Regresso à totalidade
Pedro J. Bondaczuk
O homem, a despeito de se
constituir em um ser excepcional em relação às demais criaturas
viventes conhecidas, animais e vegetais, não está satisfeito com a
sua humanidade. Não compreende a morte, por exemplo, e aspira, mesmo
que o negue, a uma impossível eternidade, mesmo que não seja a
física.
Deseja (possivelmente, em vão)
que pelo menos essa essência, que o move, e que lhe faculta a
compreensão, que denomina de “alma”, ou de “espírito”,
sobreviva ao tempo e à efemeridade. Há quem creia piamente nessa
hipotética “outra vida” alhures, com outra conformação, que
não a material, que seria um prêmio por suas virtudes e seu
procedimento racional na Terra.
Há, também, em
contrapartida, quem acredite que tudo se acabe com o último suspiro
e que, quem, não aproveitou para satisfazer a carne, ou seja, os
sentidos, viveu em vão. São os hedonistas e os epicuristas. De uma
maneira ou de outra, todavia, todos aspiram por um retorno, e que não
seja doloroso e traumático, à misteriosa e assombrosa totalidade,
de onde foram arrancados à revelia. Afinal, ninguém pede para
nascer!
Cada qual tem sua forma
própria e peculiar de pensar a respeito e as estratégias para esse
tão desejado regresso ao cosmo são tantas quantas são as pessoas
que vivem ou já viveram desde a origem deste estranho e excepcional
animal.
Uns apegam-se, exclusivamente,
à religião, não raro dogmaticamente – e alguns vão ao extremo
de se apegar fanaticamente – e anseiam que chegue logo esse momento
de seguirem para esse Paraíso sonhado, em que não haveria
sofrimentos (físicos e nem mentais), maldade, violência,
injustiças, dores e nem morte. Estão certos? Estão errados? Não
se pode dizer!
Outros, por sua vez, nutrem a
(vã?) esperança de que o homem, algum dia, aprenderá a dominar
seus instintos de fera, a conviver em paz e harmonia com o próximo e
com a natureza e, mediante a ciência, descobrirá, entre seus tantos
genes, o que lhe possibilite a vida eterna, mas em sua forma física,
orgânica, corporal, do jeito que é. Estão certos? Estão errados?
Também não se pode dizer!
Há uma série de fatores que,
de acordo com a realidade de cada um, determina a forma duma pessoa
refletir sobre seu futuro e de projetar nele seus anseios e
esperanças. Os que nascem, por exemplo, com o estigma de alguma
deficiência física (ou mental), e se veem, por isso, limitados nas
ações, sonham com maior intensidade com esse mundo espiritual, em
que serão perfeitos e incorruptíveis, e poderão fazer tudo o que
lhes é vedado em sua condição atual.
Têm aspiração idêntica os
acometidos por doenças incapacitantes (e são tantos no mundo!), os
que convivem, dia a dia, com intensas e cruciantes dores e que
definham, a olhos vistos, ansiando, desesperadamente, pelo fim do seu
sofrimento. Compreende-se sua posição face à vida, à qual
usufruem com profundas limitações. Mas o ser humano é,
paradoxalmente, tão grande, em sua profunda pequenez, que consegue
criar esperanças quando as circunstâncias lhe são todas propícias,
somente, ao desespero.
Mesmo os céticos, porém, os
que não creem em paraísos espirituais e nem em milagrosos feitos da
ciência, anseiam pelo regresso à totalidade original. Como? Pelo
amor! Parece constatação insólita, mas não é.
O poeta mexicano, Octávio
Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, escreveu acerca
dessa aspiração humana: “Ao nascer, fomos arrancados da
totalidade. Pelo amor, nos sentimos regressar à totalidade original.
Por isto as imagens poéticas transformam a pessoa amada em natureza
– montanha, água, estrela, selva, mar, onda – e por sua vez a
natureza fala como se fosse mulher. É a reconciliação com a
totalidade que é o mundo”.
Os poetas, portanto, são os
arautos de um admirável mundo novo, em que o homem, finalmente,
possa adquirir a sonhada eternidade e se reconciliar com o todo. Suas
criativas metáforas são arquétipos dos sonhos milenares da
humanidade, expressos de formas tão variadas e contraditórias por
tantos, ao longo de tanto tempo.
Intuem que, da mesma forma
que, pelo amor, fomos arrancados, traumaticamente, da totalidade,
apenas por seu intermédio poderemos a ela regressar. O orgasmo, por
exemplo, é uma pequena representação da morte, da qual, todavia,
renascemos, invariavelmente, relaxados, mas revigorados.
Quem está certo a esse
propósito: os que se apegam às religiões ou os que creem,
exclusivamente, na ciência? Ninguém, mas ninguém mesmo está
minimamente capacitado a dar um veredicto que sequer se aproxime da
verdade. Mas o que fica claro é que o homem não se satisfaz com sua
humanidade.
É certo? É errado? A
resposta fica por conta de cada um, de conformidade com suas crenças
e convicções. Ressalto, porém, que nosso intuito não é o de
fazer juízo de valores a esse propósito e nem o de conquistar
prosélitos para uma tese ou outra. É, exclusivamente, o de induzir
você, fiel leitor, à madura reflexão. Pense nisso!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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