Frutos de preconceitos
Pedro J. Bondaczuk
“O triste do rebanho humano... é a força dos maus sentimentos e a
generalização da estupidez”. Essas palavras de Monteiro Lobato,
pinçadas no livro “Serões de Dona Benta”, adquirem plena
veracidade e ganham mais força quando analisamos determinados
comportamentos das pessoas, sendo que um dos que mais me intrigam é
esse nosso hábito, para lá de generalizado, de dizermos “palavrões”
quando irritados com algo, ou, principalmente, com alguém.
Outro dia, eu e meus amigos, que nos reunimos, amiúde, em nosso
“cenáculo” informal – na verdade um bar aqui da cidade
(reuniões estas que já abordei inúmeras vezes, em crônicas
anteriores) –, debatemos esse tema e chegamos a algumas conclusões.
Analisamos cada uma dessas expressões chulas isoladamente, fora do
seu contexto de agressividade, e encontramos, em todas, sem nenhuma
exceção, inegável raiz de preconceito.
No Brasil, criou-se um verbo próprio para caracterizar o ato de
dizer impropérios (provavelmente proveniente de algum dialeto
africano): xingar. E o que se entende como xingamento? Conforme o
dicionário, é “a ofensa, o insulto, a injúria ou a zombaria com
palavras”. Quem quiser conhecer uma coleção completa deles, basta
ir a um estádio de futebol, principalmente em dia em que o árbitro
estiver desagradando o time de maior torcida. Quem não os conhecer
(se há alguém que não os conheça), aprenderá rapidinho como
tirar os outros do sério.
Numa análise rápida e superficial, é fácil demonstrar a tese que
levantei, de que os palavrões se originam de preconceitos. Por
exemplo, o xingamento dos xingamentos é dizer a alguém que ele é
“filho de uma prostituta” (embora a palavra empregada não seja
bem esta, mas outra, bem mais curta). A pessoa que se ofende com isso
é tão tola quanto a que a xinga. Claro que sua mãe não exerce a
profissão tida como a mais antiga do mundo. E se exercesse?
Seria vergonhoso. E por que? Porque os mesmos que exploram
sexualmente as mulheres consideram que as que se deixam explorar se
tornam menos do que humanas. Viram uma coisa qualquer, menos gente.
Preconceito, puro preconceito, como se vê. Outro xingamento
equivalente é mandar o desafeto procurar a .... que o pariu. Ou
seja, diz a mesma coisa, com outras palavras: que a mãe daquele a
quem se deseja ofender é uma rameira.
Um terceiro palavrão, que provoca brigas e mais brigas e, nos casos
extremos, redunda até em mortes, é chamar alguém de homossexual,
mas substituindo esse termo pelo de um animal gracioso, veloz e cheio
de galhos na cabeça. Discordo do homossexualismo, embora respeite a
opção alheia. Todavia, considero esse xingamento, tanto quanto o
que abordei anteriormente, fruto de preconceito.
A maioria das outras palavras consideradas insultuosas é constituída
por expressões escatológicas, como os órgãos sexuais (masculino e
feminino), o excremento (com seus sinônimos chulos, evidentemente)
e, estranhamente, o uso de animais, como cachorro, cavalo, burro,
vaca e vai por aí afora para caracterizar alguém. Creio que o que
ofende num xingamento não é ele em si, mas a hostilidade que embute
quando é proferido.
Há palavras, até mesmo, que em sua origem não tinham conotação
ofensiva e que o povo transformou em ofensa. Exemplo? Vagabundo. O
significado original desse termo era o da pessoa que se perdia em
seus próprios pensamentos, ou que viajava muito, ou que fosse
nômade. Não tardou para que lhe dessem acepção negativa,
profundamente pejorativa. Hoje a palavra é, via de regra, utilizada
significando “aquele que não possui ocupação, que vive
levianamente, errante, que vagueia, andarilho”.
Há não muito, chamar alguém de vagabundo (ou de sua variante,
vagamundo), equivalia a considerá-la um poeta, ou um turista, ou
alguém que conhecia muitas terras e lugares. Hoje... é uma ofensa
que pode dar processo (se o que se considerar injuriado for, digamos,
um pouquinho “civilizado”), ou encrenca da grossa se for um
sujeito ignorante, de maus bofes e, sobretudo, valentão.
Como se vê, a estupidez é democrática e se generaliza com
espantosa rapidez. Todas as palavras consideradas xingamentos têm
significados, digamos, neutros, se utilizadas no devido contexto. Foi
o preconceito que as transformou em palavrões. Tanto que essas
palavras, condenadas pelos moralistas de plantão e que provocam
reações tão dramáticas, são chamadas de “baixo calão”. Ou
seja, de origem popular.
Agora me respondam o seguinte: é somente o povo que xinga? Aqueles
tidos como sendo de “classes superiores” nunca fazem um
xingamento, unzinho sequer? Fazem! E como fazem! Por que, então,
essa designação de “baixo calão”? É preconceito puro,
explícito, escrachado e desabrido contra o chamado “povão”,
óbvio! Ou não é?!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment