Sunday, November 19, 2017

O desejável e o possível


Pedro J. Bondaczuk


Os programas de governo dos partidos e coligações que respaldam os sete candidatos à Presidência da República nas eleições de 3 de outubro próximo têm, em sua substância, mais semelhanças do que diferenças. Todos enfatizam a solução dos principais problemas nacionais da atualidade, que são o desemprego, a fome, a saúde, a educação e a segurança pública.

A variação está tanto na forma de apresentação dos respectivos planos, quanto na ênfase dada a cada um dos temas tratados. E, principalmente, na estratégia a ser adotada para consubstanciar em obras esse conjunto de boas intenções, o que, sem sermos pessimistas ou derrotistas, é o mais provável de acontecer. Ou seja, tudo continuará como está.

É louvável essa preocupação de apresentar à sociedade essa espécie de "roteiro de viagem" de um eventual mandato presidencial. Mas será que há sinceridade de propósito? Há, pelo menos, realismo? Os programas, da forma que estão postos, são factíveis, pelo menos em boa parte das propostas? Depois de eleitos os candidatos vão se lembrar desses compromissos assumidos com os eleitores? Certamente que não! A razão é muito simples.

Há uma enorme diferença entre o "desejável" e o "possível". Caso qualquer um desses planos fosse executado na íntegra, rigorosamente, ao pé da letra, o Brasil emergiria, ao cabo de quatro anos de mandato, como superpotência mundial, mais rico, justo e equilibrado do que países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França, etc.

Surgem, pois, duas indagações por parte do analista, treinado, por dever de ofício, a reduzir todas as proposições ao conteúdo lógico. A primeira questão refere-se ao tempo. Seria possível remodelar um país, por menor e menos complexo que fosse, no escasso período de quatro anos? Afinal, os programas referem-se a um simples mandato. Claro que não!

Para que todos os brasileiros tenham acesso à educação, à saúde, segurança e contem com oportunidades iguais de ascensão social, haveria a necessidade, no mínimo, de um século. E isso supondo que o governo seja absolutamente eficaz, sem desperdícios, corrupção ou inércia. Como se vê, mera utopia.

O segundo questionamento que se impõe, este mais prático, se refere aos recursos. De onde virá o financiamento para a reparação de nossa sucateada rede viária e a abertura de novas rodovias, ferrovias e hidrovias, ou para a construção das escolas necessárias para abrigar as milhões de crianças à espera do ensino, ou para o pagamento de salários compatíveis com a função para os professores; ou para recuperar os hospitais públicos que hoje estão transformados em autênticas "casas de horror"? E tudo isso em apenas quatro anos de mandato!

Não há dúvida que os programas, elaborados por especialistas --- certamente muito bem intencionados --- revelam uma preocupação bastante louvável. Contudo, não são nada práticos. Não passam de meras peças utópicas, tendentes a gerar novas frustrações no eleitorado, ao cabo do governo, pela impossibilidade material --- de tempo e de dinheiro --- de concretização.

Melhor seria que os que se apresentam como postulantes à sucessão de Itamar Franco propusessem à sociedade planos menos bombásticos, menos volumosos e menos detalhados, mas factíveis. Que apostassem não no Brasil ideal, que cada cidadão tem em sua cabeça e no seu coração, mas no "possível".

Até porque, o governo é um conjunto de três Poderes e não se limita apenas ao Executivo. Sem maioria parlamentar, nenhum presidente conseguirá fazer coisa alguma. E as pesquisas indicam que o novo Congresso, que irá emergir das urnas, vai refletir a divisão existente atualmente na sociedade.

Nenhum grupo ou coligação terá maioria clara, definida, cristalina, que possibilite a execução sequer de um programa mínimo. E a raiz da crise brasileira, que é política, permanecerá intacta, inviabilizando qualquer reforma substancial. O leitor poderá conferir em 1998...

(Artigo publicado na página 2, Opinião, da Folha do Taquaral, em 3 de setembro de 1994).



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