Amazônia loteada
Pedro J. Bondaczuk
A Amazônia, que já nasceu
cercada por lendas e mitos de todas as espécies --- o próprio rio
que lhe dá denominação e, por extensão, a toda a região, tem o
nome de guerreiras mitológicas --- está, na verdade, envolvida por
uma aura de grande desinformação.
Muito do que se diz ou se
escreve a seu respeito não passa de fantasia. Mas uma coisa é real:
essa magnífica reserva biológica tem que ser preservada. Não
porque seja o pulmão da Terra, como se apregoa, pois a maior parte
da renovação do oxigênio na biosfera se dá através do mar. Nem
que seja potencialmente um celeiro agrícola do Brasil e do mundo, já
que se sabe que seu solo não prima pela fertilidade e que esta
existe apenas em algumas "manchas" amazônicas.
Temos de preservar a Amazônia
pelo mesmo motivo que precisamos resguardar da destruição tantas
outras reservas biológicas, do Brasil ou de qualquer lugar do
Planeta. Para evitar um desequilíbrio no preciso mecanismo da
natureza. Porque se destruirmos nosso lar no espaço, nossa
astronave, da qual somos tripulantes, estaremos, fatalmente,
destinados à extinção. Não importa que estratégia adotemos para
evitar a devastação crescente dos recursos naturais planetários,
desde que funcione.
Uma das formas mais estranhas
de preservacionismo, todavia, é a adotada por uma fundação
norte-americana denominada "Rain Forest Foundation". Essa
organização publicou, na revista "Premiere" dos Estados
Unidos, anúncio oferecendo lotes de terra na Amazônia, para que
pudessem ser preservados de destruição.
Nacionalismo à parte, tal
procedimento causa estranheza, por várias razões. A primeira é a
da legitimidade. Como posso vender aquilo que não me pertence, sem
com isso caracterizar o delito de estelionato? Ou será que a
entidade adquiriu de alguém a região e não estamos sabendo? De
quem?
A segunda questão que se
impõe é a da garantia de que os objetivos propostos serão de fato
respeitados. Se eu compro uma propriedade, posso fazer com ela o que
quiser, desde que a ação seja legal. E nesta terra do "jeitinho",
mesmo as ilegais acabam sendo praticadas, mediante dribles na lei.
A intenção da "Rain
Forest Foundation" pode ser das melhores, não se discute esse
aspecto. O que nos parece, contudo, é que a estratégia escolhida
não é das mais felizes, por se constituir numa autêntica
armadilha. Pressupõe sinceridade da parte dos adquirentes, o que é,
cada vez mais, uma virtude rara no mundo contemporâneo, tão cheio
de meias verdades, que são piores do que a mentira completa, por
apresentarem verossimilhança.
(Editorial publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 28 de novembro de 1990).
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