Sunday, February 16, 2014

Missão quase impossível


Pedro J. Bondaczuk


O presidente nicaragüense, Daniel Ortega, tem mostrado uma enorme persistência na busca de um diálogo direto com o governo dos EUA. Desde a sua posse, após as eleições presidenciais de 4 de novembro do ano passado, classificadas como uma farsa pela Casa Branca, mas cuja lisura foi atestada por inúmeros observadores internacionais (inclusive norte-americanos), ele vem fazendo diversas ofertas ao presidente Ronald Reagan, visando a obter o seu reconhecimento para o regime sandinista. E quanto mais insiste, mais "Tio Sam" fecha a carranca e mostra ares de poucos amigos. Aliás, de declarados inimigos.

Em março passado, quando da posse do presidente uruguaio, Júlio Maria Sanguinetti, Ortega praticamente "impôs" um encontro com o secretário de Estado, George Shultz, em Montevidéu. Esperava-se que após essa reunião informal as coisas viessem a tomar um novo rumo. Que norte-americanos e nicaragüenses pudessem se sentar ao redor de uma mesma mesa e equacionar finalmente as suas diferenças. Poucos dias depois, Ortega chegou a propor a redução de conselheiros militares cubanos em seu país, ato que somente causou mais desconfiança na Casa Branca ao invés de qualquer esperada distensão. Reagan e seus conselheiros não viram na oferta nenhum gesto de boa vontade. Pressentiram, isto sim, outro engodo propagandístico sandinista e nada mais.

Mas o pior para Ortega, e os mais de dois milhões de nicaragüenses, ainda estava para vir. E veio no dia exato em que o presidente norte-americano desembarcou em Bonn, a 2 de maio, para a reunião dos sete países mais ricos do mundo ocidental. Foi o surpreendente embargo econômico decretado contra a Nicarágua, tornando a situação desse povo, que já não era das melhores, desesperadora e de seu presidente, insustentável. A medida, aliás, foi uma conseqüência direta da rejeição, por parte do Congresso dos EUA, de uma ajuda de US$ 14 milhões para os chamados "contras". Esta constituiu, afinal, numa intolerável derrota política para Reagan. O embargo, portanto, não passou de uma desforra. E Ortega fez o papel de holandês: pagou pelo que não fez. Ou, quem sabe, foi uma hábil estratégia da Casa Branca para reverter o revés. Se a segunda hipótese foi a correta, ela acabou dando certo.

Com o boicote econômico dos EUA, Ortega como que entrou em pânico. Saiu em busca de auxílio exatamente onde nunca poderia ter ido: do outro lado do mundo, no outro extremo ideológico, o bloco comunista. Decidiu fazer um giro pelo Leste europeu, angariando simpatias e uns parcos dólares, insuficientes para reativar a já cataléptica economia nicaragüense. E caiu, por conta própria, numa armadilha. E deu o argumento que Reagan queria. Com essa desastrada e inoportuna viagem, a opinião dos congressistas norte-americanos reverteu-se. E numa espetacular reviravolta, os "contras" conseguiram, finalmente, a verba que tanto queriam, para esbanjar com a incompetência que lhes tem sido tão peculiar.

Ortega, contudo, não desistiu de tentar um milagre. De convencer o mais ferrenho adversário de seu regime que nada tem a ver com Moscou, com Cuba, ou seja lá com quem for do bloco comunista. Tarefa muito difícil para quem acabou de decretar um inoportuno (do ponto de vista político) estado de emergência em seu país. O presidente nicaragüense certamente confia muito em seu poder de persuasão, caso contrário nem sonharia com uma entrevista dessas que ele está tentando conseguir com Reagan. Pode até ser que dê certo. Mas ninguém pode negar que, à luz da lógica, assuniu uma autêntica missão impossível.


(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 23 de outubro de 1985)

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