Psíquico e epidérmico
Pedro J. Bondaczuk
Nenhum sentimento é tão
intenso e afeta a totalidade do nosso ser – ou seja, coração,
corpo e alma – quanto o verdadeiro amor, quando é correspondido e
levado às últimas consequências
pelos parceiros. Promove o máximo do contato psíquico (o que nenhum
psiquiatra consegue fazer embora seja seu objetivo) e o maior dos
prazeres físicos, de forma absolutamente inigualável.
Nem a fé, nem a esperança,
nem o medo, nem o ódio nem qualquer outra emoção, positiva ou
negativa, conseguem essa simultaneidade e totalidade de sensações e
reações. Daí ser estranhável o fato de muitas pessoas fugirem do
amor, de medo de se ferirem. Por esse delírio, por essa magia, por
esse encantamento valem quaisquer riscos, ferimentos, empenhos e
sacrifícios.
Meus críticos gratuitos me
acusam, amiúde, de abordar com “irritante” frequência
esse tema, sem que lhe acrescente nada de novo, que já não tenha
sido dito ou escrito por alguém, em algum lugar ou em algum tempo.
Até certo ponto, têm razão. Os amigos mais íntimos, por sua vez,
brincam comigo dizendo que devo estar perdidamente apaixonado, para
escrever tanto sobre o amor. Também estão certos.
Aos que me criticam, respondo
que esse é o tema mais abordado (e menos compreendido) por poetas,
filósofos, romancistas, dramaturgos, psiquiatras, psicoterapeutas e
quejandos em todo o mundo e todos os tempos. Se também não o
tratasse, estaria privando meus leitores, fiéis e habituais, da
minha opinião a respeito, pois o número de e-mails que recebo, me
cobrando textos sobre o assunto, é muito grande, diria avassalador.
Ademais, quem não gosta do que escrevo... Bem, creio que estes já
entenderam para qual lugar quero que vão.
Quanto a estar apaixonado,
nunca deixei de estar. E nos últimos 41 anos, minha paixão é
voltada sempre, sempre e invariavelmente
para a mesma mulher, o que, convenhamos, é um privilégio (meu,
claro, mas talvez dela também, não sei). Dadas as devidas
respostas, vamos ao que interessa.
Se as promessas mútuas que os
amantes fazem, no delírio da paixão, quando a sós, numa noite de
luar, fossem todas cumpridas, seu amor nunca chegaria ao fim. Ambos
viveriam para sempre no Paraíso. Não vivem! Frequentemente,
o amor que juravam que seria eterno chega ao fim, não raro no mesmo
dia.
Não que aquilo que prometeram
fosse falso. No momento em que foram feitas, as promessas eram
sinceras. Ocorre que o tempo passa e nem todos têm a cautela de
cuidar dos sentimentos. O amor é caprichoso e exige cultivo
permanente, para que não definhe, murche e morra. Os que se
descuidam desse trato, esquecem logo as promessas que fizeram e, não
raro, passam a detestar a pessoa que antes amavam. Os jornais estão
repletos de casos de indivíduos que trucidam as amadas, em acessos
de fúria e rancor por se verem (ou apenas desconfiarem) passados
para trás.
Jorge Linhaça conclui com
estes versos, repletos de verdade, seu poema “A lua dos amantes”:
“Tantas promessas trocadas
a nada tu te opunhas,
não nos importava nada.
A lua foi testemunha…
Hoje a saudade, mais nada”.
E como é triste o fim de um
grande amor que se acaba por falta de cuidado!! Já passei por isso e
sei o quanto dói. Mas as lembranças ficam, mesmo à nossa revelia.
Muitas vezes, no amor, o
silêncio é bem mais importante do que qualquer palavra que os
amantes possam dizer um ao outro. Os olhos, o rosto, o sorriso, as
mãos e todo o corpo são mais enfáticos e expressam com muito maior
fidelidade as emoções que ambos sentem um pelo outro.
Trata-se da única situação
em que duas almas dialogam, sem intermediários, com ternura e
encantamento, prescindindo de qualquer outro som, a não ser o dos
suspiros de prazer e de paixão. Mais essencial ainda o silêncio se
torna quando um dos parceiros, no momento de maior intimidade do
casal, se sente tentado a fazer alguma observação que lhe pareça
pertinente, mas que soe a crítica. O efeito é devastador! Há
relacionamentos estáveis que se rompem para sempre por causa de
palavras inocentes, ditas fora de hora, sem levar em conta o
contexto.
Affonso Romano de Sant’Anna
escreveu um belíssimo poema a respeito, intitulado “Silêncio
amoroso” (que peço licença ao paciente leitor para reproduzir)
que diz:
“Preciso do teu silêncio
cúmplice sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal pode
me desamparar.
E se eu abrir a boca minha
alma vai rachar.
O silêncio, aprendo, pode
construir.
É um modo/denso
tenso de coexistir.
Calar, às vezes, é fina
forma de amar”.
Ademais, por que falar, se o
corpo é tão enfático e expressa com tamanha naturalidade, nitidez
e verdade o amor, que palavra alguma pode declarar?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment