Dinâmica democrática
Pedro J. Bondaczuk
O deputado
José Serra, em artigo intitulado “Democracia Inacabada”,
publicado no dia 19 passado no jornal “O Estado de São Paulo”,
sugere algumas mudanças (ousadas, embora pareçam óbvias) no
sistema de representatividade do País.
Algumas
das sugestões são, virtualmente, consensuais, enquanto outras,
embora necessárias, dificilmente terão sucesso, diante da
resistência que certamente vão encontrar por parte dos que defendem
o status quo. O primeiro ponto sugerido para conferir maior
transparência e legitimidade aos representantes do povo nos vários
cargos eletivos, é a não obrigatoriedade do voto. Afinal, mais do
que dever, esse é um direito, uma prerrogativa do cidadão, que ele
deve ser livre para exercer ou não.
Nos
países com maior tradição democrática ninguém é obrigado a
votar. Comparece às urnas apenas se algum candidato conseguir
sensibilizá-lo com suas mensagens. Serra usa, no seu artigo, um
exemplo claro, ao assinalar que “a Constituição reconhece aos
brasileiros o direito de ir e vir no território nacional, mas nem
por isso estão todos obrigados a viajar para o litoral no fim de
semana”.
A
Segunda sugestão é a da instituição do voto distrital misto. Isto
reduziria bastante o número de candidatos e anularia a força do
poder econômico nas campanhas, que são causas de tantas corrupções
(como a trajetória de PC Farias pela vida política nacional e o
esquema Pau Brasil, entre outros).
Pela
proposta, parte dos deputados, senadores e vereadores seria escolhida
por distritos e a outra continuaria sendo eleita mantendo a atual
sistemática. Particularmente, não apreciamos este hibridismo. Somos
favoráveis ao voto distrital puro, que permite um controle efetivo
do eleitor sobre a atuação do seu representante, o que, em
absoluto, não acontece agora. Daí tantas mazelas praticadas por
parlamentares, que não se sentem obrigados a prestar contas a
ninguém.
O
terceiro item da proposta de Serra é tão óbvio, que causa pasmo o
fato de não constar na atual legislação dos partidos. Refere-se à
fidelidade partidária. Ressalta o deputado do PSDB paulista, em seu
citado artigo: “Muitos parlamentares disputam o mandato com uma
cara e o exercem com outra”.
Praticam,
portanto, aquilo que em termos publicitários é caracterizado como
“propaganda enganosa”. E o pior de tudo é que essa prática
possibilita a disseminação de uma parafernália maluca de siglas,
que pouco ou nada significam em termos ideológicos.
A
quarta sugestão refere-se ao calendário eleitoral. Serra lembra que
a cada dez anos, o País tem sete eleições, sendo três
consecutivas. Para evitar os custos proibitivos desses pleitos, ele
sugere o aumento da coincidência de mandatos, o que, convenhamos,
além de racional, não é difícil de se fazer.
A
Quinta sugestão é para lá de óbvia. Diz respeito à correção do
tamanho das bancadas estaduais na Câmara Federal. É inconcebível
que o voto de um eleitor paulista, do Estado mais rico e populoso do
País, valha 70 vezes menos do que o de um acreano, ou amapaense, por
exemplo, com todo o respeito que os cidadãos do Acre e do Amapá
mereçam.
Mas
a proposta mais polêmica desse elenco é a sexta, que prevê a
supressão do cargo de vice para os governos municipal, estadual e
federal. Como se observa, as mudanças sugeridas por Serra são
bastante racionais e cada uma delas merece uma análise em separado,
que nos propomos a fazer oportunamente.
A
democracia autêntica nunca é um processo fechado, um conjunto de
dogmas, algo cristalizado, mas um exercício cotidiano de mudanças.
Por isso, jamais é uma obra acabada. Que tal reformarmos a nossa, em
seu aspecto fundamental, hoje tão desarrumado, que é o sistema de
representatividade?
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 24 de agosto
de 1993).
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