Regra de ouro
Pedro J. Bondaczuk
Os deveres que a vida em comunidade nos impõe, mesmo os mais simples
e óbvios, nos causam, quase sempre, resistência, quando não
repulsa. Sabemos que temos de cumpri-los, os cumprimos, mas raramente
de boa vontade. Isso ocorre não exatamente por causa de eventuais
dificuldades para o seu cumprimento, mas porque nos são,
tacitamente, impostos. Não são frutos exclusivos, portanto, da
nossa vontade. E isso faz a diferença. Subconscientemente,
sentimo-nos violentados em nosso livre-arbítrio.
Todos temos um conjunto de deveres – para com a nossa família, na
escola, no trabalho, em relação ao país em que vivemos etc. – a
cumprir. Por exemplo, em algumas sociedades democráticas, o voto é
um direito inalienável do cidadão. É o ápice, o ponto culminante,
o clímax da democracia. Se não pudéssemos votar, certamente
iríamos às ruas, nos manifestar publicamente, para que essa
possibilidade de escolher nossos representantes não nos fosse
interdita.
Todavia, em alguns países (inclusive o nosso) o voto é obrigatório.
Ou seja, deixa o campo do direito e se transforma num “dever”
cívico. Por isso, e somente por isso, ou seja, pela obrigatoriedade,
relutamos, em épocas de eleições, em votar. Ainda mais quando a
data de cumprir essa tarefa de cidadania cai num dia maravilhoso de
sol, em meados da Primavera. Sentimo-nos tentados a viajar para
alguma praia, ou cidade serrana, e mandar o “dever” para as
cucuias. Às vezes até o mandamos.
Há outros tantos exemplos em que o cumprimento de tarefas a que nos
vemos obrigados nos causa sofrimento. Uma delas, é servir o
Exército. Caso isso não fosse obrigatório, é bem provável que
nos oferecêssemos, de livre vontade, para tal serviço e que nos
sentíssemos diminuídos, até mesmo excluídos, caso não nos fosse
permitido. Como é obrigatório, porém... Ou seja, como é um
“dever” cívico, fazemos de tudo para nos livrar dessa obrigação.
Há alguma forma de fazermos o que somos obrigados sem que nos
sintamos constrangidos, violentados, coagidos e nem relutemos em
executar tal tarefa? Há! É o “treinamento” para esse tipo de
circunstância. O escritor norte-americano Samuel Clemens, mais
conhecido pelo seu pseudônimo de Mark Twain, sugere o seguinte
exercício, que considera como “regra de ouro”: “Empenhe-se em
realizar, todos os dias, alguma coisa que você não esteja a fim de
fazer. Isso é a regra de ouro para adquirir o hábito de cumprir,
sem sofrimento, seu dever”.
E isso funciona? A experiência diz que sim. Embora essa tarefa se
transforme em “dever”, pelo menos não é imposta por ninguém.
Nós mesmos é que nos obrigamos a executá-la. E isso faz enorme
diferença. Estamos conscientes que, na hora que nos der na veneta,
podemos deixar de fazê-la, sem que ninguém nos reprove ou
eventualmente nos puna.
Tenho um amigo que detesta gatos. Para seu desespero, sua esposa os
adora e tem uma dezena deles em casa. Para testar a “regra de
ouro”, proposta por Mark Twain, decidiu, um belo dia, que iria
alimentar, todos os dias, os bichanos e se encarregar de limpar a
sujeira que fizessem. A mulher, claro, ficou encantada. Interpretou
esse ato como mais uma prova de amor do marido. Desde então, nunca
mais ele deixou de votar, de acompanhá-la à igreja e jamais tentou
escapar dos vários deveres que tinha, por mais desagradáveis que os
considerassem. Neste caso, a “regra de ouro” funcionou.
Outro exemplo que posso citar é o de um colega de infância, que se
tornou um dos meus melhores amigos, com os anos de convivência (e
que, para meu orgulho e felicidade, o é até hoje). Na escola,
ficava aterrorizado quando o professor de Português dava, como lição
de casa, alguma redação. Detestava escrever. Evitava, quando podia,
até de redigir reles bilhetes.
Comentei, um dia, com ele, sobre a sugestão de Mark Twain a respeito
de como não sofrer com deveres. Num primeiro momento, o amigo torceu
o nariz, expressando dúvida a respeito. Como eu insistisse, decidiu
testar o método. Resolveu escrever, todos os dias, um texto, sem se
preocupar com o assunto ou a correção. De início, eram redações
curtinhas, de dez linhas, se tanto, que tinha o cuidado de rasgar
depois.
Com o tempo, foi pegando gosto pela coisa. Suas redações na escola
melhoraram a olhos vistos. Nem mais reclamava quando o professor
passava alguma como lição de casa. A culminância dessa melhoria
foi quando uma de suas redações foi escolhida para compor uma
antologia de textos dos alunos, bancada pela escola.
E sabem o que aconteceu? Pois é, o resultado foi muito melhor do que
a encomenda. Hoje ele é um escritor de sucesso, com cinco livros
publicados, e começou a escrever, recentemente, seu primeiro
romance. Claro que não o identificarei! Mas é, hoje, um intelectual
bem-sucedido, muito conhecido e respeitado nos meios editoriais.
Poderia citar mais uma dezena de casos em que a regra de ouro de Mark
Twain funcionou. E você, caro leitor, ainda duvida da sua eficácia?
Ora, ora, ora, não se faça de rogado! Teste-a!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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