Thursday, November 16, 2017

O ritual da democracia


Pedro J. Bondaczuk


O País vai viver, dentro de algumas horas, o momento culminante da democracia, quando mais de 94 milhões de brasileiros vão exercer --- espera-se que de forma livre e ordeira --- o direito sagrado do voto. Vão ser realizadas as maiores eleições da história do Brasil, tanto em termos de eleitores habilitados a votar, quanto de cargos em disputa e de candidatos que se apresentam ao julgamento popular.

As cartas estão sobre a mesa. As urnas vão revelar se as pesquisas de opinião captaram com exatidão as intenções da população, ou se os institutos responsáveis por sua elaboração vão cair no ridículo, como preveem alguns candidatos.

É possível que, a esta altura, a grande maioria dos brasileiros já tenha convicção firmada quanto àqueles que vão merecer o seu voto. Pena que parcela considerável dos eleitores não tenha consciência da verdadeira dimensão desse exercício democrático, do significado transcendental deste processo de escolha e da responsabilidade que precisa mostrar.

Ressalte-se que 34 milhões de analfabetos são esperados nas urnas. É difícil aceitar (sem nenhum tipo de preconceito) que tais pessoas, com possibilidades limitadas de se informar, tenham tirocínio suficiente para fazer uma opção lúcida.

A democracia é uma obra permanentemente inacabada. Deve ser construída a cada dia, penosa, paciente, mas incansavelmente. Quanto mais se aperfeiçoa, mais imperfeita se mostra, por contraditório que isso possa parecer. Pressupõe, em seu fundamento, a liberdade, sem a qual não tem a mínima condição de existir.

Só é democrático o país onde as ideias, as opiniões e as ações são livres. Onde todos os atos, em especial os dos homens públicos, sejam transparentes, expostos ao julgamento geral. Onde o direito de discordar, de se opor, de divergir, é sagrado e absoluto.

Mas a liberdade pressupõe responsabilidade. Implica no respeito aos direitos dos semelhantes. Por isso, uma sociedade democrática, para merecer esse nome, é tensa. Possui conflitos de interesse de toda espécie. Abriga diferenças profundas de opinião. Pode ser tudo, menos tranquila.

Mas essas tensões tendem a ser saudabilíssimas, se bem administradas. São a força que impulsiona as nações vigorosas à liderança, à prosperidade e ao sucesso. A autêntica democracia, portanto, é a sábia administração de conflitos e não a ausência deles.

Só a ditadura é consensual. Uma única e exclusiva vontade prevalece: a do ditador. Todos sempre dizem sim a ele. Agem de acordo com a sua vontade, que é absoluta e nunca admite contestações. E ai de quem discordar. Acaba encarcerado, ou exilado, quando não sumariamente morto.

A ditadura fere profundamente a alma de uma nação. Castra gerações, suprime a vitalidade criadora que sobrevive apenas na liberdade e despersonaliza todo um povo.

A democracia nunca é perfeita. Mas aperfeiçoa-se a cada dia com seu próprio exercício. E esse aperfeiçoamento se faz com o instrumento do voto. É somente votando, e errando, e tornando a votar, e tornando a errar, mas sem esmorecer, que a capacidade de escolha se apura. E o Brasil, felizmente, está neste caminho.

Mas o exercício consciente da cidadania não se esgota com as eleições. Deve prosseguir com a permanente vigilância sobre os eleitos, com a cobrança dos seus atos e com a participação política e social de todos. Nas próximas horas, portanto, nova fase do processo democrático estará apenas começando. Na verdade jamais tem prazo para acabar.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, da Folha do Taquaral, em 1 de outubro de 1994).



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