Quantos aniversários ainda a guerra vai ter?
Pedro J.
Bondaczuk
As tropas sírias romperam, ontem, o duro cerco feito pela
milícia muçulmana xiita libanesa Amal, de cinco meses de duração, contra o
acampamento palestino de Shatilla, na região Sul de Beirute, permitindo que
refugiados famintos recebessem, finalmente, alimentos, remédios e água, eles
que estavam agonizando à míngua.
Hoje, possivelmente, farão o
mesmo no maior dos campos dessa cidade, o de Bourj El-Barajneh, onde ainda há
troca de tiros entre franco-atiradores defensores do local e os autores do
cerco. Mas a paz, com toda a boa vontade que se possa ter, ainda está muito
distante do Líbano, a 18 dias apenas do trágico aniversário do início da guerra
civil, que já vai completar 12 anos de duração, acabando com qualquer resquício
de organização nacional que o país pudesse ter.
O problema libanês, conforme
reiteramos várias vezes, reside no fato de existirem vários conflitos dentro do
conflito central. Além da luta das milícias contra os palestinos, que foram os
estopins, em 1975, dessa explosão de ódio que rompeu um frágil equilíbrio
costurado às duras penas pelos franceses nos tempos em que esse território era
sua colônia no Oriente Médio, há diferenças menores, que em condições normais
seriam acertadas com alguns minutos de conversa, e que, no entanto, têm
desembocado em carnificinas desenfreadas.
Este foi o caso, por exemplo, da
luta entre drusos e xiitas pelo controle do setor Ocidental de Beirute, em
fevereiro passado, que em poucas horas deixou um rastro de 300 mortos, 1.300
feridos e intensa destruição atrás de si. Não fazia muito, estas duas facções
combatiam lado a lado, como aliadas.
Questões como esta abundam em
todo este deprimente conflito. Jamais será conhecida a extensão real dos
prejuízos deixados pela guerra civil. A quantidade de mortos nestes doze anos é
estimada em pelo menos meio milhão de pessoas, mas essas cifras podem ser muito
maiores.
Os desaparecidos somam-se aos
milhares, deixando seus familiares na incerteza se eles foram feitos reféns por
razões políticas ou religiosas, se foram capturados por bandidos comuns, em
busca de extorsão de dinheiro ou se seus corpos apodreceram em alguma ruína de
Beirute, ou de qualquer outra das arrasadas cidades libanesas, sem uma sepultura
que desse um mínimo de dignidade a seus restos mortais.
Os que iniciaram o conflito
disseram que agiram assim em nome da paz e da liberdade. Todos dizem isso.
Esta, aliás, é a grande tragédia dos homens. A de encontrarem justificativas
até para o que é francamente injustificável. Quantos aniversários mais esta
carnificina insensata ainda irá fazer?
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 9
de abril de 1987).
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