Bomba
nos porões
Pedro J. Bondaczuk
O ex-chanceler argentino, Dante Caputo, observou,
num discurso de abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, em setembro de
1988, que a humanidade jamais conseguirá viver em paz e harmonia enquanto
houver um fosso profundo separando países ricos e pobres. Para ilustrar sua
advertência, utilizou-se de uma imagem muito significativa. Disse que os
passageiros de primeira classe de um transatlântico de luxo jamais poderão se
sentir seguros se nos porões desse navio houver uma bomba, por menor que seja,
prestes a explodir.
Se o artefato romper o casco da embarcação, com a
explosão, esta, certamente, afundará, levando consigo, para o fundo, todos, ou
a maioria a bordo. Esse é o perfil do mundo contemporâneo.
Terminada a guerra fria, com o fim do comunismo no
Leste europeu e, conseqüentemente, com o fim do antagonismo ideológico que
colocou o mundo à beira da confrontação nuclear em várias oportunidades, não
veio a tão sonhada paz. Houve, apenas, uma troca de conflitos.
A luta, agora, embora ainda sequer admitida e
sumamente desigual, é entre o norte, rico e industrializado, e o sul,
paupérrimo e faminto, mais conhecido por Terceiro Mundo. Ou seja, há uma bomba
– a da miséria – plantada nos porões do transatlântico – a Terra – capaz de
atingir, indiscriminadamente, todos os “tripulantes” a bordo, ricos ou pobres.
Este, aliás, foi o único ponto de consenso obtido na
abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, iniciada, esta semana, no Rio de Janeiro. Pelo menos está
sendo, neste início de conversações.
Há muito mais em jogo nessa reunião do que a mera
tentativa de deter a poluição do ar e das águas para evitar a ruptura da camada
de ozônio que protege a Terra dos raios ultravioletas do sol ou impedir a
ocorrência do efeito estufa.
Hoje, nem o mais cínico dos cínicos é capaz de
repetir uma frase que andou muito em moda na década passada, ou seja, a de que
a miséria era assunto apenas para “intelectuais desocupados”. Deve ser
preocupação de todos.
Já é hora de a humanidade se conscientizar de que o
Planeta em que vivemos é uma espécie de espaçonave. Seus recursos são
exauríveis e todo o lixo que for gerado nela permanecerá infectando seu
interior. O próprio conceito de nacionalidade, fronteira, território precisa
ser repensado. Trata-se de uma tola, senão criminosa ilusão os países ricos
acharem que a poluição da atmosfera, gerada em suas circunscrições, é assunto
que diz respeito apenas a eles. Ou das nações que detêm as derradeiras reservas
florestais terrestres entenderem que sua manutenção, ou não, seja algo que lhes
caiba decidir.
Com cerca de 13 milênios de civilização, o homem
ainda é incapaz de trocar uma atitude de egoísmo pela ética do altruísmo. Não
aprendeu que o poder, a aptidão, o talento, são, na verdade, responsabilidades
e não prêmios conferidos pela natureza.
Aos virtuosos compete a tarefa de proteger,
orientar, conduzir os menos dotados. Trata-se de uma lei natural cujo sentido
ainda não foi entendido ou, se o foi, continua desvirtuado. Daí o desequilíbrio
entre os que têm demais e os que morrem à míngua.
O que se requer, sobretudo, é essa solidariedade
ausente, por sinal, a única salvação para a humanidade. É preciso agir como nos
versos do poeta Paulo Mendes Campos: “A vida enganou a vida, o homem enganou o
homem./Por isso, agora, organizei meu sofrimento/ao sofrimento, de todos; se
multipliquei minha dor/também multipliquei minha esperança”.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em 7 de junho de 1992)
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