Thursday, February 13, 2014

Quantos aniversários ainda a guerra vai ter?


Pedro J. Bondaczuk


As tropas sírias romperam, ontem, o duro cerco feito pela milícia muçulmana xiita libanesa Amal, de cinco meses de duração, contra o acampamento palestino de Shatilla, na região Sul de Beirute, permitindo que refugiados famintos recebessem, finalmente, alimentos, remédios e água, eles que estavam  agonizando à míngua.

Hoje, possivelmente, farão o mesmo no maior dos campos dessa cidade, o de Bourj El-Barajneh, onde ainda há troca de tiros entre franco-atiradores defensores do local e os autores do cerco. Mas a paz, com toda a boa vontade que se possa ter, ainda está muito distante do Líbano, a 18 dias apenas do trágico aniversário do início da guerra civil, que já vai completar 12 anos de duração, acabando com qualquer resquício de organização nacional que o país pudesse ter.

O problema libanês, conforme reiteramos várias vezes, reside no fato de existirem vários conflitos dentro do conflito central. Além da luta das milícias contra os palestinos, que foram os estopins, em 1975, dessa explosão de ódio que rompeu um frágil equilíbrio costurado às duras penas pelos franceses nos tempos em que esse território era sua colônia no Oriente Médio, há diferenças menores, que em condições normais seriam acertadas com alguns minutos de conversa, e que, no entanto, têm desembocado em carnificinas desenfreadas.

Este foi o caso, por exemplo, da luta entre drusos e xiitas pelo controle do setor Ocidental de Beirute, em fevereiro passado, que em poucas horas deixou um rastro de 300 mortos, 1.300 feridos e intensa destruição atrás de si. Não fazia muito, estas duas facções combatiam lado a lado, como aliadas.

Questões como esta abundam em todo este deprimente conflito. Jamais será conhecida a extensão real dos prejuízos deixados pela guerra civil. A quantidade de mortos nestes doze anos é estimada em pelo menos meio milhão de pessoas, mas essas cifras podem ser muito maiores.

Os desaparecidos somam-se aos milhares, deixando seus familiares na incerteza se eles foram feitos reféns por razões políticas ou religiosas, se foram capturados por bandidos comuns, em busca de extorsão de dinheiro ou se seus corpos apodreceram em alguma ruína de Beirute, ou de qualquer outra das arrasadas cidades libanesas, sem uma sepultura que desse um mínimo de dignidade a seus restos mortais.

Os que iniciaram o conflito disseram que agiram assim em nome da paz e da liberdade. Todos dizem isso. Esta, aliás, é a grande tragédia dos homens. A de encontrarem justificativas até para o que é francamente injustificável. Quantos aniversários mais esta carnificina insensata ainda irá fazer?

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 9 de abril de 1987).


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk     

No comments: