperadora e de
seu presidente, insustentável. A medida, aliás, foi uma conseqüência direta da
rejeição, por parte do Congresso dos EUA, de uma ajuda de US$ 14 milhões para
os chamados "contras". Esta constituiu, afinal, numa intolerável
derrota política para Reagan. O embargo, portanto, não passou de uma desforra.
E Ortega fez o papel de holandês: pagou pelo que não fez. Ou, quem sabe, foi
uma hábil estratégia da Casa Branca para reverter o revés. Se a segunda
hipótese foi a correta, ela acabou dando certo.
Com
o boicote econômico dos EUA, Ortega como que entrou em pânico. Saiu em busca de
auxílio exatamente onde nunca poderia ter ido: do outro lado do mundo, no outro
extremo ideológico, o bloco comunista. Decidiu fazer um giro pelo Leste
europeu, angariando simpatias e uns parcos dólares, insuficientes para reativar
a já cataléptica economia nicaragüense. E caiu, por conta própria, numa
armadilha. E deu o argumento que Reagan queria. Com essa desastrada e
inoportuna viagem, a opinião dos congressistas norte-americanos reverteu-se. E
numa espetacular reviravolta, os "contras" conseguiram, finalmente, a
verba que tanto queriam, para esbanjar com a incompetência que lhes tem sido
tão peculiar.
Ortega,
contudo, não desistiu de tentar um milagre. De convencer o mais ferrenho
adversário de seu regime que nada tem a ver com Moscou, com Cuba, ou seja lá
com quem for do bloco comunista. Tarefa muito difícil para quem acabou de
decretar um inoportuno (do ponto de vista político) estado de emergência em seu
país. O presidente nicaragüense certamente confia muito em seu poder de
persuasão, caso contrário nem sonharia com uma entrevista dessas que ele está
tentando conseguir com Reagan. Pode até ser que dê certo. Mas ninguém pode
negar que, à luz da lógica, assuniu uma autêntica missão impossível.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 23 de outubro de
1985)
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