Verdade e falsidade
Pedro J. Bondaczuk
A verdade existe por si só e não requer testemunhas ou porta-vozes
para que exista. As coisas são como são, independentes de
descrições ou interpretações. É algo muito óbvio e, no entanto,
gera tantas controvérsias e se presta a tanta retórica. Thomas
Hobbes foi sumamente feliz ao constatar que “onde não há
linguagem, não há verdade nem falsidade”.
Digamos que eu veja determinado objeto e este tenha a cor azul. Se eu
disser, a quem não o viu, que ele é verde, dependendo da convicção
que colocar em minhas palavras e da credibilidade de que goze,
certamente serei acreditado.
Falseei, logicamente, uma descrição. Disse do objeto aquilo que ele
não é. A falsidade, porém, será minha, não da coisa descrita em
si. Ela continuará sendo azul diga eu o que disser a seu respeito.
Não dissesse nada, e deixasse que o interlocutor verificasse por si
só, o “falso” não existiria. Passa a existir a partir das
minhas palavras, isto é, da “linguagem” com que nomeei o dito
objeto.
Filósofos, teólogos e escritores afirmam, desde os primórdios da
civilização, que sua meta e objetivo são a busca da “verdade”.
Apontam-nos caminhos que, ao cabo de algum tempo, a realidade
comprova serem equivocados e ruins, como no exemplo que dei acima do
objeto azul. E o que é a tal “verdade”, tão apregoada, mas
jamais definida com precisão?
Cada qual julga ser seu possuidor. Todavia, ninguém, de fato, chegou
sequer perto dela. Da minha parte, considero que a única verdade,
que merece crédito irrestrito e essa designação, é a da
existência, onipotência, transcendência, imanência e eternidade
de Deus.
O resto... Bem, o resto não passa de mero conjunto de teorias,
passivas de serem desmontadas, e de especulações, quase nunca
comprováveis ou que, quando são, se revelam mero conjunto de
sofismas e engodos. Ironicamente, são justamente os maiores
mentirosos que se arrogam em donos da verdade.
Ela, em si, reitero, existe cristalina, rigorosa, absoluta. A
linguagem, porém, distorce-a, polui-a, deturpa-a. O ensaísta Henry
David Thoreau constatou que “é preciso duas pessoas para falar a
verdade – uma para falar e outra para ouvir”. Ou seja, para
servir de testemunha do que foi dito. E mesmo assim... ambos podem
estar equivocados ou mal-intencionados. Tanto quem a diz, quanto quem
a ouve.
São raras as verdades absolutas, aceitas unanimemente sem
contestação, dadas sua lógica e clareza (reitero que à exceção
da existência de Deus, não creio irrestritamente em nenhuma delas).
A maioria dos conceitos tidos como verdadeiros por uns, é contestada
por outros, e isso vale tanto em questões de moral, quanto de
comportamento, de ciência, de arte etc.
Muitos princípios científicos, por exemplo, tidos, por longo tempo,
como exatos, um dia são derrubados por novas descobertas. Por
milênios os homens acharam que a Terra fosse plana e que o sol e as
estrelas giravam ao seu redor. Hoje, qualquer criança
recém-alfabetizada sabe que isso não é verdade. Antes das
pesquisas de Louis Pasteur, os doutos homens de ciência criam em
geração espontânea. Hoje qualquer um sabe que isso é totalmente
impossível e que somente um ser vivo tem condições de gerar outro
da mesma espécie.
Muitas das ações consideradas morais (não confundir com legais),
em passado não muito distante, hoje são tidas como o oposto, e
vice-versa. Uma delas? A escravidão! O jornalista e filósofo
francês, Raymond Aron, declarou, a esse propósito: “Por que se
representa a verdade nua? Para que cada um a vista como lhe pareça”.
Diz o povo, em sua instintiva sabedoria, “que a verdade dói”.
Nem sempre. E depende o que se entende como tal. Há verdades que
enobrecem, santificam e fazem justiça. Isso, contudo, desde que
vividas, testemunhadas, sentidas, jamais ouvidas de alguém.
A linguagem tende a poluí-la com resquícios de falsidade, de
fantasias, de especulações mesmo que mínimos, ou ínfimos. Pior é
quando a retórica lhe confere “verossimilhança”, o que a torna
mais perigosa. Ou seja, faz o falso parecido, parecidíssimo com o
verdadeiro, mas a verdade é só “metade” ou menos dele. E
queiram ou não, essa é a pior e mais perigosa das mentiras.
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