Loucura e razão
Pedro
J. Bondaczuk
O homem
dotado de grande inteligência, a considerada superior à média,
desafia os estudiosos, que buscam determinar as causas dessa
capacidade. Teorias vêm sendo estabelecidas, e superadas, sem que se
chegue a qualquer conclusão cientificamente comprovável.
Psicólogos,
psiquiatras, neurologistas, etólogos, antropólogos ou simples
leigos tentam responder, de forma convincente, baseada em provas, a
questão: Por que determinadas pessoas são mais inteligentes do que
outras? Ou seja, por que têm raciocínio mais rápido e entendem com
maior facilidade o que as cerca? Seria algum fator genético? Ou
seria consequência de alimentação adequada, ou de estímulos
durante a infância, ou do meio ambiente em que a pessoa é criada ou
da forma que é educada?
Há
quem ache que os bem-dotados, considerados gênios, contam com algum
fator biológico especial. Mas qual ele seria, caso seja isso,
realmente, o que determina sua superioridade de inteligência? O
tamanho do cérebro teria alguma influência? Em caso positivo, em
que medida? Quais os fatores que determinaram a genialidade, por
exemplo, de um Albert Einstein, de um Beethoven, de um Salvador Dali
ou de um Linus Pauling, entre tantos outros, em suas respectivas
atividades? E, afinal, o que vem a ser inteligência?
No
extremo oposto ao do gênio está o louco. O que vem a ser a loucura?
Esse conjunto de desarranjos mentais incapacita sua vítima para as
artes ou a torna mais criativa, conforme alguns sugerem? Afinal,
muitos, muitíssimos sujeitos cuja criatividade brotava pelos poros,
foram (ou são) atormentados por variações extremas de humor,
fixações, delírios, manias e dependência de álcool e drogas.
Não
me refiro, aqui, à forma popular de loucura, como o vulgo a entende,
no sentido daquele indivíduo que tem comportamentos, ideias
e atitudes, digamos, não-convencionais. Milhões agem assim e, no
entanto, esbanjam saúde mental. A loucura a que me refiro é a
doença – ou as doenças, já que são vários os desarranjos da
mente (assim como os seus graus) que tornam uma pessoa incapaz,
social e legalmente. Há casos e casos. Muitos artistas produziram
suas melhores obras depois que manifestaram sua insanidade. Outros
tantos, tiveram suas carreiras abruptamente interrompidas e acabaram
confinados a manicômios, como feras ou como meros vegetais.
A
loucura, através dos tempos, foi tratada de formas as mais diversas
e, não raro, diametralmente opostas. Em algumas sociedades, o louco
era tido como uma pessoa em contato direto e ininterrupto com os
deuses e se tornava uma espécie de oráculo. Em outras, era
considerado “endemoniado” e, não raro, era espancado até a
morte, para que o demônio deixasse o seu corpo. Em muitos lugares o
louco ainda é tratado como delinquente,
como “criminoso” (mesmo que jamais tenha agredido a quem quer que
fosse) e submetido a toda a sorte de torturas e de vexames.
Por
outro lado, gente séria, como Platão, por exemplo, chegou a dar a
entender que toda criatividade se baseia, fundamentalmente, numa
espécie de “loucura divina”. No século XIX, o psicólogo e
filósofo norte-americano William James chegou a escrever o seguinte:
“Quando um intelecto superior se une a um temperamento psicopático,
criam-se as melhores condições para o surgimento daquele tipo de
genialidade efetiva que entra para os livros de História”.
Discordo.
Ulrich
Kraft escreveu revelador e instigante ensaio a propósito intitulado
“Sobre gênios e loucos”. No texto, apresenta uma lista de
artistas célebres portadores de graves distúrbios psíquicos como
os compositores clássicos Robert Schumann, Piotr Tchaikowski e
Serguei Rachmaninoff; os pintores Vincent van Gogh e Paul Gauguin e
os escritores Lord Byron e Liev Tolstoi. A essa lista, eu
acrescentaria, por exemplo, os escritores Stephane Mallarmé,
Friedrich Nietzsche, Johann Christian Friedrich Holderlin, Gerard de
Nerval e Antonin Artaud, entre tantos outros.
Fico,
no entanto, com a opinião equilibrada e entendida do professor e
escritor Isaías Pessotti. O mestre declarou, a respeito, em
entrevista publicada pela revista “Cult” em fevereiro de 1998:
“Se as pessoas rotuladas como loucas foram grandes criadoras,
trata-se de pessoas muito criativas que, por acidente, ficaram
loucas. Ou se trata de pessoas que na situação acrítica da
marginalização (como loucos) revelaram uma criatividade que a vida
‘normal’ impedia de se ver ou de se manifestar. Mas a loucura não
é libertação do espírito. Muito ao contrário. É a escravidão
do pensamento”.
Prefiro
a lucidez. Defendo a visão positiva da vida como inspiração para
as grandes obras do espírito. Remoer mágoas, frustrações, dores,
rancores e tantos outros sentimentos doentios e fazer dessa tétrica
mistura matéria-prima para “obras de arte”, apresentadas como
delírios, uivos, pesadelos ou coisa que o valha, para mim não passa
de masoquismo.
Aliás,
nada é mais maluco do que a própria origem da palavra “louco”.
Paradoxalmente, ela não passa de corruptela do termo “lógico”.
Ora, se loucura for lógica, prefiro ser, pelo resto da vida, ilógico
e contraditório. E, no entanto, mentalmente são.
Claro
que muita coisa poderia ser escrita sobre o assunto, mas não me
propus a escrever nenhum tratado, ou ensaio ou coisa que o valha a
esse respeito. Minha intenção foi a mais corriqueira possível: a
de escrever uma reles crônica, usando, para isso, o recurso que
caracteriza esse gênero. Ou seja, “catando no ar” um tema
qualquer, profundo ou superficial, importante ou trivial e deitar
falação a respeito. E foi o que fiz, não é verdade?
André
Gide escreveu: “As coisas mais belas são ditadas pela loucura e
escritas pela razão”. Não sei se estas descompromissadas
considerações podem ser consideradas como revestidas de alguma
beleza. É provável que não. E nem a minha intenção foi essa.
Estas linhas, porém, foram ditadas pela loucura (dos outros). Mas
escritas (pelo menos acho que sim) por uma certa razão.
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