Thursday, November 30, 2017

Psíquico e epidérmico

Pedro J. Bondaczuk

Nenhum sentimento é tão intenso e afeta a totalidade do nosso ser – ou seja, coração, corpo e alma – quanto o verdadeiro amor, quando é correspondido e levado às últimas consequências pelos parceiros. Promove o máximo do contato psíquico (o que nenhum psiquiatra consegue fazer embora seja seu objetivo) e o maior dos prazeres físicos, de forma absolutamente inigualável.

Nem a fé, nem a esperança, nem o medo, nem o ódio nem qualquer outra emoção, positiva ou negativa, conseguem essa simultaneidade e totalidade de sensações e reações. Daí ser estranhável o fato de muitas pessoas fugirem do amor, de medo de se ferirem. Por esse delírio, por essa magia, por esse encantamento valem quaisquer riscos, ferimentos, empenhos e sacrifícios.

Meus críticos gratuitos me acusam, amiúde, de abordar com “irritante” frequência esse tema, sem que lhe acrescente nada de novo, que já não tenha sido dito ou escrito por alguém, em algum lugar ou em algum tempo. Até certo ponto, têm razão. Os amigos mais íntimos, por sua vez, brincam comigo dizendo que devo estar perdidamente apaixonado, para escrever tanto sobre o amor. Também estão certos.

Aos que me criticam, respondo que esse é o tema mais abordado (e menos compreendido) por poetas, filósofos, romancistas, dramaturgos, psiquiatras, psicoterapeutas e quejandos em todo o mundo e todos os tempos. Se também não o tratasse, estaria privando meus leitores, fiéis e habituais, da minha opinião a respeito, pois o número de e-mails que recebo, me cobrando textos sobre o assunto, é muito grande, diria avassalador. Ademais, quem não gosta do que escrevo... Bem, creio que estes já entenderam para qual lugar quero que vão.

Quanto a estar apaixonado, nunca deixei de estar. E nos últimos 41 anos, minha paixão é voltada sempre, sempre e invariavelmente para a mesma mulher, o que, convenhamos, é um privilégio (meu, claro, mas talvez dela também, não sei). Dadas as devidas respostas, vamos ao que interessa.

Se as promessas mútuas que os amantes fazem, no delírio da paixão, quando a sós, numa noite de luar, fossem todas cumpridas, seu amor nunca chegaria ao fim. Ambos viveriam para sempre no Paraíso. Não vivem! Frequentemente, o amor que juravam que seria eterno chega ao fim, não raro no mesmo dia.

Não que aquilo que prometeram fosse falso. No momento em que foram feitas, as promessas eram sinceras. Ocorre que o tempo passa e nem todos têm a cautela de cuidar dos sentimentos. O amor é caprichoso e exige cultivo permanente, para que não definhe, murche e morra. Os que se descuidam desse trato, esquecem logo as promessas que fizeram e, não raro, passam a detestar a pessoa que antes amavam. Os jornais estão repletos de casos de indivíduos que trucidam as amadas, em acessos de fúria e rancor por se verem (ou apenas desconfiarem) passados para trás.

Jorge Linhaça conclui com estes versos, repletos de verdade, seu poema “A lua dos amantes”:

Tantas promessas trocadas
a nada tu te opunhas,
não nos importava nada.

A lua foi testemunha…
Hoje a saudade, mais nada”.

E como é triste o fim de um grande amor que se acaba por falta de cuidado!! Já passei por isso e sei o quanto dói. Mas as lembranças ficam, mesmo à nossa revelia.
Muitas vezes, no amor, o silêncio é bem mais importante do que qualquer palavra que os amantes possam dizer um ao outro. Os olhos, o rosto, o sorriso, as mãos e todo o corpo são mais enfáticos e expressam com muito maior fidelidade as emoções que ambos sentem um pelo outro.

Trata-se da única situação em que duas almas dialogam, sem intermediários, com ternura e encantamento, prescindindo de qualquer outro som, a não ser o dos suspiros de prazer e de paixão. Mais essencial ainda o silêncio se torna quando um dos parceiros, no momento de maior intimidade do casal, se sente tentado a fazer alguma observação que lhe pareça pertinente, mas que soe a crítica. O efeito é devastador! Há relacionamentos estáveis que se rompem para sempre por causa de palavras inocentes, ditas fora de hora, sem levar em conta o contexto.

Affonso Romano de Sant’Anna escreveu um belíssimo poema a respeito, intitulado “Silêncio amoroso” (que peço licença ao paciente leitor para reproduzir) que diz:

Preciso do teu silêncio
cúmplice sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal pode me desamparar.
E se eu abrir a boca minha alma vai rachar.

O silêncio, aprendo, pode construir.
É um modo/denso
tenso de coexistir.
Calar, às vezes, é fina forma de amar”.

Ademais, por que falar, se o corpo é tão enfático e expressa com tamanha naturalidade, nitidez e verdade o amor, que palavra alguma pode declarar?


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