O desejável e o possível
Pedro J. Bondaczuk
Os programas de governo dos
partidos e coligações que respaldam os sete candidatos à
Presidência da República nas eleições de 3 de outubro próximo
têm, em sua substância, mais semelhanças do que diferenças. Todos
enfatizam a solução dos principais problemas nacionais da
atualidade, que são o desemprego, a fome, a saúde, a educação e a
segurança pública.
A variação está tanto na
forma de apresentação dos respectivos planos, quanto na ênfase
dada a cada um dos temas tratados. E, principalmente, na estratégia
a ser adotada para consubstanciar em obras esse conjunto de boas
intenções, o que, sem sermos pessimistas ou derrotistas, é o mais
provável de acontecer. Ou seja, tudo continuará como está.
É louvável essa preocupação
de apresentar à sociedade essa espécie de "roteiro de viagem"
de um eventual mandato presidencial. Mas será que há sinceridade de
propósito? Há, pelo menos, realismo? Os programas, da forma que
estão postos, são factíveis, pelo menos em boa parte das
propostas? Depois de eleitos os candidatos vão se lembrar desses
compromissos assumidos com os eleitores? Certamente que não! A razão
é muito simples.
Há uma enorme diferença
entre o "desejável" e o "possível". Caso
qualquer um desses planos fosse executado na íntegra, rigorosamente,
ao pé da letra, o Brasil emergiria, ao cabo de quatro anos de
mandato, como superpotência mundial, mais rico, justo e equilibrado
do que países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha,
França, etc.
Surgem, pois, duas indagações
por parte do analista, treinado, por dever de ofício, a reduzir
todas as proposições ao conteúdo lógico. A primeira questão
refere-se ao tempo. Seria possível remodelar um país, por menor e
menos complexo que fosse, no escasso período de quatro anos? Afinal,
os programas referem-se a um simples mandato. Claro que não!
Para que todos os brasileiros
tenham acesso à educação, à saúde, segurança e contem com
oportunidades iguais de ascensão social, haveria a necessidade, no
mínimo, de um século. E isso supondo que o governo seja
absolutamente eficaz, sem desperdícios, corrupção ou inércia.
Como se vê, mera utopia.
O segundo questionamento que
se impõe, este mais prático, se refere aos recursos. De onde virá
o financiamento para a reparação de nossa sucateada rede viária e
a abertura de novas rodovias, ferrovias e hidrovias, ou para a
construção das escolas necessárias para abrigar as milhões de
crianças à espera do ensino, ou para o pagamento de salários
compatíveis com a função para os professores; ou para recuperar os
hospitais públicos que hoje estão transformados em autênticas
"casas de horror"? E tudo isso em apenas quatro anos de
mandato!
Não há dúvida que os
programas, elaborados por especialistas --- certamente muito bem
intencionados --- revelam uma preocupação bastante louvável.
Contudo, não são nada práticos. Não passam de meras peças
utópicas, tendentes a gerar novas frustrações no eleitorado, ao
cabo do governo, pela impossibilidade material --- de tempo e de
dinheiro --- de concretização.
Melhor seria que os que se
apresentam como postulantes à sucessão de Itamar Franco propusessem
à sociedade planos menos bombásticos, menos volumosos e menos
detalhados, mas factíveis. Que apostassem não no Brasil ideal, que
cada cidadão tem em sua cabeça e no seu coração, mas no
"possível".
Até porque, o governo é um
conjunto de três Poderes e não se limita apenas ao Executivo. Sem
maioria parlamentar, nenhum presidente conseguirá fazer coisa
alguma. E as pesquisas indicam que o novo Congresso, que irá emergir
das urnas, vai refletir a divisão existente atualmente na sociedade.
Nenhum grupo ou coligação
terá maioria clara, definida, cristalina, que possibilite a execução
sequer de um programa mínimo. E a raiz da crise brasileira, que é
política, permanecerá intacta, inviabilizando qualquer reforma
substancial. O leitor poderá conferir em 1998...
(Artigo publicado na página
2, Opinião, da Folha do Taquaral, em 3 de setembro de 1994).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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