Wednesday, February 26, 2014

Mínimo, mas problemático


Pedro J. Bondaczuk


A partir de amanhã, estará vigorando, até 1º de janeiro de 1993, o novo salário mínimo, de Cr$ 522.186,94, ou cerca de US$ 103, pelo câmbio do dólar comercial de sexta-feira. Apesar de significar um relativo ganho quando comparado aos dois aumentos anteriores do ano, o novo piso nacional está muito aquém de satisfazer as necessidades básicas de qualquer pessoa. Representa, conforme constatou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, Dieese, apenas um terço do mínimo racional para que alguém se sustente com alguma dignidade.

Todavia, apesar de nitidamente insuficiente, o novo salário vai causar contratempos em vários setores que têm nele não a menor remuneração, mas a maior, em alguns casos. Um exemplo é o das donas de casa que terão, pelo menos no início, muitas dificuldades para pagar essa irrisória quantia às suas empregadas domésticas.

Ocorre que os reajustes nas demais faixas salariais estão muito distantes dos cerca de 120% aplicados sobre o piso nacional. As microempresas, às voltas com uma brutal recessão e conseqüente queda de vendas, passam a ter, também, esse novo problema para preocupa-las.

Todavia, o novo mínimo será sentido com maior intensidade pelos vazios cofres da maioria dos municípios brasileiros, onde o compadrismo, a irresponsabilidade administrativa e a corrupção eleitoral incham o funcionalismo.

Algumas dessas localidades, geralmente as mais pobres e menos populosas, não arrecadam o suficiente para sequer cobrir as respectivas folhas de pagamento, num exemplo de como não se deve administrar a coisa pública. Por conta desses “aprendizes de feiticeiro”, os raros trabalhadores urbanos que percebem essa ridícula remuneração acabam também penalizados. Há economistas prevendo que, em virtude do novo salário, a inflação tende a disparar mais ainda.

Todavia, quem repassar o reajuste para os preços vai estar demonstrando duas coisas, e ambas muito ruins. Ou será um ato de má fé, já que a nova remuneração se originou exatamente em decorrência do aumento já praticado nos preços, com a conseqüente elevação do custo de vida. Ou, o que é pior, mostrará completa insensibilidade, absurda desinformação acerca da realidade.

Se as vendas vêm despencando sucessivamente com o que é cobrado atualme4nte, insuportável diante do absurdo achatamento salarial ocorrido nos dois anos do desastroso governo Collor, com o encarecimento, elas tendem a simplesmente desaparecer.

O quadro recessivo não deixou espaço para os que se julgam muito “espertos”, mas que na verdade se mostram tolos ou no mínimo revelam não ter traquejo na sua apuração de custos. A atual política é tendente a eliminar a empresa nacional, despreparada para a competição, na medida em que ela não consegue reter nem mesmo o incipiente mercado interno em suas mãos, que, em virtude da crescente redução do poder de compra, se encolhe dia a dia. Sem salário digno, não há consumo. Conseqüentemente, não há produção, arrecadação de impostos e investimentos, num círculo vicioso que tende a jogar o País de vez no Quarto Mundo, ao invés de eleva-lo ao Primeiro.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 31 de agosto de 1992).


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