Thursday, November 09, 2017

Dinâmica democrática



Pedro J. Bondaczuk



O deputado José Serra, em artigo intitulado “Democracia Inacabada”, publicado no dia 19 passado no jornal “O Estado de São Paulo”, sugere algumas mudanças (ousadas, embora pareçam óbvias) no sistema de representatividade do País.

Algumas das sugestões são, virtualmente, consensuais, enquanto outras, embora necessárias, dificilmente terão sucesso, diante da resistência que certamente vão encontrar por parte dos que defendem o status quo. O primeiro ponto sugerido para conferir maior transparência e legitimidade aos representantes do povo nos vários cargos eletivos, é a não obrigatoriedade do voto. Afinal, mais do que dever, esse é um direito, uma prerrogativa do cidadão, que ele deve ser livre para exercer ou não.

Nos países com maior tradição democrática ninguém é obrigado a votar. Comparece às urnas apenas se algum candidato conseguir sensibilizá-lo com suas mensagens. Serra usa, no seu artigo, um exemplo claro, ao assinalar que “a Constituição reconhece aos brasileiros o direito de ir e vir no território nacional, mas nem por isso estão todos obrigados a viajar para o litoral no fim de semana”.

A Segunda sugestão é a da instituição do voto distrital misto. Isto reduziria bastante o número de candidatos e anularia a força do poder econômico nas campanhas, que são causas de tantas corrupções (como a trajetória de PC Farias pela vida política nacional e o esquema Pau Brasil, entre outros).

Pela proposta, parte dos deputados, senadores e vereadores seria escolhida por distritos e a outra continuaria sendo eleita mantendo a atual sistemática. Particularmente, não apreciamos este hibridismo. Somos favoráveis ao voto distrital puro, que permite um controle efetivo do eleitor sobre a atuação do seu representante, o que, em absoluto, não acontece agora. Daí tantas mazelas praticadas por parlamentares, que não se sentem obrigados a prestar contas a ninguém.

O terceiro item da proposta de Serra é tão óbvio, que causa pasmo o fato de não constar na atual legislação dos partidos. Refere-se à fidelidade partidária. Ressalta o deputado do PSDB paulista, em seu citado artigo: “Muitos parlamentares disputam o mandato com uma cara e o exercem com outra”.

Praticam, portanto, aquilo que em termos publicitários é caracterizado como “propaganda enganosa”. E o pior de tudo é que essa prática possibilita a disseminação de uma parafernália maluca de siglas, que pouco ou nada significam em termos ideológicos.

A quarta sugestão refere-se ao calendário eleitoral. Serra lembra que a cada dez anos, o País tem sete eleições, sendo três consecutivas. Para evitar os custos proibitivos desses pleitos, ele sugere o aumento da coincidência de mandatos, o que, convenhamos, além de racional, não é difícil de se fazer.

A Quinta sugestão é para lá de óbvia. Diz respeito à correção do tamanho das bancadas estaduais na Câmara Federal. É inconcebível que o voto de um eleitor paulista, do Estado mais rico e populoso do País, valha 70 vezes menos do que o de um acreano, ou amapaense, por exemplo, com todo o respeito que os cidadãos do Acre e do Amapá mereçam.

Mas a proposta mais polêmica desse elenco é a sexta, que prevê a supressão do cargo de vice para os governos municipal, estadual e federal. Como se observa, as mudanças sugeridas por Serra são bastante racionais e cada uma delas merece uma análise em separado, que nos propomos a fazer oportunamente.

A democracia autêntica nunca é um processo fechado, um conjunto de dogmas, algo cristalizado, mas um exercício cotidiano de mudanças. Por isso, jamais é uma obra acabada. Que tal reformarmos a nossa, em seu aspecto fundamental, hoje tão desarrumado, que é o sistema de representatividade?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 24 de agosto de 1993).



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