O ritual da democracia
Pedro J. Bondaczuk
O País vai viver, dentro de
algumas horas, o momento culminante da democracia, quando mais de 94
milhões de brasileiros vão exercer --- espera-se que de forma livre
e ordeira --- o direito sagrado do voto. Vão ser realizadas as
maiores eleições da história do Brasil, tanto em termos de
eleitores habilitados a votar, quanto de cargos em disputa e de
candidatos que se apresentam ao julgamento popular.
As cartas estão sobre a mesa.
As urnas vão revelar se as pesquisas de opinião captaram com
exatidão as intenções da população, ou se os institutos
responsáveis por sua elaboração vão cair no ridículo, como
preveem alguns candidatos.
É possível que, a esta
altura, a grande maioria dos brasileiros já tenha convicção
firmada quanto àqueles que vão merecer o seu voto. Pena que parcela
considerável dos eleitores não tenha consciência da verdadeira
dimensão desse exercício democrático, do significado
transcendental deste processo de escolha e da responsabilidade que
precisa mostrar.
Ressalte-se que 34 milhões de
analfabetos são esperados nas urnas. É difícil aceitar (sem nenhum
tipo de preconceito) que tais pessoas, com possibilidades limitadas
de se informar, tenham tirocínio suficiente para fazer uma opção
lúcida.
A democracia é uma obra
permanentemente inacabada. Deve ser construída a cada dia, penosa,
paciente, mas incansavelmente. Quanto mais se aperfeiçoa, mais
imperfeita se mostra, por contraditório que isso possa parecer.
Pressupõe, em seu fundamento, a liberdade, sem a qual não tem a
mínima condição de existir.
Só é democrático o país
onde as ideias, as opiniões e as ações são livres. Onde todos os
atos, em especial os dos homens públicos, sejam transparentes,
expostos ao julgamento geral. Onde o direito de discordar, de se
opor, de divergir, é sagrado e absoluto.
Mas a liberdade pressupõe
responsabilidade. Implica no respeito aos direitos dos semelhantes.
Por isso, uma sociedade democrática, para merecer esse nome, é
tensa. Possui conflitos de interesse de toda espécie. Abriga
diferenças profundas de opinião. Pode ser tudo, menos tranquila.
Mas essas tensões tendem a
ser saudabilíssimas, se bem administradas. São a força que
impulsiona as nações vigorosas à liderança, à prosperidade e ao
sucesso. A autêntica democracia, portanto, é a sábia administração
de conflitos e não a ausência deles.
Só a ditadura é consensual.
Uma única e exclusiva vontade prevalece: a do ditador. Todos sempre
dizem sim a ele. Agem de acordo com a sua vontade, que é absoluta e
nunca admite contestações. E ai de quem discordar. Acaba
encarcerado, ou exilado, quando não sumariamente morto.
A ditadura fere profundamente
a alma de uma nação. Castra gerações, suprime a vitalidade
criadora que sobrevive apenas na liberdade e despersonaliza todo um
povo.
A democracia nunca é
perfeita. Mas aperfeiçoa-se a cada dia com seu próprio exercício.
E esse aperfeiçoamento se faz com o instrumento do voto. É somente
votando, e errando, e tornando a votar, e tornando a errar, mas sem
esmorecer, que a capacidade de escolha se apura. E o Brasil,
felizmente, está neste caminho.
Mas o exercício consciente da
cidadania não se esgota com as eleições. Deve prosseguir com a
permanente vigilância sobre os eleitos, com a cobrança dos seus
atos e com a participação política e social de todos. Nas próximas
horas, portanto, nova fase do processo democrático estará apenas
começando. Na verdade jamais tem prazo para acabar.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, da Folha do Taquaral, em 1 de outubro de 1994).
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