Tuesday, February 11, 2014

Rivalidades étnicas desmoronam federação eslava


Pedro J. Bondaczuk


A manchete de ontem do jornal italiano “Il Messagero” foi: “Iugoslávia está desmoronando”. Ela refletiu, com rara exatidão, o que está ocorrendo atualmente nesse país relativamente jovem – tem 73 anos de existência – que desde a sua formação sempre se constituiu num desafio político, por contar com uma população heterogênea sob todos os aspectos. Abriga oito povos diferentes, com línguas, tradições, religiões e costumes próprios, em seus 255.804 quilômetros quadrados.

Trata-se de mais uma das tantas obras de engenharia política européia, que nunca deram certo, mas foram tentadas em profusão. Em caso semelhante, embora em escala muito menor, está a Checoslováquia. E, em dimensões aumentadas, encontra-se a União Soviética, esta última constituindo a maior extensão territorial do Planeta, tentando conseguir um convívio pacífico de 101 etnias cuja maioria nutre ódio mortal uma pela outra.

A atual crise iugoslava, em escala ampliada, de muitas outras ali ocorridas, que sequer vieram a público e foram providencialmente sufocadas. Prende-se ao antagonismo existente entre suas duas maiores Repúblicas, a Sérvia e a Croácia.

O representante sérvio na presidência colegiada impediu, na terça-feira, que o croata Stipe Mesic, um ex-dissidente do regime que passou uma boa temporada como prisioneiro político, fosse eleito presidente da federação, conforme prevê a Constituição federal. Não houvesse esse pretexto, todavia, outro, certamente, surgiria para opor os dois grupos étnicos. Eles simplesmente não podem, e não querem conviver numa pátria comum, já que seus interesses são díspares, completamente antagônicos.

Quatro anos antes da formação do atual país, em 1918, então sob a forma de reinos, a Sérvia, incluindo a parte iugoslava da Macedônia, e Montenegro, eram independentes. Haviam conseguido se libertar do vasto Império Turco-Otomano, então em fase de desmantelamento, por obra e graça das principais potências ocidentais.

A federação, cujo nome oficial é “Socijalisticka Federativa Republika Jugoslavija” passou a chamar-se dessa forma somente após o marechal Jozip Broz Tito haver acabado com a monarquia e instaurando o regime republicano, outorgando o monopólio do poder ao Partido Comunista, do qual era chefe, em 1945.

A Croácia e a Eslovênia, até 1918, integravam o Império Austro-Húngaro. As seis Repúblicas e duas províncias autônomas foram reunidas debaixo da mesma coroa, a do rei Pedro I, como uma espécie de punição à Áustria, causadora direta da Primeira Guerra Mundial.

A palavra Iugoslávia quer dizer, literalmente, “Estado dos Eslavos Meridionais”. Até mesmo esse nome é relativamente recente. Foi adotado somente em 1929, durante o reinado ditatorial de Alexandre I, que cinco anos depois seria assassinado, portanto em 1934, por um terrorista croata, quando fazia uma visita ao porto francês de Marselha.

O monarca pagou caro pela sua truculência. Afinal, tão logo subiu ao trono, sufocou uma rebelião de separatistas da Croácia a poder de armas. Muitos outros movimentos nacionalistas foram desmantelados desde então, acumulando uma carga de ressentimentos que agora atinge um ponto de saturação. Embora em política fazer previsões seja um ato muito arriscado, tudo leva a crer que, a curtíssimo prazo, a Iugoslávia irá se desagregar.  
   
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 18 de maio de 1991)


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