Sunday, November 26, 2017

Regra de ouro

Pedro J. Bondaczuk

Os deveres que a vida em comunidade nos impõe, mesmo os mais simples e óbvios, nos causam, quase sempre, resistência, quando não repulsa. Sabemos que temos de cumpri-los, os cumprimos, mas raramente de boa vontade. Isso ocorre não exatamente por causa de eventuais dificuldades para o seu cumprimento, mas porque nos são, tacitamente, impostos. Não são frutos exclusivos, portanto, da nossa vontade. E isso faz a diferença. Subconscientemente, sentimo-nos violentados em nosso livre-arbítrio.

Todos temos um conjunto de deveres – para com a nossa família, na escola, no trabalho, em relação ao país em que vivemos etc. – a cumprir. Por exemplo, em algumas sociedades democráticas, o voto é um direito inalienável do cidadão. É o ápice, o ponto culminante, o clímax da democracia. Se não pudéssemos votar, certamente iríamos às ruas, nos manifestar publicamente, para que essa possibilidade de escolher nossos representantes não nos fosse interdita.

Todavia, em alguns países (inclusive o nosso) o voto é obrigatório. Ou seja, deixa o campo do direito e se transforma num “dever” cívico. Por isso, e somente por isso, ou seja, pela obrigatoriedade, relutamos, em épocas de eleições, em votar. Ainda mais quando a data de cumprir essa tarefa de cidadania cai num dia maravilhoso de sol, em meados da Primavera. Sentimo-nos tentados a viajar para alguma praia, ou cidade serrana, e mandar o “dever” para as cucuias. Às vezes até o mandamos.

Há outros tantos exemplos em que o cumprimento de tarefas a que nos vemos obrigados nos causa sofrimento. Uma delas, é servir o Exército. Caso isso não fosse obrigatório, é bem provável que nos oferecêssemos, de livre vontade, para tal serviço e que nos sentíssemos diminuídos, até mesmo excluídos, caso não nos fosse permitido. Como é obrigatório, porém... Ou seja, como é um “dever” cívico, fazemos de tudo para nos livrar dessa obrigação.

Há alguma forma de fazermos o que somos obrigados sem que nos sintamos constrangidos, violentados, coagidos e nem relutemos em executar tal tarefa? Há! É o “treinamento” para esse tipo de circunstância. O escritor norte-americano Samuel Clemens, mais conhecido pelo seu pseudônimo de Mark Twain, sugere o seguinte exercício, que considera como “regra de ouro”: “Empenhe-se em realizar, todos os dias, alguma coisa que você não esteja a fim de fazer. Isso é a regra de ouro para adquirir o hábito de cumprir, sem sofrimento, seu dever”.

E isso funciona? A experiência diz que sim. Embora essa tarefa se transforme em “dever”, pelo menos não é imposta por ninguém. Nós mesmos é que nos obrigamos a executá-la. E isso faz enorme diferença. Estamos conscientes que, na hora que nos der na veneta, podemos deixar de fazê-la, sem que ninguém nos reprove ou eventualmente nos puna.

Tenho um amigo que detesta gatos. Para seu desespero, sua esposa os adora e tem uma dezena deles em casa. Para testar a “regra de ouro”, proposta por Mark Twain, decidiu, um belo dia, que iria alimentar, todos os dias, os bichanos e se encarregar de limpar a sujeira que fizessem. A mulher, claro, ficou encantada. Interpretou esse ato como mais uma prova de amor do marido. Desde então, nunca mais ele deixou de votar, de acompanhá-la à igreja e jamais tentou escapar dos vários deveres que tinha, por mais desagradáveis que os considerassem. Neste caso, a “regra de ouro” funcionou.

Outro exemplo que posso citar é o de um colega de infância, que se tornou um dos meus melhores amigos, com os anos de convivência (e que, para meu orgulho e felicidade, o é até hoje). Na escola, ficava aterrorizado quando o professor de Português dava, como lição de casa, alguma redação. Detestava escrever. Evitava, quando podia, até de redigir reles bilhetes.

Comentei, um dia, com ele, sobre a sugestão de Mark Twain a respeito de como não sofrer com deveres. Num primeiro momento, o amigo torceu o nariz, expressando dúvida a respeito. Como eu insistisse, decidiu testar o método. Resolveu escrever, todos os dias, um texto, sem se preocupar com o assunto ou a correção. De início, eram redações curtinhas, de dez linhas, se tanto, que tinha o cuidado de rasgar depois.

Com o tempo, foi pegando gosto pela coisa. Suas redações na escola melhoraram a olhos vistos. Nem mais reclamava quando o professor passava alguma como lição de casa. A culminância dessa melhoria foi quando uma de suas redações foi escolhida para compor uma antologia de textos dos alunos, bancada pela escola.

E sabem o que aconteceu? Pois é, o resultado foi muito melhor do que a encomenda. Hoje ele é um escritor de sucesso, com cinco livros publicados, e começou a escrever, recentemente, seu primeiro romance. Claro que não o identificarei! Mas é, hoje, um intelectual bem-sucedido, muito conhecido e respeitado nos meios editoriais. Poderia citar mais uma dezena de casos em que a regra de ouro de Mark Twain funcionou. E você, caro leitor, ainda duvida da sua eficácia? Ora, ora, ora, não se faça de rogado! Teste-a!!!


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