Tentando
entender as obsessões Borges
Pedro
J. Bondaczuk
A
obra literária de Jorge Luís Borges, de 41 livros publicados,
muitos dos quais editados em vinte idiomas diferentes, traz ao
assíduo leitor uma infinidade de assuntos. Alguns mereceram apenas
ligeiras menções, enquanto que outros ocuparam não apenas um, mas
vários volumes da sua extensa bibliografia. Afinal, por mais
profunda que fosse sua cultura (e esta era excepcional), como todo
ser humano, o escritor argentino não tinha (mas bem que ambicionou
ter) a virtude da onisciência. Cinco temas, entretanto, predominaram
em sua poesia, e nas narrativas curtas, ensaios e outros tantos
textos seus: os espelhos, os labirintos, os tigres, os punhais e os
tipos humanos, sobretudo da sua Buenos Aires natal.
Já
tratei desse assunto um sem número de vezes, porém, volta e meia
descubro novidades a respeito, através da leitura de textos “de”
e “sobre” Jorge Luís Borges, escritor que me desperta especial
fascínio e que influenciou e segue influenciando minha maneira de
ver, entender e de fazer literatura. A origem dessas cinco obsessões
borgianas a que me referi está, como ele mesmo confidenciou em mais
de uma oportunidade, na sua infância. Era de se esperar. Essa é uma
fase que, sem que nos apercebamos ou admitamos, muitas vezes
determina o que faremos e o que seremos no restante de nossas vidas.
É o que pude constatar em minha experiência pessoal. Quase todas as
ideias que exploro são coisas que pensei, posto que rusticamente, na
meninice e que amadureci com o tempo.
O
crítico literário Leo Gilson Ribeiro, em excelente análise que fez
da obra borgiana, na coluna que assinava periodicamente no extinto
“Jornal da Tarde”, na explanação que fez a respeito na edição
de 16 de junho de 1986, explica como se deu essa assimilação mágica
do escritor argentino das coisas que o fascinavam (mas também
aterrorizavam) quando criança. Essa obsessão temática, admitida
pelo próprio Borges, foi confirmada por seus parentes, amigos e por
diversos estudiosos de sua obra (entre os quais me incluo).
Analisemos, uma por uma, essas vertentes que, para mim dizem muito
das motivações literárias desse escritor.
Sobre
o fascínio de Borges por espelhos, a melhor das explicações foi
dada por sua irmã Norah, casada com o crítico literário Guillermo
de La Torre. Claro que ela aponta somente a causa externa da obsessão
borgiana e não o processo psicológico que despertou essa marcante
fantasia infantil que perdurou pelo resto da vida do irmão. Ela
informou: “Os espelhos foram uma obsessão durante a infância de
Jorge. No quarto havia um grande, que refletia a sua imagem. Ficar
só, na cama, com esse objeto à sua frente, era seu terror diário.
Era uma ameaça contínua. Jorge tinha medo até do vago reflexo de
seu rosto no espelho”, revelou Norah.
Leo
Gilson Ribeiro acrescentou a propósito: “… Em casa, se via
triplicado por três espelhos de um armário grande e temia que
aquelas três imagens pudessem mostrá-lo diferente do que ele fosse
realmente. E, se de repente, ele surgisse diferente do que ele fosse
realmente? E, se de repente, ele surgisse não só diferente, mas
metamorfoseado em algo monstruoso, apavorante, irreconhecível e
irreversível?”. Muitos de nós também tivemos fascínio parecido
pelo espelho, embora não nos lembremos, ou não admitamos ou que
sequer saibamos. Observemos, por exemplo, uma criança que comece a
tomar consciência do ambiente em que está. Coloquemo-la diante de
um espelho, objeto que ela nunca tenha visto antes. Sua primeira
reação, provavelmente, será a de buscar contato tátil com aquele
“outro” que vê refletido à sua frente e que lhe parece
familiar.
Ao
perceber, porém, que cada gesto que faz é reproduzido
integralmente pela imagem que vê, embora não revele verbalmente ao
observador (por ainda não dominar a comunicação pela palavra), se
observarmos atentamente essa criança notaremos em seu rosto enorme
perplexidade, desesperada indagação muda, seguida, muitas vezes, de
instintiva reação de medo. Poucos de nós não passamos por
experiência parecida, embora não nos lembremos. E poucos de nós
não manifestamos medo pelo desconhecido. É questão de instinto.
As
outras quatro obsessões de Jorge Luís Borges nada têm a ver com
experiências reais, concretas, vividas pelo escritor. São
impressões de leitura, de observações visuais ao acaso ou de
casuais e inconscientes associações de ideias. Os labirintos, por
exemplo, segundo Maria Esther Vasquez, amiga pessoal do escritor,
advêm da sua lembrança de uma gravura que viu quando menino
tratando do Minotauro de Creta, onde este ser meio homem e meio touro
estava confinado. As impressões que temos quando crianças são as
mais puras e lúcidas, pois não sofrem a influência de eventual
tentativa de análise ou de explicação do que vemos. Isso vem
depois, às vezes, muito depois. Elas fixam-se, simplesmente, na
memória, como as imagens se fixam em chapas fotográficas virgens e
de boa qualidade.
A
esse propósito, Borges revelou que o labirinto era “o assombro que
cria a metafísica, como diz Aristóteles, e o assombro foi sempre
uma das emoções mais comuns em minha vida, como na de Chesterton,
que dizia: ‘tudo passa, mas sempre fica o assombro, sobretudo o
assombro perante a vida de todos os dias”. Voltarei ao assunto para
comentar as outras três obsessões do meu guru literário.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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